Embora não tenha chovido nesta sexta-feira o que estava previsto para a Região Metropolitana, as medidas de redução de danos implementadas pelo estado e pelas prefeituras, assim como os alertas dos serviços de meteorologia, mostraram o caminho em tempos de eventos climáticos extremos e com cidades ainda muito vulneráveis. Para especialistas, a estratégia adotada deve ser incorporada daqui para frente, sem que sejam deixadas de lado ações estruturantes, como melhorar as condições de moradia e saneamento. Na capital, o ponto facultativo e os apelos da prefeitura deixaram as ruas vazias, livres para os serviços de emergência agirem em caso de deslizamentos e alagamentos.
Menos gente e carros
Em plena tarde de sexta-feira, o Centro de Operações Rio (COR) registrou uma queda de 61% no número de pessoas nas ruas da cidade. Uma das cenas foi o mercado popular da Saara, no Centro, onde a maioria das lojas fechou as portas. Os carros também ficaram mais nas garagens ontem: os engarrafamentos foram reduzidos em 94% no rush da tarde. Esse deserto foi em boa hora, porque um alagamento fechou à tarde a Estrada do Galeão, um dos principais acessos da Ilha do Governador. Se não houvesse o ponto facultativo, o bloqueio poderia ter dado um nó no trânsito, chegando às linhas Vermelha e Amarela, segundo o prefeito Eduardo Paes. E, como de costume, houve bolsões d’água na Avenida Borges de Medeiros, na Lagoa, e alguns casos de queda de árvore.
Sob forte chuva, Petrópolis registra desabamentos e ruas alagadas; veja fotos
— O setor público teve ponto facultativo. E a iniciativa privada ajudou nessa mobilização, inclusive adotando o home office, o que fez toda diferença. Isso facilitou que a prefeitura atuasse (nas emergências) — disse Paes.
Especialista em análise de risco ambiental, Paulo Zanardi concorda que ruas mais vazias facilitam o deslocamento de equipes dos órgãos públicos:
— A decisão de emitir esses alertas pode, em um primeiro momento, causar prejuízos à economia. Mas são essenciais. Ao ser avisado, o empresário pode se planejar para evitar perdas. E há a questão essencial de preservar vidas.
O climatologista Carlos Nobre faz um paralelo entre as precauções adotadas pelas autoridades e o dia a dia do cidadão comum:
— Em comparação com a frota em circulação, os casos de furtos de veículos podem ser considerados raros. Nem por isso, o cidadão deixa de fazer seguro. Assim como é entrar em uma área de risco com medo de ser assaltado, mesmo que isso de fato não aconteça.
Nobre, no entanto, destaca a precisão das prognósticos meteorológicos, feito com base em informações geradas por radares de todo o mundo.
— Os modelos adotados na meteorologia tem um índice de acerto de 70%. A população tem que se acostumar a receber esses alertas e seguir as recomendações — defendeu.
O melhor que pode acontecer após um alerta é não acontecer nada, destaca Regina Alvalá, diretora substituta do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e coordenadora do levantamento da população em áreas de risco de todo o Brasil.
O Cemaden foi criado após a tragédia da Serra em 2011, que deixou mais de 900 mortos. Naquele 11 de janeiro, muita gente morreu em casa porque não sabia que a noite traria uma tempestade devastadora. A função do Cemaden não é fazer previsão do tempo, mas sim alertar para os eventos meteorológicos perigosos devido à combinação de chuva com a vulnerabilidade do lugar e da população ali.
— Somos extremamente criteriosos na emissão de alertas. Quando o fazemos, é porque existe um elevado risco para a população — diz a diretora do Cemaden.
Alvalá frisa que a meteorologia não é uma ciência exata e nem sempre os alertas se concretizam. Nos EUA e no Japão, a população tem educação para o risco e celebra quando nada acontece, mas fica de sobreaviso em situações potencialmente perigosas.
Professor do Departamento de Meteorologia da UFRJ e coordenador do Laboratório de Previsão de Curtíssimo Prazo e Eventos Extremos (LACPEX), Fabrício Polifke explica que o Estado do Rio está passando por um evento extremo, o que difere de uma ocorrência severa — que é mais difícil de prever pelos modelos matemáticos porque se dão devido a um conjunto de fatores. Um exemplo, segundo ele, de evento severo foi a enxurrada de fevereiro de 2022, que deixou 235 mortos em Petrópolis.
O coordenador de Operações do Cemaden, o meteorologista Marcelo Seluchi, diz que é impossível, pelos modelos adotados, indicar os pontos onde as chuvas serão realmente mais fortes:
— Ficar de sobreaviso salva vidas. Mobilização é fundamental — defendeu.
Outro que defende a cultura de prevenção de incidente é o economista e ambientalista Sérgio Besserman, especialista em mudanças climáticas:
— As mudanças climáticas já começaram. Qualquer modelo, série histórica que ajudava nas previsões, pode não ser mais tão preciso. Por isso, é preciso adotar uma cultura de gestão de risco a ser seguida pela população. Nos próximos quatro ou cinco anos, é provável que essas orientações se apliquem não apenas para decidir parar atividades por causa de chuvas, mas também por causa de ondas de calor.
Ação é comum no exterior
No exterior, essa cultura da prevenção é comum e há muito tempo. Nos EUA, na Europa e no Japão, em caso de risco, portadores de celulares recebem alertas sonoros mesmo se os aparelhos estiverem desligados. Ao observarem o monitor, são informados de que estão em alguma situação de perigo. As mensagens variam: podem alertar se alguém está numa área com temporal, nevasca ou até tsunami, ou sob ameaças de terrorismo. O aviso é emitido a partir do sinal das antenas de celulares mais próximas.
No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) anunciou no ano passado que iniciaria testes com essa tecnologia, conhecida como Broadcast, em sete cidades brasileiras, entre as quais Petrópolis — onde três pessoas morreram soterradas ontem — e Angra dos Reis. Procurada, a Anatel não respondeu sobre a evolução do projeto, mas o que se sabe é que a implementação do programa está atrasado. As defesas civis dos municípios informaram que os testes começariam em janeiro. Segundo a deputada estadual Célia Jordão (PL), que acompanha o processo, a previsão agora é que o programa seja iniciado mês que vem.
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