Filho de pedreiro e uma empregada doméstica, Ricardo Ananias começou a trabalhar aos 14 anos, quando já sonhava com uma vida bem diferente da sua realidade. Na época, ele buscava uma maneira de sair da pobreza que compartilhava com os pais e suas três irmãs, na Rocinha. Hoje empresário, ele conta que busca seu primeiro bilhão e investe em um fundo que ajuda moradores de comunidades com seus empreendimentos.
— Eu tinha uma madrinha que guardava o que sobrava da comida dos patrões e trazia para comermos. Muitas vezes o que a gente tinha era isso. Eu olhava para aquela situação e não aceitava aquilo, mas ainda não tinha muita noção que o problema era não ter dinheiro — diz ele.
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Ananias diz que para começar a trabalhar teve de convencer a mãe sobre o caminho que ele desejava seguir, já que precisaria abrir mão dos estudos para se dedicar a um emprego em tempo integral. Assim, muito jovem, ele saiu da escola na oitava série, aos 14 anos. Logo depois, começou a trabalhar entregando jornais de madrugada na Barra da Tijuca, e a primeira conquista veio três anos depois. Em 2003 ele conseguiu um financiamento para comprar a sua primeira moto.
— Quando tive a oportunidade de financiar uma moto, eu saí do jornal e virei motoboy na comunidade. Sempre trabalhei em dois empregos, e, em uma das empresas em que eu trabalhava, eu notei outros cargos acima dos entregadores — lembra Ananias.
Com pouco mais de 20 anos, o jovem motoboy, que era premiado constantemente como o melhor entregador, foi promovido a coordenador. Um mês depois, subiu à função de supervisor e, mais tarde, ele passou a supervisionar todo o efetivo da empresa. Apesar do sucesso, as lutas estavam apenas começando: ao ascender, Ananias se viu diante de um impasse. Ele conta que a relação com um outro funcionário ia de mal a pior, o que influenciava no desempenho de suas funções na empresa.
— Eu era muito novo, tinha 26 anos e, dali, comecei a criar uma guerra com um gerente. Eu era muito imaturo, acabei não sabendo lidar com aquilo e o nosso convívio não ficou bacana. Por isso, o dono decidiu me demitir e nós fizemos um acordo — conta o empresário.
Virada de chave
Desempregado pela primeira vez desde a adolescência, Ananias se viu perdido e deprimido. Nessa época, decidiu procurar um dos clientes do antigo emprego para pedir uma oportunidade. Foi quando bateu à porta de Roberto Fiane, empresário do ramo alimentício. Depois de uma conversa contando toda a experiência que tinha, Ananias saiu daquele pedido de socorro como sócio de uma nova empreitada.
— Quando fui demitido, eu já sabia fazer gestão de pessoas, folha de pagamento, planilha e outras funções. Isso foi fundamental para que Roberto me chamasse para ser sócio. Foi daí que nasceu a R3 — lembra ele.
A R3 Express foi idealizada em 2012, como uma empresa de transportes para atender as pizzarias de Fiane. No entanto, Ananias viu uma oportunidade de crescimento: passar a atender outras empresas e transformar a R3 em uma companhia de logística.
Sem interesse no negócio, Fiane saiu da sociedade. Mas lembra do pupilo com admiração.
— Ele dominou as principais ferramentas de gestão e começou a aplicar na prática. Primeiro em uma empresa de e logo depois em múltiplos negócios, todos com muito sucesso. O mais bacana é que mesmo agora, já muito bem-sucedido, Ricardo continua com a mesma vontade de aprender todos os dias — diz ele.
Ananias conta que saída de Fiane o obrigou a aprender a caminhar sozinho:
— Eu me vi em uma situação muito desafiadora, porque perdi meu mentor.
Três anos depois de assumir a empresa totalmente, veio a Covid-19. Com as lojas físicas fechadas durante a quarentena e o consequente crescimento do delivery, a R3 embarcou em uma expansão, firmando parcerias e buscando atender às necessidades que a pandemia criou. Hoje, a empresa, com sede no Rio de Janeiro, opera também em São Paulo, Espírito Santo e Belo Horizonte e faz 500 mil entregas por mês. Ananias tornou-se sócio também de outras empresas de diferentes ramos, de estética a gastronomia. Agora, pensa em investir em um banco digital.
Sonho realizado
Ananias deixou a Rocinha em 2016 com a promessa de que voltaria para levar a família, e, em 2021, cumpriu: hoje mora na Barra e comprou casa para seus pais e suas irmãs na mesma região. Há três meses, foi convidado a dar uma palestra no Investe Favela, na comunidade, e aceitou o convite para se tornar um dos sócios da empresa, que viabliza negócios de empreendedores locais por meio de investimentos diretos e mentorias.
— Para mim, hoje, ser sócio do Investe Favela é retribuir tudo que o universo me deu. Estamos sempre oferecendo mentoria, orientando as pessoas a não cometerem os mesmos erros que a gente cometeu — diz ele.
Seus planos para o futuro continuam ambiciosos.
— Eu estou com energia para chegar no bilhão — diz ele.
Investe Favela
Marta Pereira Poit, sócia do Investe Favela, conta que o trabalho da empresa filantrópica começa pela busca e seleção de empreendedores de comunidades no Brasil. Essa pesquisa é feita por redes sociais, e os sócios, diretamente, também podem selecionar essas pessoas.
— A partir do momento em que nós identificamos aquele empreendedor com perfil e resiliência para o empreendedorismo, ele entra para um grupo que a gente chama de Investe Semente. Nós acompanhamos esse grupo por um período, e, na sequência, tentamos identificar como podemos ajudar esses empreendedores — explica ela, acrescentando que, além de mentoria intelectual e da orientação para a empresa se legalizar, o Investe Favela identifica se o empreendedor precisa de ajuda financeira e lhe oferece um empréstimo, se necessário.