No ano de 1950, o negro Moacyr Barbosa, titular do Clube de Regatas Vasco da Gama, era considerado o melhor goleiro do Brasil.
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Disputou o Mundial daquele ano no Brasil, em que a equipe brasileira — com craques como Zizinho, Ademir de Menezes e Jair Rosa Pinto — era a favorita da competição.
Realmente, o Brasil — que empatou com a Suíça por 2 a 2 e ganhou da Iugoslávia por 2 a 0, do México por 4 a 0, da Espanha por 6 a 1 e da Suécia por 7 a 1 — chegou à final esbanjando favoritismo.
Mas, como dizem os velhos ditados, na sua maioria muito chatos, e às vezes bastante verdadeiros, não dá para cantar vitória antes do tempo.
Dois dias antes do jogo final, políticos brasileiros de todos os estados visitaram a comissão técnica e os jogadores da Seleção Brasileira na concentração para se congratular e tirar fotos com eles. A imprensa nas suas manchetes já dava a equipe brasileira como grande vitoriosa do torneio. Aconteceram noitadas e festas antecipadas. Assim, o time brasileiro entrou em campo para o jogo contra a equipe do Uruguai totalmente desconcentrado e acabou perdendo.
Tomou uma virada, que ficou apelidada para sempre como Maracanazo.
Entre os heróis daquela epopeia alviceleste, se notabilizou o uruguaio Obdulio Varela, que ganhou a fama de ter vencido o mundial no grito, quando na verdade jogou muita bola.
Entre os fracassados daquela tragédia verde-amarela, se eternizou o goleiro Barbosa, injustamente responsabilizado pelos dois gols dos uruguaios. Eles ganharam o jogo, que, até os 21 minutos do segundo tempo, era vencido pelos brasileiros.
A partir daquele dia se acentuaram os preconceitos contra os goleiros negros, coisa que durou muitos anos.
— Goleiro negro não dá certo.
Barbosa, mesmo tendo continuado como grande goleiro no Vasco da Gama, jamais voltou à Seleção Brasileira. Carlos Castilho e Gylmar dos Santos Neves assumiram seu lugar.
Como se tudo isso não bastasse, anos depois alguém teve a infeliz ideia de dar a Barbosa como presente as traves onde ele havia tomado aqueles dois gols no Maracanã. Barbosa teve o bom senso de transformar aqueles pedaços de madeira em carvão para fazer churrasco.
Passaram os anos, o tempo aplacou um pouco os preconceitos contra os goleiros negros, e um novo Barbosa apareceu no futebol brasileiro. O jovem Barbosinha, elástico goleiro corintiano, apelidado com esse nome porque sua técnica apurada lembrava o Barbosa original.
Barbosinha, que começou nas categorias de base, foi muito bem na equipe titular do Corinthians a partir do início de 1967, mas, no dia 19 de novembro daquele mesmo ano, tomou dois gols de um exímio batedor de faltas, o meia-esquerda palmeirense Tupãzinho, num jogo em que o Corinthians foi desclassificado do Campeonato Paulista mais uma vez, completando 13 anos na fila pelo título.
Naquela partida, a carreira de Barbosinha na mais popular equipe paulista degringolou, e o preconceito com os goleiros negros, entre os torcedores e dirigentes das grandes equipes, voltou com tudo.
— Goleiro negro não dá certo.
Podemos dizer que esse preconceito durou até o final dos anos 1990, quando, naquele mesmo Corinthians do injustiçado Barbosinha e de históricos goleiros como Cabeção, Gylmar, Ronaldo e Cássio, destacou-se o baiano e negro Dida.
Defendendo pênaltis decisivos, com atuações impecáveis, Dida garantiu vitórias e títulos para o Timão. Desde campeonatos brasileiros, até o Mundial Interclubes.
Dida provou que goleiro negro dá certo.
Quanto ao Barbosinha, depois do Corinthians de 1967, ele ainda jogou no Athletico Paranaense, onde chegou a ser campeão estadual, e teve uma boa passagem pelo Tiradentes, no Piauí.
Mas certamente sua maior conquista não foi futebolística, e sim pessoal. Barbosinha, que na verdade se chamava Lourival Almeida Filho, virou pai do grande advogado brasileiro e atual ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.
Um exemplo na luta contra o preconceito racial. Coisa que ele, certamente, aprendeu na teoria e na prática, tanto na escola quanto em casa, principalmente.