Flávia Oliveira
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Flávia Oliveira

Jornalista

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Flávia Oliveira

RESUMO

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GERADO EM: 12/07/2024 - 00:05

Desafios na punição do racismo no Brasil

O Brasil enfrenta desafios na punição do racismo, com baixa proporção de condenações e prisões por crimes raciais. A equiparação da injúria racial ao racismo pelo STF e a legislação mais rígida são avanços, mas a impunidade ainda persiste. O sistema judicial precisa lidar de forma mais eficaz com as denúncias de racismo.

A dúvida emergiu da condenação, pela Justiça espanhola, de três torcedores do Valencia por insultos racistas contra Vini Jr., craque do Real Madrid e da seleção brasileira. O trio foi sentenciado a oito meses de prisão e banimento dos estádios por um par de anos, por crime contra a integridade moral com agravante de discriminação racial. Não irão ao cárcere, porque a legislação local permite que penas de até dois anos sejam suspensas, em casos de crimes não violentos, se o juiz acreditar que o réu não voltará a delinquir. A decisão, por inédita, foi celebrada.

Diferentemente da Espanha, o Brasil tem leis que criminalizam racismo e injúria racial. Tornaram-se comuns as denúncias. O senso comum sugere que condenações são raras, prisões inexistentes. Solicitei informações ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os números apurados pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário permitem ver o copo meio cheio ou meio vazio. Desde 2022, o país julgou 6.466 processos relacionados a crimes raciais. Houve condenação em 836. Significa que em apenas 13% dos julgamentos a denúncia foi considerada procedente. A proporção é baixa, mas não é nula.

As prisões são incomuns, mas não inexistentes. O CNJ identificou 299 mandados por crimes raciais, dois deles com indivíduos foragidos. Assim, o Brasil tem hoje 297 racistas presos por intolerância e/ou injúria racial de cor e/ou etnia; injúria preconceituosa ou injúria preconceituosa em razão de cor, etnia ou raça; crime análogo à intolerância e/ou injúria racial, de cor e/ou etnia; ou análogo à injúria preconceituosa em razão de cor, etnia ou raça. São crimes previstos nas leis 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de cor ou raça, e 14.532/2023, que tipifica injúria racial como racismo e impõe pena para racismo em ambientes esportivos e artísticos, recreativo e religioso.

— O fato de haver pessoas presas por crimes raciais demonstra que o Brasil está caminhando. Isso pode ser reflexo do esforço que vem sendo feito para pautar a questão racial no Judiciário — afirma Karen Luise Souza, juíza auxiliar da presidência do CNJ e integrante do coletivo que, desde 2017, realiza o encontro e o fórum nacional de juízes e juízas negros, para tratar dos impactos do racismo do sistema judicial.

A predominância de condenações a penas alternativas, como prestação de serviços sociais, pode explicar a diferença entre o total de sentenciados e de presos (provisórios ou não). Na base de dados do CNJ há 10.925 processos pendentes — que não foram julgados — em tribunais estaduais, federais e na Justiça Militar de São Paulo.

O número de julgamentos é crescente: 1.175 em 2022; 3.631 no ano passado; e 1.660 em 2024, até aqui. Uma hipótese é a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em outubro de 2021, de equiparar o crime de injúria racial ao de racismo — e torná-lo, portanto, imprescritível, como manda a Constituição Federal. O relator foi o ministro Edson Fachin, e a tese venceu por maioria; o único voto contrário foi do ministro Nunes Marques, indicado à Corte em 2020 pelo então presidente Jair Bolsonaro.

Até ali, era comum classificar como injúria de todo e qualquer crime racial. A defesa dos réus recorria a estratégias protelatórias para evitar a condenação até a prescrição do delito. O entendimento do STF e, mais tarde, a promulgação da Lei 14.532/2023 constituíram ferramentas para frear a impunidade.

Mas não significa que ela inexista. A disparidade entre total de processos, julgamentos e condenações em tribunais, Brasil afora, dá a medida de quanto ainda falta caminhar para punir o racismo nosso de cada dia. O TJ-BA conta 5.425 casos pendentes, quase metade do total do país. De 2022 a 2024, foram julgados 4.145; só 150 geraram condenações, 4% do total. Pelo volume de denúncias, o MP vê racismo demais; pela fração de sentenças procedentes, os juízes veem de menos.

No Rio de Janeiro, no período 2022-2024, o TJ-RJ julgou 36 casos de crimes raciais; em 12 houve condenação. O estoque a ser apreciado é de apenas 382. Em São Paulo, há 132 processos pendentes; em dois anos e meio, o TJ-SP julgou 26 e condenou em 20. Há sinais de que: 1) quase não há crime racial em solos fluminense e paulista; 2) as vítimas não denunciam, e as ocorrências estão subnotificadas; 3) a polícia não leva adiante as investigações e não conclui os inquéritos; 4) o MP arquiva, em vez de denunciar.

A consulta ao CNJ jogou luz sobre realidade pouco avaliada: a forma como o sistema de Justiça recebe e trata as denúncias de racismo. Perguntas importantes foram respondidas: quantos processos, julgamentos, condenações, prisões. Outra avenida de indagações se abriu. Sigamos nela.

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