A Polícia Federal levantou pistas de que os U$ 171,8 mil (R$ 859 mil) encontrados dentro de um cofre da residência do número 3 da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Maurício Fortunato, não seriam fruto da "poupança", como ele alegou.
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Homem da chefia da Abin, Fortunato foi afastado do posto de número 3 da agência de inteligência após ter se envolvido com a compra e a utilização de um programa de monitoramento clandestino da localização de celulares no Brasil, conforme O GLOBO revelou em março.
Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de combate à lavagem de dinheiro, analisou as movimentações de Fortunato — e não apontou qualquer indício de saques em espécie ou de transações compatíveis com o dinheiro encontrado na casa do número 3 da Abin.
Além disso, peritos da PF analisam as notas encontradas no cofre da residência de Fortunato. Em uma primeira análise, chamou a atenção dos policiais os dólares aparentemente serem de um lote mais recente e sequencial. Em geral, segundo investigadores, isso ocorreria se os recursos fossem sacados de uma vez só, o que seria identificado pelo Coaf.
Em depoimento à PF, Fortunato decidiu ficar em silêncio. Não explicou a origem dos recursos em espécie encontrados em sua residência. Ao GLOBO, porém, ele negou qualquer irregularidade e apresentou uma justificativa.
— Quando me foi perguntado se tinha valor em espécie, eu mesmo abri o cofre — afirmou ao GLOBO, acrescentando: — Esse dinheiro é a poupança de uma família que tinha sonhos para a aposentadoria e será comprovado oportunamente.
Quem é o número 3 da Abin
Fortunato é considerado por colegas como um “espião à moda antiga”. Ex-integrante do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de arapongagem da ditadura, ele galgou posições de destaque em diferentes governos ao se especializar em operações de vigilância. Seguia à risca a missão de monitorar estrangeiros infiltrados no Brasil e ameaças terroristas na América Latina.
O oficial comandou a diretoria de operações da Abin sob a gestão do delegado da PF Alexandre Ramagem, fiel escudeiro do ex-presidente Jair Bolsonaro. Conquistou a confiança da nova direção da agência ao cumprir missões espinhosas. A relação, porém, ficou estremecida após um desentendimento devido ao corte de uma parcela da verba utilizada para pagar informantes. Fortunato era a favor de manter a tradição na Abin. Ramagem foi contra e redirecionou os recursos para a superintendência do Rio de Janeiro, estado pelo qual foi eleito deputado federal. Diante dessa rusga, o então diretor de operações decidiu entregar o cargo e se aposentar.
A partir daí, o oficial planejava ter uma vida mais pacata e escrever um livro sobre as experiências vividas ao longo de quase quatro décadas no serviço de inteligência. Esse plano teve que ser engavetado após receber um convite de Luiz Fernando Corrêa, ex-diretor-geral da PF e atual chefe da Abin, para assumir a secretaria de Planejamento e Gestão da agência. Fortunato topou o desafio e se tornou o número três do órgão, mesmo sob desconfiança do Congresso.
Quando foi destacado para a nova função, o oficial teve o seu nome contestado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar lembrou que o atual secretário da Abin se envolveu na Operação Satiagraha, anulada pela Justiça após a Abin atuar numa investigação conduzida pela Polícia Federal em 2008. O episódio se tornou um escândalo e foi alvo de uma apuração no Congresso, que convocou Fortunato para prestar esclarecimentos na CPI dos grampos. Sob pressão, o então diretor de contrainteligência do órgão foi afastado. À época, ele negou ter praticado irregularidades e nunca foi processado pelo caso.
Com a biografia fustigada, Fortunato acreditava que a sua carreira tinha chegado ao fim. Tentou sair do país e submergir. Em 2009, foi selecionado num processo interno da Abin para atuar como adido da agência na Venezuela. O governo não o empossou porque o seu nome havia sido vinculado ao escândalo da Satiagraha. No ano seguinte, já longe dos holofotes, ele foi escolhido para atuar como representante da instituição na Argentina.
De Serra Pelada ao SNI
Fortunato costuma dizer que a sua carreira começou como “fruto do acaso”. Nos anos 1980, ele estudava Economia no Rio de Janeiro e foi aprovado em um processo seletivo para trabalhar para a Caixa Econômica Federal em regiões de garimpo. Pouco tempo depois, foi designado para atuar em Serra Pelada, no Pará.
Quando as atividades da Caixa na região foram encerradas, o Serviço Nacional de Informações, que monitorava as atividades de garimpo, resolveu fazer um processo seletivo para incorporar os trabalhadores que atuavam pelo banco em Serra Pelada. Fortunato conquistou uma das vagas e começou a se dedicar a aprender técnicas de espionagem durante a ditadura militar. Quando a Abin foi criada, em 1999, recebeu o corpo de funcionários do extinto SNI.
Com o passar do tempo, Fortunato se destacou na Abin, coordenando equipes e operações especiais em eventos como a Copa das Confederações, em 2013, e a Copa do Mundo, no ano seguinte. Em 2016, ele ajudou a identificar um grupo de jovens brasileiros que preparava um ataque a Olimpíada no Rio. O episódio era um dos capítulos do livro planejado por Fortunato.