Em quase seis meses de funcionamento, o sistema de reconhecimento facial adotado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro levou 185 foragidos da Justiça à prisão por delitos que vão de falta de pagamento de pensão alimentícia a estupro e homicídio. A tecnologia, que cruza imagens captadas em tempo real com um banco de dados, foi inaugurada no último réveillon de Copacabana. O bairro continua a servir de laboratório para o aprimoramento do programa: um estudo produzido pela coordenação do Projeto Copacabana Presente mostrou que, de 75 alertas emitidos até março, apenas 12 suspeitos (ou 16% do total) foram localizados e presos, e mais da metade não foi encontrada pelos policiais.
A partir desse levantamento, a coordenação sugeriu o aumento de câmeras com tecnologia de reconhecimento no bairro. Além dos 11 pontos já existentes, foram apontados outros 16 locais estratégicos, em Copacabana e no Leme, para a formação de um “cinturão de reconhecimento facial”.
Sensação de segurança
Na estreia do sistema, no réveillon passado, a expressiva redução nos registros de roubos e furtos durante o festejo foi comemorada pelo governador Cláudio Castro. Também chamou atenção a diferença entre os números de crimes violentos nos shows de Alok, para 600 mil pessoas, em agosto de 2023, e da cantora Madonna, em maio deste ano, já com as câmeras em funcionamento: no mesmo local, o Posto 2, a estrela pop atraiu 1,6 milhão de fãs e teve um quinto das ocorrências registradas na apresentação do DJ brasileiro.
O risco de estar na mira das câmeras de reconhecimento pode já ser incentivo suficiente para afastar foragidos da Justiça e até mesmo intenções criminosas. A tenente-coronel Cláudia Moraes, porta-voz da Polícia Militar, explica que a ideia, com a proposta de ampliação do sistema em Copacabana, é aumentar a possibilidade de se acompanhar o trajeto de um suspeito após a identificação.
Isso já ocorre, observa ela, lembrando que no show de Madonna agentes do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) seguiram um suspeito com uso de drone até o momento em que um policial realizou a abordagem.
— Já tivemos algumas situações em que a câmera reconheceu o suspeito dentro de um carro em movimento, então fica complicado conseguir realizar a abordagem. Ele também pode embarcar em outro transporte, em último caso até sumir em meio à multidão. Mesmo com extenso videomonitoramento, isso ainda vai acontecer. Mas nós trabalhamos para diminuir esse número — diz a porta-voz da PM.
Expansão da rede
No mês passado, o secretário de Polícia Militar, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, solicitou apoio da Companhia Municipal de Energia e Iluminação (Rioluz) para colocar videomonitoramento em mais 14 pontos da Barra e do Recreio, na Zona Oeste da cidade, voltado para estações do BRT, além de novos pontos da orla e da Avenida das Américas.
O sistema de reconhecimento hoje usa as 126 câmeras da PM e outras do programa 190 integrado, que são equipamentos de videomonitoramento cedidos à polícia. É necessário que as imagens tenham boa resolução, conexão com a internet e gravação mínima de 30 dias.
![Sistema de reconhecimento facial no Rio ganha proposta de ampliação — Foto: Arte infoglobo](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/V1FpEaGMb7nnSdV38pX7uuYKdHg=/0x0:648x824/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/Q/8/pBIaViQWyDeYwtArccyA/reconhecimento-facial-numeros-web.jpg)
O relatório produzido em Copacabana ao longo dos primeiros três meses do ano ainda revelou que, a cada três alertas do sistema, um foi gerado de forma errada: em 28% dos casos, a pessoa não era foragida, e em 5% não foi verificado mandado de prisão em aberto. Segundo a equipe do CICC, desde então o sistema foi calibrado e aperfeiçoado para diminuir o índice de falso positivo.
O alerta para um possível foragido obedece a percentual definido para identificar similaridades entre as imagens e os suspeitos. Ainda assim, após a sua emissão, um agente avalia a foto e faz mais uma conferência. Só depois disso um policial é acionado para fazer a abordagem. A corporação informou que também criou uma listagem com os falsos positivos confirmados para, caso o sistema alerte para a mesma pessoa, o policial não efetue a abordagem novamente.
Além do falso positivo, há casos em que o mandado de prisão não está mais válido. Desde do ano passado, 9% das pessoas abordadas pelos agentes após alerta do sistema não tinham mandado de prisão.
Em janeiro, duas pessoas foram presas irregularmente: foram condenadas, mas não tinham ordens de prisão expedidas. Desatualizados, seus mandados de prisão seguiam no sistema SIPWeb, da Polícia Civil, ligado ao reconhecimento facial da PM. A tenente-coronel Claudia Moraes explica que foi criado um protocolo com quatro etapas para evitar prisões equivocadas. Além do alerta do sistema, há a comparação de imagens feita por agente, a abordagem e identificação na rua e, por último, uma checagem na delegacia.
Próximo passo: integração
Para o ex-secretário nacional de Segurança, o coronel reformado da PM José Vicente da Silva, a implementação de um sistema integrado é indispensável para o sucesso de uma ferramenta como a do reconhecimento facial:
— É importante que exista um banco de dados com informações compartilhadas entre Justiça, Ministério Público, polícias Civil e Militar. A rivalidade entre algumas instituições dificulta essas parcerias, mas o ideal seria um sistema cooperativo de inteligência compartilhada — afirma ele.
Ao comentar sobre o planejamento para expandir o sistema com mais 500 dispositivos, em entrevista em fevereiro, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor César, observou que só a ampliação do reconhecimento facial já iria inibir a exposição de foragidos e as ações criminosas.
Apesar de ainda não haver estudo mostrando a influência das câmeras na queda no índice de criminalidade em Copacabana, os principais índices de roubo no bairro estão indo na contramão da capital este ano. O número de registros de roubo de rua — soma dos roubos a pedestre, de celular e em ônibus — na área do 19º BPM, que policia os bairros de Copacabana e do Leme, caiu 42% entre janeiro e abril deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. Já na cidade do Rio, o índice subiu 12,5% no primeiro quadrimestre.
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