Eduardo Affonso
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Eduardo Affonso

Arquiteto e cronista

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Eduardo Affonso

Arquiteto e cronista

Os “patriotas” que avançaram sobre a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 não têm do que reclamar. Pediam um golpe — e o golpe veio. Não o que eles queriam dar, mas aquele em que acabaram por cair.​

Foram vítimas do “conto do capitão”, não muito diferente das clássicas arapucas da crônica policial. Pensaram ter comprado um bilhete premiado: bastava acampar na porta de um quartel, cantar um hino, depredar alguns imóveis e depois resgatar o prêmio: uma ditadura para chamar de sua. Melhor que isso, só terreno na Lua.

Cerca de 2 mil foram presos. Mais de cem já receberam penas de três a 17 anos de cadeia, pelos crimes de associação criminosa armada, dano qualificado, tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e deterioração de patrimônio tombado. Já o grande golpista... esse discursa (livre, leve e ainda solto) na Avenida Paulista —depois de mandar irem dando o golpe enquanto ele apreciava a demolição das instituições, com R$ 800 mil no bolso, num condomínio em Miami. Se desse certo, ele assumia. Desse errado, não era dele a culpa do vexame.

Quem também caiu num golpe foram os “democratas” que, mandando às favas os escrúpulos de consciência, embarcaram na canoa furada de uma frente antifascista, anti-tudo-de-ruim-que-exista.

Uma improvável Arca de Noé, pilotada pela esquerda, que, passado o dilúvio, permitiria a nova aliança nacional para repovoar a política: um casal de liberais, um casal de reestatistas, um casal de sociais -democratas, um casal de stalinistas, um casal de economistas responsáveis, um casal de desenvolvimentistas, um casal de representantes do povo, um casal de populistas. Deu no que deu —ou pior: no que está dando e no muito que ainda pode vir a dar.

(O ditador russo tortura e mata mais um opositor, e a esquerda não dá um pio. O déspota venezuelano prende mais um adversário, e a esquerda nem pisca. Os terroristas que dominam Gaza tomam civis como escudo humano — fazendo tanto o israelense sequestrado quanto seu próprio povo de refém —, e a esquerda sem soltar a mão de ninguém. Onde será que foi parar aquela gente que denunciava violação dos direitos humanos, que pedia eleições livres, que era contra a opressão?)

Nada muito diferente do protoditador que até outro dia ocupava a Presidência. Iniciou o desmonte das medidas anticorrupção, e a direita (empresarial) viu vantagem. Tentou transformar o país numa república de bananas, e a direita fez cara de paisagem.

O que nos salvou do “golpe cívico-militar” não foi a resistência democrática, mas a incompetência atávica de jaíres, helenos, bragas, pazuellos, cids, silvineis. O que esperar de quem grava reunião secreta, imprime e guarda minuta de golpe na gaveta, se cala na PF e confessa, em cima do carro de som, tudo de uma vez?

Há que prosseguir nas investigações para identificar quem articulou o golpe de janeiro e ter todos os elementos para que seja punido — mas só pode ser ironia falar em “determinar a autoria intelectual” de um evento sem nenhum intelecto envolvido.

Quanto ao outro golpe — o da tábua de salvação da civilidade e da democracia —, esse foi tão bem aplicado que não dá nem para registrar B.O. numa delegacia.

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