Edu Lyra
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Edu Lyra

Fundador e CEO da Gerando Falcões

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Edu Lyra

Fundador e CEO da Gerando Falcões

Afinal, o brasileiro doa muito ou pouco? Melhor dizendo: dados o tamanho e a complexidade dos nossos problemas sociais, o brasileiro doa o suficiente? Segundo a última pesquisa Doação Brasil (Idis-Ipsos), pessoas físicas doaram R$ 12,8 bilhões em 2022. Parece muito, mas não é.

O Brasil tem cerca de 800 mil ONGs. Consideremos, a título de argumentação, que metade dessas instituições funciona plenamente, com time fixo, projetos permanentes e, é claro, doadores regulares. Nessa hipótese, um tanto generosa, as ONGs brasileiras ativas teriam recebido, em média, pouco mais de R$ 30 mil ao longo de um ano.

A cena piora quando comparamos a filantropia brasileira à de outros países em desenvolvimento. Bangladesh, que visitei há alguns meses, é um caso paradigmático. Lá o trabalho da Brac, a maior ONG do mundo, fundada pelo empreendedor social e filantropo Fazle Hasan Abed (1936-2019), foi crucial para a melhoria dos índices de pobreza.

O orçamento anual da Brac é de US$ 1,5 bilhão — mais de R$ 7 bilhões. O orçamento da principal instituição social de Bangladesh representa, sozinho, metade do total doado por pessoas físicas no Brasil. O que explica essa disparidade?

Não há resposta única. Em parte, o Brasil não tem cultura de filantropia, com o apoio de uma política fiscal que estimule as doações, como os Estados Unidos. Também são poucas as instituições solidárias que têm acesso ao grande capital, de onde vêm as doações mais substanciais. A Gerando Falcões repassa boa parte dos recursos que capta para ONGs que fazem parte de seu ecossistema. Embora realizem um belíssimo trabalho na ponta, com conhecimento profundo dos territórios em que atuam, dificilmente conseguiriam uma reunião com a diretoria de uma grande empresa.

Mas há outra bola de ferro presa ao pé da filantropia brasileira: temos dificuldade de encarar uma instituição social como empresa.

Volto a Bangladesh. Cerca de 90% da receita da Brac vem de negócios próprios. Ela é detentora até de um banco, o quinto maior do país e líder no financiamento de SME (“pequenos e médios negócios”, na sigla em inglês). Outro banco social bengalês, o Grameen Bank, primeiro do mundo especializado em microcrédito, rendeu um Nobel da Paz em 2006 pelo trabalho para erradicar a miséria. No ano passado, lucrou R$ 202 milhões, lucro este todo reinvestido em projetos sociais.

Negócios como Brac Bank e Grameen Bank são lembretes de que precisamos de empreendedores sociais no sentido pleno da palavra. Pessoas que encarem as ONGs como empresas sociais, que lucram e reinvestem esse lucro em ações na ponta, em vez de distribuí-lo entre um punhado de acionistas.

Falar em ONGs como empresas sociais significa falar em metas, em métricas de resultados, em estratégia de negócios, num setor financeiro afiado, em produtos e serviços conectados às necessidades reais da população mais pobre, sobretudo das mulheres negras, que chefiam boa parte dos lares brasileiros.

O PIB das favelas é maior que o de muitos países. Só a intersecção da filantropia com os negócios sociais é capaz de liberar esse potencial econômico, garantindo não apenas a sustentabilidade financeira da filantropia no Brasil, mas, sobretudo, a emancipação das camadas mais pobres.

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