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Por Vera Araújo — Rio de Janeiro

Há nove meses, ao assumir a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) do Rio, a policial penal Maria Rosa Lo Duca se tornou a primeira mulher a assumir a pasta. Com a reeleição do governador Cláudio Castro, foi uma das poucas mantidas no secretariado, que tomou posse no último dia 2. Inspetora penal desde 1994, ela é frequentemente vista com o uniforme preto da polícia penal, uma forma de empregar a sua marca à frente da pasta, que no passado era comandada, quase sempre, por coronéis da Polícia Militar, delegados da Polícia Civil e advogados.

Ao ser nomeada secretária de Administração Penitenciária em abril do ano passado, Maria Rosa se deparou com uma situação inusitada: a falta de cadeados para as celas. A pasta é responsável pela guarda de cerca de 43 mil presos no estado, uma população carcerária flutuante que inclui nessa soma 18 mil provisórios. Também por pouco, os dados armazenados pela instituição não se perderam totalmente, pois o servidor da rede de computadores da Seap, de mais de uma década de uso, estava à beira de um colapso por estar obsoleto.

Mas a surpresa maior foi descobrir que não era por falta de dinheiro disponível. Havia cerca de R$ 85 milhões destinados à secretaria parados, cumulativamente, desde 2016, proveniente do Fundo Nacional Penitenciário (Funpen). A verba é repassada aos estados para a execução de estratégias e ações nas unidades penitenciárias, assim como na aplicação em políticas públicas de assistência aos presos, pela Secretaria Nacional de Políticas Penais — até o ano passado, tinha o nome de Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Segundo a secretária, o repasse estava retido porque as administrações anteriores não apresentavam o planejamento do ano, conforme exigido para ter acesso ao dinheiro.

Resolvido o problema, Maria Rosa começou a tirar os projetos do papel. Entre eles, destaca-se a construção de um novo presídio de segurança máxima, nos moldes dos prédios do Complexo Penitenciário da Papuda, unidade federal localizada em Brasília no qual se adota o Regime Disciplinar Difereciado (RDD), com mais restrições para os presos; e um presídio industrial. É com este último que a secretária mais se empolga, uma vez que o primeiro ainda está em fase inicial e é mais sensível, por questões de segurança.

Bacharel em direito e pós-graduada em Gestão Pública de Projetos na Escola Superior Cândido Mendes, ela chegou a cuidar de projetos para presos quando foi lotada na Fundação Santa Cabrini como gestora do trabalho dos internos e daqueles que vieram do cárcere.

— Desde que fui nomeada, a Seap se mantém no meu radar 24 horas por dia. Tenho orgulho de dizer que já passei por todas as funções aqui: chefe de turma, de classificação e de segurança. Fui assessora, diretora de unidade prisional e chefe de gabinete. Mas, para mim, meu divisor de águas foi trabalhar na Santa Cabrini por nove anos. Ali vi e compreendi como o ser humano é privado de liberdade para além da pena. O único caminho para essa reforma íntima são educação, qualificação e trabalho — aposta a secretária. — Quando a pessoa deixa a cadeia, ela já chega com as mãos para trás e só responde “sim senhor, sim senhora”. A gente conversa com eles e mostra que estão no caminho de virarem cidadãos e explicamos os direitos e deveres deles. Essa unidade industrial busca justamente ensiná-los uma profissão que lhes dê dignidade.

Por isso, ao receber do governador a tarefa de fazer o presídio industrial, a secretária buscou o sociólogo Alexander de Carvalho Maia, lotado antes na Secretaria estadual de Educação, para ser seu subsecretário de Gestão Administrativa. Da sua cúpula, ele é um dos poucos que não é policial penal. Segundo Lo Duca, é preciso dar condições de o apenado fazer cursos técnicos voltados para trabalhos futuros, principalmente visando proteger o meio-ambiente. A produção de energia limpa é uma das metas da gestão no presídio industrial. Para isso, o planejamento conta ainda com a construção de uma Usina de Recuperação Energética (URE) dentro de Gericinó.

O subsecretário explica que há dois projetos neste sentido, sendo que o da URE já tem a parceria da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio (Agenersa). A meta é converter, pelo menos, 400 toneladas de lixo dos presídios do Complexo de Gericinó em biogás por mês.

— A gente tem 25 mil presos em Gericinó, o equivalente à população do município de Miguel Pereira, de acordo com a estimativa do Censo do IBGE de 2020. Isso sem contar que há ainda a circulação de policiais penais, fornecedores e visitantes, o que, somando tudo, chega a cerca de 40 mil pessoas transitando no complexo. Atualmente há gastos com coleta de lixo. Com a usina, além dessa economia, a energia será usada em Gericinó, e o excedente poderia ser até vendido com o valor revertido para a própria Seap. Tudo com os internos aprendendo como trabalhar com isso — exemplifica Alexander Maia.

Vista aérea do Complexo penitenciário de Gericinó, onde vai ser construída uma Usina de Recuperação Energética  — Foto: Divulgação
Vista aérea do Complexo penitenciário de Gericinó, onde vai ser construída uma Usina de Recuperação Energética — Foto: Divulgação

O prazo para a implantação da usina é de dois anos, ou seja, fim de 2024. Entre as etapas essenciais no processo estão a requisição da licença ambiental e a construção da unidade — que inclui o biodigestor e a estação de tratamento para transformar o esgoto em lodo e, consequentemente, em energia. A estimativa é de produzir energia para cerca de 300 residências por ano.

Outro projeto é a implantação de uma usina para a fabricação de placas fotovoltaicas, que transformam luz solar em energia elétrica. Para essa etapa, será necessário fazer parcerias com fábricas para capacitar os internos interessados nesse tipo de trabalho. Não é um projeto barato, custaria cerca de R$ 400 milhões, mas seria a primeira empresa do tipo a se instalar no Rio. O parceiro teria benefícios de redução de impostos.

— A expectativa é a utilização da mão de obra prisional para cada cadeia produtiva dentro da Usina, que vai da coleta seletiva e reciclagem até o trabalho mais específico e técnico, por isso, a necessidade dos cursos de capacitação e de qualificação do preso. A administração pública ainda tem pouco conhecimento para lidar com esse tipo de trabalho, mas faremos tudo dentro da lei, com chamamentos públicos, buscando a escolha de empresas voltadas para atividades de energia sustentável. A mão de obra prisional é justa, porque ela não tem os encargos trabalhistas da CLT. O preso pode ganhar o mínimo de três quartos do salário mínimo. É dinheiro dele — explica Lo Duca.

Na nova administração, a Seap deixou as últimas colocações para assumir o 10º lugar no ranking de transparência da Controladoria Geral do Estado (CGE), que analisa 69 órgãos estaduais. A promessa é a de tornar os atos da secretaria ainda mais visíveis pelo site. Essa preocupação tem um motivo: evitar licitações fraudulentas, algo que marcou a pasta ao longo dos anos, justamente por contratos de alimentação superfaturados.

— A nossa expectativa é incluir informações sobre gastos com todos os detalhes dos contratos. Ela já é apresentada no padrão CGE no site, mas queremos oferecer ferramentas para facilitar as pesquisas por pessoas comuns, buscando isso por meio de filtros. — explica o subsecretário.

Atualmente, o orçamento anual da Seap é de R$ 1,3 bilhão, sendo R$ 1 bilhão para pagamento de pessoal e R$ 250 milhões para alimentação. Segundo Carvalho, sobram R$ 50 milhões para o resto das despesas. São quatro refeições: café, almoço, jantar e lanche.

— Em meados de 2022, quebramos um ciclo vicioso de contratações diretas e emergenciais, que ocorre desde 2015. Um serviço essencial que não pode durar sete anos. Contratamos nutricionistas e passamos a fazer fiscalizações de surpresa. Percebemos uma série de irregularidades pontuais. Vou dar um exemplo: a empresa tinha que fornecer 120 gramas de uma proteína, no caso, frango. No dia, intencionalmente, havia apenas 60 gramas de salsicha em cada quentinha, valor nutricional baixo — analisa ele. — Isso resultou em uma sequência de sanções: primeiro foi advertência, depois, as multas, que variam de R$ 2 milhões a R$ 5 milhões. Mas o serviço agora está sendo prestado de uma maneira regular. Quando ele coloca a salsicha, mais barato que o frango, ele está obtendo um lucro indevidamente.

Segundo o subsecretário, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e a Defensoria Pública foram chamados à época para explicar as ocorrências com as prestadoras de serviço de alimentação, e ficou estabelecido que, caso houvesse reincidência após as multas, o próximo passo seria a suspensão do contrato.

Mas as sanções não são só para os fornecedores. Há duas semanas, três presas escavaram um buraco para fugirem por um túnel. A secretária, autorizada pelo juiz-corregedor da Vara de Execuções Penais, Bruno Rulière, determinou que as internas fossem para o presídio de segurança máxima Bangu1.

— Foi uma quebra de paradigma. Tínhamos que agir rápido. Além disso, coloquei uma mulher dirigindo essa unidade de segurança máxima. Aliás, o governador Cláudio Castro sempre se preocupou em valorizar a mulher na sua gestão. Eu lhe agradeço muito por ter confiado no meu trabalho — diz a secretária.

Também é uma mulher que ocupa o cargo de corregedora da Seap. Na atual gestão, oito servidores já foram demitidos.

Outro problema, a demora na comunicação da Seap sobre as violações das tornozeleiras eletrônicas, foi resolvido, segundo a secretária. Depois de reuniões com o corregedor do TJRJ, desembargador Marcus Henrique Basílio, e o juiz da VEP, Marcello Rubioli, ficou acordado que, no prazo de 48 horas, a Seap terá que avisar ao magistrado, via Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) — uma ferramenta que centraliza e uniformiza a gestão de processos de execução penal — os casos de violação do equipamento. Em seguida, caberá à Justiça expedir o mandado de prisão contra quem violou o monitoramento. Segundo a pasta, há 8.200 presos usando o equipamento.

A soltura de presos também vem sendo discutida entre as instituições. A determinação é consultar se o preso tem alvará no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o SEEU, as varas do TJRJ e a Polinter.

— É um problema nacional. A nossa maior preocupação é soltar um preso indevidamente. Futuramente, com o BNMP 3.0 do CNJ, muito mais rigoroso, isso vai acabar, porque ficamos vulneráveis — afirma a secretária.

Cinco perguntas para Maria Rosa Lo Duca:

1. Qual foi o maior absurdo que a senhora detectou ao assumir a pasta?

Foi chegar aqui e ver que não tinha um cadeado. Não havia insumos básicos, o que reflete a falta de gestão. Havia o dinheiro do Funpen, mas o repasse ficava retido por não apresentarem planilhas com o planejamento no fim do ano. Chega a ser um absurdo, pois é um dinheiro super necessário para aplicar na ressocialização do apenado. Além disso, o sucateamento dos equipamentos, já muito antigos, não supriam as necessidades da pasta. O controle das entradas de Gericinó na base do caderno e da caneta. Com o dinheiro represado, compramos desde servidores hiperconvergentes, sistema integrado de armazenamento, processamento, rede e gerenciamento de dados, e, sim, os 4.500 cadeados. Também compramos 540 computadores, 68 novas espingardas calibre 12 para os policiais penais, 6 pick-ups operacionais e dois aparelhos de raio-x. Além disso, teremos uma ferramenta que ajudará a nossa Subsecretaria de Inteligência a investigar o preso, quando forem apreendidos celulares na cadeia: o software Cellebrate (pelo programa é possível extrair mensagens e dados, inclusive apagados de aparelhos celulares).

2. Então não será mais necessário deixar os aparelhos apreendidos com os presos na delegacia?

Nos casos de pequeno potencial, nós mesmos faremos o registro pelo Sistema de Ocorrência Virtual (Sovi) da Polícia Civil. Foi firmado um convênio entre as duas secretárias. Não é mais necessário ir à delegacia, só nos casos de apreensão de drogas na cadeia. Celulares ficarão conosco para aprofundarmos nas investigações. Os policiais penais registram as ocorrências e a nossa inteligência analisa os aparelhos.

3. Ex-secretários da Seap foram alvos de investigações do MP por contratos de alimentação fraudulentos. O que a senhora tem feito para evitar que isso se repita?

Licitamos e aumentamos a fiscalização da execução dos contratos por parte dos fornecedores para melhorar a qualidade do serviço prestado. Como resultado, só nesses nove meses, a Seap multou em R$ 8 milhões empresas responsáveis pelo fornecimento de refeições para as unidades prisionais por entregarem quentinhas em desconformidade com o contrato. Advertimos antes, mas com a reincidência, multamos. Das sete empresas que prestam o serviço de alimentação, apenas duas não foram multadas. Mesmo que estejam recorrendo na Justiça, o que é um direito delas, o recado foi dado: tem que cumprir o contrato.

4. O que fazer para o preso voltar melhor para a sociedade?

Dá cursos e dignidade para eles. O Talavera Bruce (penitenciária feminina) já tem vocação para a costura. Das 30 máquinas existentes, temos 18 delas paradas. Queremos, no mínimo, retomar esse tipo de atividade por lá, fazer o uniforme da pessoa privada de liberdade e, no futuro, se tudo der certo, até dos policiais. Mão de obra a gente tem. Nestes nove meses, visitamos os estados de São Paulo, Maranhão, Ceará e Brasília, que estão muito mais adiantados do que nós nessa questão. Num deles, os internos produzem refletor de led para vender para fora do país. É possível, temos é que colocar em prática.

5. Qual o seu maior desafio hoje?

É implantar todos esses projetos voltados para a ressocialização do preso. Para isso, precisamos estar com as cadeias tranquilas. O preso só tem a ganhar.

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