Numa era de crescente preocupação com as mudanças climáticas, as bicicletas elétricas são uma opção cada vez mais comum para quem deseja contribuir com a preservação do meio ambiente e, de quebra, economizar dinheiro e passar menos tempo no trânsito. Mas toda mudança tem um período de adaptação, e a discussão sobre como manter — e recarregar — estas bikes vem movimentando os condomínios da Barra da Tijuca. A demanda por pontos de recarga nos residenciais e a possibilidade de cobrança de taxa por esse serviço são alguns dos aspectos controversos.
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Morador da Avenida Lucio Costa, o empresário Marcel Sucena conta que o condomínio tem vagas destinadas às bicicletas elétricas na garagem, mas não tomadas para recarga. Há quatro anos, ele substituiu o carro pelo equipamento para idas a locais como academia, supermercado e farmácia.
— É um transtorno, porque tenho que transportar a bateria, que é pesada, até o apartamento e, depois, descer com ela de novo. Para quem não tem o modelo com a bateria removível, é ainda pior, porque tem que subir com a bicicleta no elevador. Acho que o condomínio deveria se atualizar e disponibilizar tomadas para carregar, e sem cobrar a mais por isso, porque a recarga é tão barata e já pagamos uma mensalidade tão cara que seria um benefício que não custaria quase nada para o condomínio — diz. — Comprei a minha bicicleta achando que iria usar pouco e deixar encostada, como fazemos com a esteira, mas uso quase todos os dias para percursos mais curtos e passeios pela ciclovia.
![Transtorno: moradora reclama de precisar subir com a bicicleta no elevador para recarregar — Foto: Arquivo pessoal](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/PMdhwmIH-gwI0Kw3FPxZX6NH4ME=/0x0:2048x1536/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/S/z/Zdw5EUQ5yRmAHEcAO4vg/db2e5ae2-aec4-4d94-bb19-f39e998285da.jpg)
Subir e descer com a bicicleta elétrica no elevador é um esforço que a jornalista Monique Arruda, moradora da Avenida Jornalista Ricardo Marinho, precisa fazer diariamente para conseguir recarregar sua bicicleta. Ela diz que o residencial onde mora tinha três tomadas para a recarga na garagem, mas que as entradas foram retiradas após outros moradores se queixarem de que a energia do prédio estava sendo gasta na recarga. Agora, o condomínio cogita colocá-las novamente, mas cobrando R$ 5 de quem usar.
— Temos cerca de 20 bicicletas elétricas na garagem, e o número cresce cada vez mais. Agora que cada um tem que carregar no próprio apartamento, preciso botar a bicicleta elétrica no elevador e carregar no meio sala de casa. É uma dificuldade, porque a bicicleta é pesada, ruim de manobrar, não dá ré...Quanto à taxa, eu fiquei perplexa. O valor do condomínio já é caríssimo, R$ 3.700, e ainda querem cobrar R$ 5 pelo carregamento — lamenta. — Essa situação incômoda é muito presente na Barra e precisa ser revista pelos condomínios. A bicicleta elétrica não pode ser tida como um luxo. É um meio de transporte que ajuda o meio ambiente, e o uso não deveria ser dificultado. Faço tudo com ela: levo meu filho à escola, vou ao shopping, vou à praia...
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O empresário Filippe Santos, que usa a bicicleta elétrica até para ir encontrar seus amigos no bar, também reclama da falta de adaptação do seu condomínio, na Avenida Lucio Costa.
— Lá só há vagas para bicicletas comuns. Então, eu acabo estacionando no bicicletário comum, o que já causou problemas, porque disseram que ele é só para bicicletas de criança, e subo com a bateria para o apartamento — relata. — É tão irrisório o valor para recarregar uma bicicleta elétrica que sou contra cobrar a mais quando o condomínio oferece essa possibilidade.
![Filipe Santos: empresário lamenta falta de infraestrutura para bicicletas elétricas no seu condomínio — Foto: Arquivo pessoal](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/8HEUegE87BVK3mxwnhfGiHjPjyc=/0x0:1274x1704/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/l/O/KD8jmmQICDwo2v5AMQEQ/img-3719.jpeg)
Professor do departamento de Engenharia Eletrônica e Telecomunicações da Uerj, Luís Fernando Corrêa Monteiro calcula que o carregamento completo de uma bateria de bicicleta elétrica leva, em média, quatro horas, custando cerca de R$ 20 por mês.
— O custo do carregamento depende do tipo de bateria, mas, em média, é de 0,70 R$ por dia, ou R$ 21 por mês. E eu estou sendo conservador, superdimensionando o custo. O quanto isso vai impactar na conta mensal depende do consumo de energia de cada condomínio. Uma solução nos residenciais seria acordar um número máximo de bicicletas que poderiam ser conectadas a uma tomada comum por mês, estabelecendo um esquema de rodízio — detalha. — Em termos financeiros, a bicicleta elétrica é extremamente vantajosa em comparação ao carro e a outros modais de transporte público. É um meio de mobilidade simples, que diminui o congestionamento e as emissões de gás carbônico.
Cobrança de taxa de energia é polêmica
Empreendimentos imobiliários mais recentes já se adaptaram à realidade do aumento no número de bicicletas elétricas. Os prédios do residencial Ilha Pura e seu amplo parque, na Avenida Salvador Allende, disponibilizam vagas de estacionamento e pontos de recarga para elas.
— Os condomínios têm infraestrutura adequada para isso, com sistema de carregamento individual. Cada edifício é responsável por instalar os carregadores e também pela gestão da cobrança pelo uso dessa energia, que é feita por medidores que registram o consumo de cada usuário, permitindo uma cobrança justa e proporcional à utilização — explica Yone Beraldo, gerente de marketing da Carvalho Hosken, construtora do empreendimento.
![Ilha Pura: os condomínios do residencial contam com vários pontos de recarga para bicicletas elétricas — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/7Knyd2FAfbfnrsLVBQ4KZmUBlmc=/0x0:3500x2331/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/a/r/Np6MiVQnmfZGyixrGYYg/ch-carregadores-de-biciletas-eletricas-na-ilha-pura-3-.jpeg)
No Riviera dei Fiori, na Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso, alguns moradores já solicitaram ao síndico geral pontos de recarga para bicicletas elétricas, mas, por ora, a proposta foi recusada, pelo fato de a demanda ser pequena em relação ao tamanho do condomínio, conta Márcia Batalha, membro do conselho de síndicos do residencial.
— Temos umas quatro bicicletas elétricas no condomínio, com baterias portáteis. Então, a pessoa tira e leva a sua para carregar em casa. Não fizemos nenhum ponto de recarga porque aqui são 147 apartamentos, divididos em sete blocos, e só quatro moradores usariam. Nosso regulamento interno também proíbe o carregamento em qualquer ponto comum, como garagem, porque não se pode tirar proveito para si de uma energia que é compartilhada por todos os condôminos — diz Márcia.
No Edifício Peruggia, no Recreio, uma assembleia discutiu o tema no ano passado e proibiu a recarga nas áreas comuns após reclamações, relata Juliana Furtada, sócia da JRF Gestão Condominial, que administra o prédio.
— Um morador começou a usar a tomada da garagem do prédio, e alguns outros começaram a me mandar fotos reclamando que ele estava carregando na área comum e que todos iriam ter que pagar por esse uso. Então, fizemos uma assembleia para resolver essa questão e definimos que, quando houver mais dinheiro em caixa, investiremos numa máquina em que a recarga é paga com cartão de crédito ou num sistema que identifica o apartamento e repassa para a unidade os valores no boleto do mês — explica. — No Edifício Viareggio, dois moradores já vieram me perguntar se poderiam carregar na garagem, e eu disse que não e que não dispúnhamos de local para recarga. Temos visto essa demanda aumentar, e esta é uma tecnologia que vai ter que ser implantada. O problema, muitas vezes, são os custos elevados.
![Bicicletas elétricas em garagem de condomínio na Avenida Lucio Costa, na Barra da Tijuca — Foto: Beatriz Orle](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/TgYJn5QeQrDUSV3Il_MdORIbHJI=/0x0:1453x919/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/q/A/VvocbOQImHex5fK4zRnw/prov2.jpg)
Em parte dos condomínios administrados pela Pacca Síndicos Profissionais, como o Edifício Rembrandt Van Rijn, em São Conrado, os pontos de recarga começarão a ser instalados nos próximos meses, anuncia Roberta Paccca, sócia da empresa.
— Essa é uma grande preocupação minha, porque em um condomínio que administro na Lagoa já houve um incidente de explosão, após um curto durante a recarga de uma bicicleta elétrica num apartamento. Tivemos que atuar com o extintor para apagar. Então, como medida de segurança, vamos começar a puxar tomadas adequadas em áreas comuns dos condomínios, dedicadas ao carregamento das bicicletas. A intenção é estipular, em assembleia, uma taxa mensal por esse serviço. Com certeza, vai ser um valor baixo, já que o consumo de energia não é tão alto. Além de garantir segurança, é um conforto para os moradores, que não vão precisar transportar a bateria — diz.
Coordenador da Cipa Síndica, que administra cerca de 1.300 condomínios no Rio, incluindo o Vernissage, em Jacarepaguá, e Union, na Barra da Tijuca, Bruno Gouvêa confirma que o uso da energia elétrica é mesmo um dos principais pontos de conflito.
— O consumo de eletricidade para carregar as bicicletas pode gerar disputas, especialmente se os custos não forem claramente definidos e repassados de forma justa aos usuários. A falta de espaço adequado para estacionar os equipamentos também causa problemas. Os riscos de incêndio são outra uma preocupação — enumera.
O que pode e o que não pode
Doutoranda pela Uerj, a advogada especializada em direito civil Roberta Leite afirma que o condomínio não tem obrigação de oferecer pontos de recarga nem vagas de estacionamento para as bicicletas elétricas e que pode cobrar taxa extra pela utilização da energia elétrica em áreas comuns.
— A proibição do uso de tomadas em áreas comuns pode ser feita pelo condomínio, porque essa despesa é rateada entre todos os moradores. E não é justo quem não tem bicicleta elétrica pagar a mais por causa do vizinho. Mesmo que seja um valor baixo, há quem não queira ter essa despesa extra por algo que não está usando. Uma das soluções é a pessoa pagar o que usar de energia naquele ponto. A pessoa pode argumentar: “Ah, mas a academia está lá, eu pago por ela, mas não uso”. Mas a academia está lá para todos os moradores. Já a bicicleta é só dela, não pode ser uma despesa do condomínio — analisa Roberta, que é moradora da Barra.
Para resolver conflitos no dia a dia, avalia, o caminho é reunir os moradores em assembleias e tentar estabelecer consensos.
— A primeira coisa que precisa ser feita é convocar uma assembleia para os condôminos estabelecerem regras claras em relação a esse assunto: se pode subir com a bicicleta no elevador, como vai funcionar a recarga...Também se pode definir na reunião o interesse dos moradores em adaptar o prédio à nova realidade, já que isso envolve despesas com obras e contratação de especialistas, como engenheiros e eletricistas. No condomínio, tudo é de todo mundo, os ônus e os bônus. Daí a necessidade de deixar tudo bem resolvido nessas convenções — explica.