Rio
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Mensagens extraídas pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) do celular de PM expõem a proximidade entre a milícia que atua em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, e os agentes lotados no batalhão da cidade, o 39º BPM. O cabo Julio Cesar Ferreira dos Santos teve o celular apreendido em dezembro de 2020, quando foi detido em flagrante sob a acusação de ter matado os amigos Jhordan Luiz de Oliveira Natividade e Edson de Souza Arguinez. Após serem abordados pela patrulha do cabo Santos, os dois foram mortos e tiveram seus corpos abandonados numa área da cidade dominada pela milícia. A quebra do sigilo telefônico de Santos trouxe à tona diálogos entre o PM e o chefe da milícia local, que está preso desde 2017. 

Domerice dos Santos José, conhecido como Dito ou Devagar, foi preso em 2017 — Foto: Reprodução
Domerice dos Santos José, conhecido como Dito ou Devagar, foi preso em 2017 — Foto: Reprodução

Santos foi preso novamente na última terça-feira sob acusação de integrar uma quadrilha de PMs acusada de extorquir dinheiro de comerciantes e mototaxistas em Belford Roxo. Outros diálogos encontrados em seu celular revelaram que os agentes desviavam armas e drogas apreendidas e até peças de carros recuperados.

Em 14 de setembro de 2020 — dois meses antes dos homicídios dos amigos —, Domerice dos Santos José, conhecido como Dito ou Devagar, enviou a Santos uma mensagem pelo WhatsApp: "Boa noite irmão, Dito aqui, salva meu zap novo". "Tá salvo. Sai logo pra gente tomar de volta nosso lugar", respondeu o PM. Para os investigadores, Santos se referia a alguma área de Belford Roxo que já foi controlada pela milícia e havia sido invadida pelo tráfico.

Diálogo entre o PM e o miliciano — Foto: Reprodução
Diálogo entre o PM e o miliciano — Foto: Reprodução

Em seguida, o PM ainda tentou consolar o miliciano, que está preso desde 2017 e, em 2022, foi condenado a uma pena de 12 anos por chefiar a milícia da cidade. Em 2008, o nome de Domerice foi citado no Relatório Final da CPI das Milícias. "Não desanima, tudo vai se resolver", diz o PM. "Irmão, minha maior preocupação era minha família. Eles não estão lá, melhorou pra mim. Deus é justo, tenho fé que já já estarei aí", escreveu o miliciano. "Vem que vem", comemorou Santos. Em 2022, a Justiça determinou a progressão do miliciano para o regime semiaberto.

A sequência do diálogo revela que o miliciano também atuava, de dentro da cadeia, como uma espécie de colaborador do PM, repassando denúncias sobre traficantes que atuavam em Belford Roxo. "Mano, passa para o setor, Rua Itaipu, Babi, tem um cara armado, em frente à creche. O morador viu e me passou", escreveu Domerice. Santos logo repassou a mensagem a um colega de batalhão e deixou clara sua origem: "Quem tá falando agora aqui é o Devagar".

No aparelho, também foram encontradas trocas de mensagens entre Santos e outro acusado de integrar a milícia que atua na cidade: o sargento Alex Bonfim de Lima Silva, que também era lotado no 39º BPM. Em 2021, Bonfim foi preso sob a acusação de atuar como armeiro do grupo paramilitar. Nos diálogos, Santos e Bomfim tratam da compra e venda de armas de fogo, carregadores e munição.

Nas mensagens, Santos também deixa clara sua vontade de matar traficantes, ao invés de prendê-los. Em março de 2020, após receber de um interlocutor um vídeo que flagrou um roubo na cidade, o PM comentou: "Esses caras são foda, tem que matar essas pragas todas, matar todos eles!". Em seguida, ao ser informado que os ladrões haviam sido presos, Santos demonstrou descontentamento com o desfecho da ocorrência. "Deram sorte... Quem prendeu eles... Eu não ia prender não, pode ter certeza disso. Na nossa área, tocando o zaralho. Tinha que ter pegado eles e entupido de tiro, entendeu?", disse o PM.

As mensagens foram anexadas ao processo em que o PM e seu colega de batalhão Jorge Luiz Custódio da Costa respondem pelo homicídio dos dois amigos, em 2020. O MP pediu à Justiça que os dois sejam levados a júri popular. Câmeras de segurança flagraram o momento da abordagem. Após terem sido parados por um dos policiais, os amigos caíram da motocicleta. Em seguida, sofrem algumas agressões, são algemados e colocados dentro da viatura. Uma arma foi encontrada com os rapazes.

No entanto, os jovens não foram levados para a delegacia. Eles foram encontrados mortos a tiros no dia seguinte, por familiares, a oito quilômetros do local da abordagem. Os parentes das vítimas conseguiram as imagens de câmeras de segurança que flagraram a revista dos jovens e foram até o 39º BPM. O comando do batalhão encaminhou os dois PMs à DHBF. Na unidade, em depoimento, eles alegaram que liberaram os jovens cerca de 40 metros após terem colocado ambos na viatura. Os dados do GPS do carro, no entanto, derrubaram a versão dos policiais, demonstrando que eles não pararam no local indicado. Os PMs foram presos em flagrante, mas foram beneficiados pela Justiça no ano seguinte e, desde então, respondiam ao processo em liberdade.

Na última terça-feira, ambos foram novamente presos. Eles passaram a responder também por integrar um grupo de PMs suspeito de cobrar propina de comerciantes e mototaxistas do município, além de vender peças de carros recuperados em operações. O material, que inclui pneus e rodas, seria retirado dos veículos antes de serem apresentados pelos PMs nas delegacias de polícia.

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