Irapuã Santana
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Irapuã Santana

Doutor em Direito

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Irapuã Santana

Doutor em Direito

Neste mês, o STF declarou, muito acertadamente, inconstitucional a regra do Código Civil que obrigava o regime de separação total de bens nos casamentos envolvendo, pelo menos, uma pessoa acima de 70 anos. O que há por trás dessa regra? Muitas coisas, como a presunção da incapacidade de alguém nessa idade ter discernimento para tomar as próprias decisões, demonstrando grande viés de preconceito.

O Código Civil de 1916 fez algo semelhante, determinando a separação de bens do maior de 70 e da maior de 50 anos. Aqui, a mulher era considerada incapaz de decidir sobre sua própria vida 20 anos antes.

Para além da ideia de um Estado paternalista, que quer determinar como os cidadãos devem se proteger de si mesmos, muita coisa mudou de 1916 para cá. Embora o Código Civil tenha sido publicado em 2002, ele foi elaborado entre os anos de 1969 e 1975. Por esse motivo, especialistas diziam que a nova lei já nascia velha.

Um tema muito discutido na época da reforma da Previdência era justamente o aumento não só da expectativa de vida, mas da expectativa de sobrevida. Segundo o IBGE, quem atingiu os 60 anos tem mais 23,5 se for mulher e mais 20 sendo homem. Mas não é só: se alguém chegou aos 70, tem mais 15,7 anos de sobrevida. Isso quer dizer que a população brasileira, em regra, vive 80 anos ou mais.

A outra pergunta a fazer poderia ser: em que condições essas pessoas chegam aos 70? Ora, está na Constituição a previsão de aposentadoria de servidor público aos 75 anos, o que possibilitou à ministra Rosa Weber presidir o Poder Judiciário entre os 73 e 75 anos. O ministro Lewandowski foi nomeado para chefiar a segurança pública do Brasil há pouquíssimo tempo, já com 75 anos. O presidente Lula tem 78 anos.

É inegável que pessoas que chegam a essa idade não se tornam incapazes. Um sistema em que podem assumir cargos importantes, governando mais de 200 milhões, e não podem decidir o regime de seu próprio casamento é completamente contraditório. A partir dessa constatação, duas coisas se destacam: 1) a ingerência do Estado na vida particular; e 2) como a sociedade trata seus idosos.

Sob a alegação de que um idoso poderia ser enganado, vítima de um golpe do baú, impediu-se a comunhão de bens. Pergunto: isso impede que ela dê presentes ou gaste o dinheiro com lazer em vida? Portanto é uma regra completamente ineficaz do ponto de vista prático da proteção que se pretende dar. Entretanto mais grave que isso é olhar para alguém que viveu mais e impor-lhe limites.

Na tradição africana, os anciãos são considerados “mental e espiritualmente fortes e sábios o bastante, não apenas para manter a comunidade unida, mas, acima de tudo, para construir a fundação moral da comunidade jovem e das gerações que virão”. Pela metodologia chamada Kindezi, tornam-se responsáveis por ajudar os jovens, sua comunidade e a si mesmos a brilhar, como o sol vivo que cada um possui.

Deveríamos aprender isso.

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