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Por Vera Araújo — Rio de Janeiro

Há dois meses, na cerimônia de posse dos novos juízes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), a brasiliense Helenice Rangel, de 36 anos, e o pernambucano Cariel Bezerra Patriota, de 30, trouxeram na cor da pele e no gênero, respectivamente, diversidade ao Judiciário. Ela, mulher preta — uma das 11 representantes do sexo feminino entre os 52 novos magistrados —, ele, nordestino e integrante do Movimento LGBTQIAP+. Aluna de escola pública desde a infância, Helenice exibia orgulhosa a toga feita pela mãe, costureira de profissão. Cariel, durante seu discurso, agradeceu o apoio do marido e da família por ter passado em um dos concursos mais difíceis e concorridos da magistratura.

Direto de Ceilândia

Um levantamento feito pelo próprio TJRJ traçou o perfil dos novos magistrados. Da peneira que começou com 12.721 inscritos, apenas 52 passaram nas provas objetiva, discursiva, de sentença e oral. Essa dura jornada foi iniciada em 2019, mas se estendeu até maio deste ano por causa da pandemia. Do total aprovado, cinco negros e um hipossuficiente entraram pelo sistema de cotas. Um dado chamou a atenção dos organizadores do XLVIII Concurso para Ingresso na Carreira da Magistratura Fluminense: um terço dos novos juízes veio de outros estados: de Roraima ao Rio Grande do Sul.

Em outra pesquisa, 37 novos juízes responderam voluntariamente a um questionário com 22 perguntas. Cerca de 68% dos entrevistados disseram que se formaram em Direito em universidades públicas. A média de tempo entre a graduação do bacharel e a conquista da vaga na magistratura foi de cinco anos, embora haja casos de pessoas que levaram 20 anos para alcançar o cargo de juiz.

O sonho de se tornar juíza é recente na vida de Helenice Rangel. Antes de pensar em usar uma toga, ela foi militar da Aeronáutica, onde trabalhou como controladora de voo, e técnica judiciária no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Quando decidiu encarar o concurso da magistratura do Rio, estudou quatro anos, três meses e 20 dias. Tudo registrado em seu celular.

De origem pobre, a ex-moradora de Ceilândia, cidade satélite de Brasília, é a caçula de seis irmãos. Filha de um pasteleiro, ela sempre ouvia dele que “filho de pobre não passa em concurso por ser um jogo de cartas marcadas”. Já a mãe, costureira que estudou até a antiga sétima série — o pai cursou até a quarta —, via na educação uma maneira de atingir os sonhos:

— A gente sempre tem aquela visão de que para ser juiz tem que ser muito inteligente, que é preciso estudar nos melhores colégios e faculdades. Parecia uma realidade distante para mim, pois vinha de uma família bem humilde — conta ela, que viu a violência de perto. — Já vi um vizinho ser assassinado no colo da mãe — relembra ela.

Em 2008, como servidora do Judiciário, o contato com os processos da Vara de Família e de Órfãos e Sucessões do Distrito Federal acabou despertando nela a vontade de cursar Direito. Depois de formada, resolveu estudar para o concurso do TJ do Rio, apesar da fama de violência do estado. Um mês antes da prova oral, ela se divorciou, após um casamento de 14 anos. Foi um momento difícil. Mesmo assim, conseguiu conquistar a vaga.

Antes de assumir uma vara única numa comarca do interior, destino dos 52 novos magistrados, ela vê as varas onde trabalhou como suas preferidas.

— Sou a única mulher cotista. Represento as minorias: mulheres, negros, pobres. Minha mãe está muito orgulhosa. Eu pergunto sempre: “Mãe, já caiu a ficha (de que ela é uma juíza)”. Ela me responde: “Filha, ainda está caindo” — brinca.

Com a experiência de quem conhece bem a pobreza, Helenice promete tomar decisões mais humanas:

— Não basta resolver o processo. Você tem que, de fato, ajudar a resolver o problema. Não é ver o processo como um número. Por trás dele, tem pessoas. É o momento de suas vidas. Não podemos agir de forma mecânica — conclui ela, que, daqui em diante, pretende variar a leitura, com autores como Machado de Assis, o que não teve a oportunidade de fazer por só estudar para concursos públicos.

Amor pelo Rio

Aos 30 anos, Cariel Patriota já passou em concursos para juiz de outros três estados, além do Rio: Ceará, Pará e Bahia. Neste último, ele chegou a tomar posse, e permaneceu um ano e meio no cargo. Mas a paixão pela cidade maravilhosa e a vontade de ser magistrado no tribunal fluminense, considerado um dos melhores do país em produtividade, em comparação aos de mesmo porte, nos últimos 12 anos, foram as razões de ter optado pela mudança. O pernambucano foi o primeiro colocado no concurso do Rio.

— Antes de morar aqui, eu já tinha visitado o estado 20 vezes. Amo a cidade do Rio. Agora, eu quero me apaixonar pelo restante do estado — declara.

Combate ao Preconceito

Segundo Cariel, seu foco será a conciliação.

— Sou bastante orgulhoso da minha condição. O tribunal fluminense tem uma estrutura muito grande para o combate à violência contra integrantes do movimento LGBTQIAP+, contra negros e mulheres. Isso é importante na luta contra o preconceito.

Também da nova safra de magistrados vinda de outros estados, estão o paulista Nilson Lacerda, de 28 anos, e a paraense Gabriela Frazão, de 30. A paixão de Nilson pelo Direito tem uma razão de ser: influência do pai, delegado de polícia; e do avô, advogado.

— Aos 5 anos, eu perguntei o que era uma audiência, porque ouvia meu avô falar. O interesse surgiu daí. Minha principal motivação como juiz será incluir pessoas que estão, historicamente, à margem da sociedade — diz.

Durante o curso de juízes na Escola de Magistratura do Rio, com duração de quatro meses, Gabriela conta que se interessou pelo programa Justiça Itinerante:

— A Justiça Itinerante é uma forma de a decisão sair no mesmo dia, o que aproxima o cidadão do Judiciário.

Mas a maioria dos recém-chegados não é de fora. A tijucana Isabela Pinheiro Guimarães, de 32 anos, é uma das representantes cariocas. Apesar de conhecer a criminalidade fluminense, ela também tem uma queda pelas varas criminais e de violência doméstica.

— É uma área que demanda coragem. A fama do Rio em outros estados é deturpada. As pessoas acham que não dá para viver aqui, o que não é verdade. Temos que ter as devidas cautelas, sejamos magistrados ou não — analisa.

Na opinião do presidente do TJRJ, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, as diferenças regionais e a diversidade constatadas neste 48ª concurso ao cargo irão trazer novas ideias e deixar o Judiciário ainda mais dinâmico.

— O acesso ao Judiciário é por concurso, mas tenho certeza que os novos juízes refletem a nossa sociedade. Temos pessoas de diferentes cores, raças, ideologias, religiões. A gente é o retrato da sociedade. Pode não ter uma parcela de negros correspondente à nossa população, mas eles estão aqui no tribunal — comentou o presidente, adiantando que, em breve haverá um novo concurso, para cobrir um déficit de 150 juízes (hoje há 660).

Numa conversa com os juízes, Henrique Figueira os aconselhou a ficarem mais próximos das pessoas:

— O juiz deve estar perto da sociedade. Aquilo de o juiz só falar nos autos acabou há décadas. O processo eletrônico não surgiu para deixar o magistrado em casa, mas sim para melhorar o serviço à população. Ele tem que estar na vara, fazendo as audiências, priorizando casos com idosos e crianças.

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