Carnaval
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Por Carolina Callegari e Vera Araújo — Rio de Janeiro

A Beija-Flor foi eleita a melhor escola do Grupo Especial, pelo júri do Estandarte de Ouro deste ano. O desfile, desenvolvido pelos carnavalescos Alexandre Louzada e André Rodrigues, foi um grande "ato cívico" pelo protagonismo do povo brasileiro. O melhor mestre-sala é o da escola de Nilópolis, Claudinho.

A azul e branco levou para a avenida o enredo "Brava Gente! O grito dos excluídos do bicentenário da Independência", em que levou críticas sociais ao falar do 2 de julho, data em que é celebrada a Independência do Brasil na Bahia, que completa 200 anos em 2023. Na comissão de frente, foram usados drones e feitas projeções de imagens e frases como "Independência pra quem?", "Heroico é o brasileiro", e '"Parem de nos matar".

Neguinho da Beija-Flor definiu o tema escolhido como parte de "uma história que a escola não contou", mas que a escola (de samba) se propôs a levar para a Sapucaí. Para ele, o tema despertou a curiosidade para que, antes do próximo carnaval, se possa aprender um pouco mais sobre o 2 de julho:

— Nem eu mesmo sabia dessa história. É um enredo maravilhoso. Para os negros que não tinham conhecimento dela, foi maravilhoso. Tanto é que nos proporcionou esse excelente desfile. Agora que a poeira assentou, vou procurar saber mais sobre o 2 de julho. A glória ficou com dom Pedro. A história do negro no Brasil foi queimada. Então é muito importante que a população tenha conhecimento de fatos como esse.

Ao lembrar do samba-enredo da Mangueira de 1988, "100 anos de liberdade, realidade ou ilusão", o intérprete da Beija-Flor destaca que o carnaval leva ao público uma parte esquecida da história:

— São temas como esses que nós brasileiros precisamos saber. A História do Brasil é muito mascarada. Estou felicíssimo com os pesquisadores, com os carnavalescos. Mereceu esse Estandarte de Ouro por esse tema, por essa parte da história que a maioria não conhece.

Neguinho acredita que o desfile foi a chance de "recuperar o décimo" que deixou a escola em segundo lugar no ano passado, quando a Grande Rio ficou com o título de campeã. A Beija-Flor, instantes antes do desfile, teve um princípio de incêndio em um dos carros, mas sem deixar feridos e rapidamente controlado.

Este ano, a agremiação ganhou um reforço, com a cantora Ludmilla dividindo o microfone com Neguinho da Beija-Flor. A parceria fez o sambista lembrar da própria história:

— A Ludmilla é uma guerreira, uma heroína e representou a minha irmã Tina que tanto fez por mim desde o começo do começo. Tina fez parte de tudo, inclusive como incentivadora. Tinha época que eu queria desistir e ela não deixava. Já brigou muito. Às vezes, eu não tinha dinheiro da passagem para ir cantar no Cordão da Bola Preta, em 1972, e ela me dava até o dinheiro do pão do dia seguinte para eu ir atrás — lembra o intérprete sobre a irmã, falecida há 8 anos.

Sétimo Estandarte de mestre-sala

Claudinho, da Beija-Flor, é o melhor mestre-sala — Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
Claudinho, da Beija-Flor, é o melhor mestre-sala — Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Não é o primeiro Estandarte de Ouro para a coleção do mestre-sala Claudinho, da Beija-Flor, mas a emoção foi grande ao saber que, pela sétima vez, venceu na categoria. Se na Sapucaí a interação direta é com a porta-bandeira Selminha Sorriso, o sambista faz questão de destacar que o reconhecimento é fruto de um trabalho em conjunto meses antes de pisar na Avenida.

— Receber essa notícia é uma prova da existência de Deus, dos orixás. Agradeço a Selminha, Anísio Abraão, comunidade, minha equipe de trabalho, minha família, que é base de tudo. É muito gratificante ganhar junto da escola. Vou dividir com cada um. Ninguém é forte sozinho, só juntos.

São 31 anos de parceria com Selminha Sorriso, dos quais 27 na Beija-Flor. Apesar da experiência, o mestre-sala garante que é preciso se dedicar. Dos agora sete estandartes, o primeiro foi pela Estácio de Sá e os outros seis pela Beija-Flor.

Tuiuti vence em quatro categorias

O enredo do Paraíso da Tuiuti veio de longe para contar a história dos búfalos da Ilha do Marajó, no estado do Pará, numa narrativa que mistura história e lendas dos animais que, saídos da Índia, pararam no Brasil ao acaso, após o barco em que estavam naufragar. Deu samba e a escola conquistou quatro categorias: comissão de frente, bateria, samba-enredo e puxador.

Para começar o desfile, os coreógrafos Lucas Maciel e Karina Dias quiseram sintetizar o enredo "Mogangueiro da Cara Preta" na comissão de frente. Com um balé de 30 pessoas, em que só metade aparecia por vez. As saias com bambolês acoplados deram um efeito visual.

— O desenvolvimento da saia foi bem complicado mesmo para os bailarinos poderem reproduzir e desenvolver no desfile. Pegamos inspiração de uma estilista de fora e um estilista aqui no Brasil foi tentando reproduzir, testando, até chegarmos à conclusão, demorou um pouco, mas ver a resposta do público, logo no setor 1, foi incrível. Foi ali que tivemos a certeza de um caminho certo — conta Lucas Maciel.

Para fazer dar certo também foi preciso muito ensaio. Uma parte do balé começou a treinar a coreografia em novembro do ano passado. Dois meses depois, a outra metade também entrou no ritmo, que foi intenso, com ensaios diários.

E para embalar um universo que mistura real e imaginário, o samba-enredo traz palavras do Pará que os ouvidos de quem é de fora do estado pode estranhar. Mas o recurso, conta Cláudio Russo, um dos que assina a composição, foi integrar também ritmos da região para proporcionar uma viagem.

— Na parte melódica, quisemos trazer esses ritmos do Norte e trazer palavras que não são típicas para o carioca, como "mogangueiro", "curuminha" e "flor do mururé". Trouxemos os vocabulários da região para cá para dar uma cara única. Lemos muito e escutamos, e foi de forma natural. Tem um compositor que é paraense, o Paulo André Barata, e a obra dele me inspirou muito em fazer essa homenagem — diz Cláudio, também premiado pelo samba-enredo no Estandarte de Ouro na Série Ouro, com “Madame Satã: resistir para existir”, do Lins Imperial.

A composição do Paraíso da Tuiuti foi assinada ao lado de Alessandro Falcão, Gustavo Clarão, Julio Alves, Moacyr Luz, Pier Ubertini e W. Correia.

Os ritmos da Região Norte foram mesclados ao samba, como o carimbó, numa homenagem da escola de samba à cultura popular do Pará, contando um episódio que se transformou em uma manifestação cultural. Wander Pires deu voz ao samba, e conquistou o prêmio de melhor puxador do estandarte.

— A gente não estava esperando o prêmio, apesar de termos saído da Sapucaí com a sensação de dever cumprido e de ter feito um bom desfile. Agora a expectativa é para a apuração — conta Mestre Marcão, no comando da bateria, que também foi premiada.

Mais leve depois do desfile

Com o apelido de "Furacão", Cintya Santos arrebatou o estandarte de porta-bandeira em seu primeiro desfile pela Mangueira. O trabalho tem sido árduo, desde o convite recebido diretamente pela presidente da agremiação, Guanayra Firmino, há oito meses. "Carnaval é o ano todo", afirma, "para quem trabalha com ele", ressalta. Foi durante uma faxina, no período em que foi diarista, que recebeu o convite para a verde e rosa através de uma ligação.

Para encarar a Sapucaí, um time deu apoio. Haja coração para encarar a Avenida — e força para aguentar a roupa que pesa de 25kg a 30kg, além do embalo dos passos e dos giros. A coreografia, ao lado do mestre-sala Matheus Olivério, foi passada por Claudia Mota, primeira bailarina do Theatro Municipal e coreógrafa da Mangueira. Para manter o ritmo, acompanhamento de nutricionista, preparador físico e personal. Nem assim aliviou o peso da responsabilidade.

— Eu estava muito concentrada, muito nervosa, por ser a Mangueira, um grupo especial e eu vindo do acesso (Unidos do Porto da Pedra) e estar na maior escola de samba do planeta. Pisei na faixa ali e pensei em fazer o meu melhor. É uma nação, uma escola toda que está acreditando, confiando. Estava bem nervosa. Não demonstro isso, o que é uma coisa boa, mas dentro de mim, tem vários sentimentos. No final, estava leve como uma pluma. Perdi uns 50 kg. Tirei o peso da responsabilidade, da roupa e do corpo — diz em meio a risos.

Portela: inovação e personalidade

A Portela conquistou duas categorias: inovação, com os drones, e personalidade, com a ex-porta-bandeira Irene Silva. A escola, a segunda a desfilar na noite de segunda-feira, fez o céu da Sapucaí brilhar. A agremiação surpreendeu o público com um show nunca visto antes na Avenida. A tecnologia rendeu um estandarte na categoria inovação. A escola completou seu centenário neste ano e celebrou a data no próprio enredo "O azul que vem do infinito". Os drones permitiram que a agremiação escrevesse no ar “Portela 100 anos" e nomes de personagens históricos, como os de Paulo (da Portela) e Natal, marcantes na história da azul e branco.

A ideia surgiu do vice-presidente Junior Escafura durante um evento no Jockey Club, após um show com a tecnologia.

— Na mesma hora eu falei com a minha esposa que aquilo ficaria lindo na Avenida. Peguei o contato da empresa e desde agosto do ano passado eu tentei viabilizar esse recurso — diz Escafura.

No entanto, tiveram alguns obstáculos no caminho. Alguns pré-requisitos para a utilização dos drones dificultaram a iniciativa.

— A questão principal foi a necessidade de um local sem pessoas e sem nada por perto. Nós visitamos uns três locais diferentes e quase desistimos. Nessa última semana que a gente conseguiu um terreno perto do setor 1. Sendo assim, acabamos nem conseguindo fazer um teste oficial. Nós testamos na manhã do mesmo dia e fomos com a cara e a coragem. Apesar disso, deu tudo certo e foi muito gratificante ver a reação das pessoas. Agora também estamos muito felizes sendo premiados e reconhecidos pelo esforço — conta o vice-presidente.

E se em 100 anos tem história, Irene Silva, porta-bandeira emblemática da escola, de 1969 a 1976, se emocionou ao receber a notícia e frisou que todos sabem que é portelense: " É águia na cabeça!":

— Saía como passista. Disseram que teria concurso para nova porta-bandeira e para eu participar. Cheguei com inovação. Não sabia dançar como as outras e ficava na pontinha do pé.

Em meio a risos, ela conta que, em 1969, foi a única a receber a nota máxima pelos jurados. Em 1976, escondeu a gravidez:

— Desfilei de 7 a 8 meses da minha filha. Ia nos ensaios com roupas largas. Só descobriram na véspera do desfile. Eu disse que gravidez não é doença, é saúde. E desfilei.

Irene recebeu um Estandarte de Ouro como porta-bandeira em 1987 pelo Império Serrano e passou por outras escolas.

Das sobras à arte

Na categoria Prêmio Fernando Pamplona, entregue à escola que fizer o melhor trabalho com poucos recursos, a conquista foi da Mocidade com o carro abre-alas, intitulado "Um jardim no agreste floresceu. E se fez um mundo de barro...", que levou à Avenida o mundo do barro, mas feito com os mais diversos materiais. Resto de madeiras e de espuma e até macarrões de piscina foram a matéria-prima para o carnavalesco Marcus Ferreira. Para o enredo “Terras de meu céu, estrelas de meu chão”, a escola se inspirou no legado dos artistas do Alto do Moura, discípulos de Mestre Vitalino.

— Eu vislumbrei a dificuldade que a Mocidade tinha enfrentado financeiramente. Foi a última a receber subvenção, e apostamos na criatividade. Por tratar de um enredo conceitualmente, que os artistas fazem no chão do Brasil, a poética mais linda da nossa cultura popular. Comecei a olhar o chão também, como fazer algo grandioso com a simplicidade com o que eu tinha à mão, feito e pensado nos resíduos que foram descartados pelas escolas na Cidade do Samba.

Até mesmo materiais orgânicos foram utilizados, como nove caminhões de galhos de árvore, coletados pela Comlurb em podas na região central do Rio. O carro abre-alas demorou um mês para ser finalizado e pode carregar até 100 componentes.

— Após a pandemia, as escolas se reinventaram na questão da matéria-prima, e esse pensamento que tive na escola — diz Ferreira.

Revelação, mas que vem de berço

O mestre de bateria do Império Serrano, Vitinho, desde que assumiu oficialmente o microfone da verde e branco, em maio de 2020, pode dizer que tem dado sorte. Quando o carnaval voltou após a pandemia, no ano passado, a escola venceu na Série Ouro, voltando ao Grupo Especial no último domingo. No desfile em homenagem a Arlindo Cruz, Vitinho destaca que vê o trabalho pelo qual a escola se dedicou para seguir no principal grupo. Diferente dos anos anteriores, teve frio na barriga.

— No meu trabalho, na minha apresentação, estar ao lado do meu pai (Faísca), em frente à bateria da Império, onde meu avô (Alcides Gregório) foi mestre e receber um prêmio é surreal. Eu estou aqui ainda achando que estou sonhando.

Nesta edição, Vila Isabel ganhou com a melhor ala de passistas. A Imperatriz Leopoldinense venceu com melhor enredo. A escola teve também a melhor ala, a Chopinho de Olaria, que levou para a Avenida as “Paisagens sertanejas Mandacaru”. A melhor ala das baianas é da Grande Rio.

Os prêmios serão entregues numa cerimônia aberta ao público no dia 9 de março, às 20h, no Vivo Rio, com um show do cantor Diogo Nogueira. Os ingressos serão vendidos a partir do dia 23 de fevereiro.

O Estandarte de Ouro é apresentado por FIT Combustíveis, com patrocínio de Invest.Rio e realização dos jornais O GLOBO e Extra. Desde 1972, o prêmio contempla a renovação, a criatividade e a emoção.

O júri é formado por Juliana Barbosa (professora da Universidade Federal do Paraná); Bruno Chateaubriand (empresário e jornalista); Haroldo Costa (ator de cinema e de TV, produtor e escritor); Luis Filipe de Lima (violonista e pesquisador); Odilon Costa (percussionista); Angélica Ferrarez de Almeida (historiadora, pesquisadora e professora); Alberto Mussa (escritor); Felipe Ferreira (professor da Uerj e escritor); Leonardo Bruno (jornalista e escritor); Luiz Antônio Simas (escritor e historiador) e Maria Augusta (professora e ex-carnavalesca), além do próprio Marcelo de Mello.

Vencedores da Série Ouro

A Unidos do Porto da Pedra foi eleita a melhor escola da Série Ouro pelos jurados do Estandarte de Ouro. A vermelho e branco de São Gonçalo, que se apresentou na madrugada do último domingo na Sapucaí, trouxe o enredo "A invenção da Amazônia", do carnavalesco Mauro Quintaes, mostrando a exuberância da floresta e fazendo um apelo pela sua preservação.

O Estandarte de melhor samba-enredo da série foi para a Lins Imperial, com “Madame Satã: resistir para existir”, dos compositores Paulo Cesar Feital, Claudio Russo, Mateus Pranto, Naldo, Genésio, Kiko Vargues, Jefferson Oliveira e Samuel Gasman.

Colaborou: Vittoria Alves

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