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A opinião do GLOBO

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É preocupante a cruzada contra livros e escritores consagrados que tem ganhado ímpeto no Brasil. No episódio mais recente, a obra “O Menino Marrom”, do cartunista Ziraldo, foi vetada nas escolas da cidade mineira de Conselheiro Lafaiete depois de pressão dos pais. Eles consideraram violenta uma passagem em que os protagonistas, um menino negro e um branco, têm a ideia de fazer um pacto de sangue usando primeiro uma faca, depois um alfinete. Acabam selando a amizade com tinta azul. A fúria contra o livro cresceu com vídeos nas redes sociais acusando-o de induzir crianças a fazer pacto de sangue cortando o punho.

No ano passado, o governo de Santa Catarina determinou a retirada de nove obras das bibliotecas escolares, entre elas clássicos como “Laranja mecânica”, de Anthony Burgess, e “It: a coisa”, de Stephen King. No início do ano, gestores educacionais em três estados mandaram recolher o romance “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti em 2021, acusado de apresentar “vocabulário chulo” e “conteúdo sexual” (em dois estados a obra foi devolvida às bibliotecas escolares após a repercussão negativa).

No Superior Tribunal de Justiça, um mandado de segurança impetrado pelo Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) e pelo pesquisador Antônio Gomes da Costa Neto acusa de racismo o tradicional “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato. A discussão se arrasta há mais de uma década e ainda não há data para julgamento. Em 2010, o Conselho Nacional de Educação vetou a inclusão da obra nas escolas, alegando racismo na abordagem da personagem Tia Nastácia e noutras referências. A pedido do MEC, o conselho anulou o veto e recomendou a inclusão, nas próximas edições, de notas explicativas contextualizando o texto. A liberação foi questionada na Justiça.

Num país em que vigoram liberdades plenas de expressão e criação, tribunais nada deveriam dizer sobre a adequação de livros ou obras de arte. Apesar das passagens hoje lidas como nitidamente racistas, a obra de Lobato não pode ser tirada de seu contexto. Ela narra as peripécias de Pedrinho e Narizinho para caçar uma onça-pintada que rondava o Sítio. Hoje esse enredo e expressões usadas pelo autor podem parecer condenáveis, mas o livro foi publicado em 1933, numa sociedade e num momento político e social completamente diferentes.

A cultura de vetos e cancelamentos inspirada no radicalismo das redes sociais não pode ser transportada para o ambiente escolar. Gestores com mania de censor deveriam estar mais preocupados com a qualidade da educação. Escola, por definição, é lugar de ensino, discussão, acolhimento de diferentes pontos de vista. Se uma obra contém trechos que suscitam polêmica, isso deve ser contextualizado e debatido com os alunos. O mais sensato é estimular uma leitura crítica. É esse o papel da escola. Sejam quais forem os temas ou as expressões em jogo, a censura é sempre o pior caminho, pois representa um perigo para a liberdade de expressão e para o futuro dos estudantes.

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