Eduardo Affonso
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Eduardo Affonso

Arquiteto e cronista

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Eduardo Affonso

Arquiteto e cronista

Hoje vou me permitir uma heresia: um texto em primeira pessoa. Eu, que fujo dela como um pobre-diabo, se pudesse, fugiria do SUS. Porque é desnecessária: numa coluna de opinião, em cada frase há um “eu” implícito. O Houaiss endossa: opinião é o “julgamento pessoal (justo ou injusto, verdadeiro ou falso) que se tem sobre determinada questão”.

Quando o colunista diz “é”, não quer dizer que seja, mas que ele vê dessa forma. Tomar partido — pecado no jornalismo — no artigo de opinião é virtude. Mais: é sua razão de ser.

Anúncio classificado tem viés (“Magnífico 2 quartos, claro, arejado”). Previsão do tempo tem subjetividade (“Chance de alguns raios e ventos moderados. Demais regiões com pouca chuva”). Por que uma coluna de opinião deveria ser “neutra”? Como haveria de ser “objetiva”?

Ponderada, sim. Mas a escolha do tema sobre o qual se vai escrever (marcar posição) já pende para um lado da balança.

Esta de hoje poderia tratar do colapso moral do Rio de Janeiro. A orla da Barra e do Recreio emulando a Chicago onde mafiosos eram mortos à queima-roupa, em cantinas aconchegantes, e caíam de cara no prato de espaguete, espirrando sangue e molho de tomate na toalha xadrez. Aqui, em vez da Máfia, a milícia; do vinho, o chope. A mesa é dessas de cervejaria, sem toalha. Sai o terno risca de giz, entra o trio camiseta-bermuda-chinelo. O assassino não foge de Cadillac, Buick ou Lincoln Coupé, mas de moto. Não há o flash do fotógrafo iluminando o quadro, e o impacto da imagem, em preto e branco, na primeira página, no dia seguinte. A cena é registrada pelos celulares de quem está na mesa ao lado e partilhada em tempo real no Instagram. Foi-se o charme, preservou-se a barbárie.

Na mesma pauta, o sumiço do busto de Nélson Rodrigues, de seu túmulo no São João Batista. Como coibir furtos e roubos (de cabos de cobre a celulares, passando pelas vigas da Perimetral) numa cidade que tem — há décadas! — uma feira (a céu aberto, à luz do dia) de produtos “de procedência duvidosa”? Vão acabar com a Feira de Acari — talvez com a mesma logística usada para dar fim às cracolândias: mudando seu endereço.

Poderia ser sobre o spin-off de “Quem matou Marielle?”. Não exatamente quem mandou matar, ou quem foi o mandante do mandante, mas em quem essa pessoa votou em 2018. O título: “Toma que o mandante é teu”.

Ou, ainda, sobre a atração fatal do PT pelo erro. Depois de reaparelhar as estatais, quis retomar o controle da Vale, privatizada há mais de um quarto de século. Voltou a enterrar dinheiro em refinarias que produzirão mais prejuízos (e propinas) que combustíveis. Quer deixar o contribuinte (que precisa de água tratada, esgoto, educação, saúde, transporte) a ver navios; vai embarcar de novo no Titanic dos subsídios para a indústria naval. Falta pouco para Janja plantar um canteiro de flores vermelhas nos jardins do Alvorada e quebrarem mais uma vez o sigilo bancário do Francenildo.

Mas esta é minha 200ª coluna. Queria comemorar e falar do leitor, que tende a considerar isenta a opinião com que concorda e tendenciosa a que o confronta em suas crenças. Que escreve “futebol” e “paletó”, mas reclama de “becape” e “feiquenius”. O que se sente representado (nem Lula nem Bolsonaro); o que pede que o jornal censure este fascista/comunista.

Longa é a pauta; breves os 3 mil caracteres deste canto de página. Fica para a próxima.

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