A eventual abertura da CPI das ONGs na Câmara Municipal de São Paulo, cujo alvo principal é a atuação do padre Júlio Lancellotti com a população de rua, gerou ampla reação. A contraofensiva uniu nomes de lados opostos na política, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB), que mira o apoio de Jair Bolsonaro (PL), antecessor do petista no Palácio do Planalto, para a disputa da reeleição este ano. Também se manifestaram em defesa do religioso a Arquidiocese e o vereador Thammy Miranda (PL), filho da cantora Gretchen e correligionário de Bolsonaro, que chegou a figurar entre os signatários da CPI, mas recuou e se disse vítima de "fake news".
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A Arquidiocese afirmou que recebeu a notícia com “perplexidade”, enquanto Lula disse em sua conta no X (antigo Twitter) que o trabalho do religioso é essencial “para dar algum amparo a quem mais precisa”. “Graças a Deus a gente tem figuras como o Padre Júlio Lancelotti na capital de São Paulo, que há muitos e muitos anos dedica a sua vida para tentar dar um pouco de dignidade, respeito e cidadania a pessoas em situação de rua. Que dedica sua vida a seguir o exemplo de Jesus. Seu trabalho e da Diocese de São Paulo são essenciais para dar algum amparo a quem mais precisa”, postou o presidente. Além de Lula, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, disse à coluna de Bernardo Mello Franco, no GLOBO, que vê uma "perseguição" ao trabalho do religioso e acrescentou que ele é alvo de "facínoras".
— A perseguição ao padre Júlio é a expressão do ódio aos pobres que certos políticos e grupos sociais não conseguem disfarçar — pontuou o ministro, que continuou:
— Se este episódio tem algo a nos ensinar, é que precisamos estar atentos, pois a extrema direita está disposta a tudo para promover o caos, inclusive destruir reputações e atacar o trabalho de instituições religiosas. Não há limites para estes facínoras.
Já Ricardo Nunes afirmou à CNN Brasil que telefonou tanto para o líder da Paróquia São Miguel Arcanjo quanto para dom Odilo Scherer, cardeal arcebispo metropolitano de São Paulo, para tranquilizá-los a respeito da possível abertura da comissão. Líder do prefeito na Câmara, o vereador Fabio Riva (PSDB) negou ao GLOBO a existência de um acordo entre as lideranças partidárias para a aprovação da CPI.
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— O objeto é investigar as entidades que recebem dinheiro público para fazer algum tipo de trabalho no centro de São Paulo. Se a entidade do padre Júlio Lancellotti não tem verba pública, não entendo o motivo da convocação. Extrapola o pedido da CPI — declarou Riva, que ainda acrescenta. — Há uma antecipação do debate, inclusive porque quem decide sobre convocações não é o plenário, e sim os membros da CPI, que sequer foi votada e sequer tem data para ser instaurada. Hoje, não existe acordo para a instalação da comissão. E não tem um posicionamento fechado da liderança do governo.
Além de Thammy Miranda, outros três vereadores também anunciaram que desistiram de assinar o requerimento de abertura da CPI: Sidney Cruz (Solidariedade), Xexéu Tripoli (PSDB) e Sandra Tadeu (União). O filho de Gretchen saiu abertamente em defesa de Lancellotti:
— Em nenhum momento foi citado o nome do padre no requerimento, se tivesse jamais teria assinado porque defendo o trabalho dele. O padre está lá para ajudar as pessoas, nós estamos do mesmo lado.
Em trecho da nota divulgada em defesa do padre Júlio Lancellotti, a Arquidiocese pergunta “por quais motivos se pretende promover uma CPI contra um sacerdote que trabalha com os pobres, justamente no início de um ano eleitoral”: “Padre Júlio não é parlamentar. Ele é o vigário episcopal da Arquidiocese de São Paulo ‘para o Povo da Rua’ e exerce o importante trabalho de coordenação, articulação e animação dos vários serviços pastorais voltados ao atendimento, acolhida e cuidado das pessoas em situação de rua na cidade”.
Autor do pedido
O vereador Rubinho Nunes (União) afirmou na quarta-feira ter conseguido o número de assinaturas necessário para criar a CPI. Ele acusa o padre Júlio Lancellotti de ser parceiro das ONGs Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar) e Craco Resiste, que fazem trabalhos com população de rua e dependentes químicos da cracolândia da região central da cidade. Ao GLOBO, o parlamentar disse receber “inúmeras denúncias” sobre a atuação de várias ONGs no Centro de São Paulo, que dão alimentos, mas não acolhem os vulneráveis:
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— Existe uma chamada máfia da miséria para obter ganhos por meio da boa-fé da população e isso não é ético e nem moral. O padre Júlio é o verdadeiro cafetão de miséria em São Paulo. A atuação dele retroalimenta a situação das pessoas. Não é só comida e sabonete que vai resolver a situação.
Em suas redes sociais, o padre Júlio Lancellotti negou qualquer relação com as entidades: “Esclareço que não pertenço a nenhuma Organização da Sociedade Civil ou Organização Não Governamental que utilize de convênio com o Poder Público Municipal. A atividade da Pastoral de Rua é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo, que, por sua vez, não se encontra vinculada de nenhuma forma, com as atividades que constituem o objetivo do requerimento aprovado para criação da CPI em questão”.
Na Câmara Municipal, o presidente Milton Leite (União) só deve reunir o colégio de líderes para discutir o assunto após o fim do recesso parlamentar, em fevereiro. O requerimento de criação da CPI reuniu 22 assinaturas; agora são 19. Rubinho Nunes minimiza a retirada dos nomes e afirma que outros colegas querem participar.