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O novo arcabouço fiscal (NAF) completará um ano de vigência no dia 31 de agosto. A regra aprovada em substituição ao teto de gastos (TG) foi modificada pela primeira vez antes de fazer um ano. A história recente das regras fiscais brasileiras tem sido de descontinuidade. O regime de metas primárias de 1999 sofreu sua primeira alteração em 2006, quando mudaram o método de apuração de percentual do PIB para valores nominais. Isso pavimentou o caminho para as pedaladas fiscais na primeira metade da década de 2010.

A piora do padrão da política fiscal naquela época resultou na grande crise de 2014 a 2016, caracterizada por uma expansão sem precedentes do endividamento público. O descumprimento das regras fiscais e suas consequências produziram o impeachment da presidente. Esse episódio sinalizou amadurecimento democrático, demonstrando que no Brasil o mau uso do dinheiro público tem consequências políticas e que a política fiscal deveria estar submetida a regras. Nesse contexto, surgiu o TG e, com ele, a expectativa de que a sustentabilidade fiscal ganhasse status de bem público, tal qual havia acontecido décadas antes com a estabilidade monetária obtida pelo Plano Real. Não foi o que aconteceu. O TG teve bom desempenho entre 2017 e 2018, estabilizando a relação dívida/PIB, porém, já em 2019, seus primeiros sinais de esgotamento vieram à tona.

Num contexto de fixação da despesa primária, limitada na mesma Constituição que previa o crescimento involuntário dela, o impasse político seria questão de tempo. Logo as despesas obrigatórias assumiram quase a totalidade do orçamento primário, reduzindo o espaço das discricionárias. Porém com um agravante: a partir do fim da década o Congresso expandiu sua influência sobre o Orçamento por via das emendas impositivas.

Com a pandemia em 2020 e o fracasso do governo em conduzir as medidas de isolamento necessárias para contê-la, um esforço fiscal sem precedentes foi necessário para acomodar o choque. Diante das restrições impostas pelo TG, a alternativa foi o orçamento de guerra, que criou um novo orçamento fora do teto.

Capa do audio - Linha Aberta - Carlos Alberto Sardenberg

Na saída da pandemia, com o avizinhamento das eleições, o incentivo para novos furos no TG estava posto. Uma sequência de PECs de elevado impacto fiscal foram aprovadas. Duas heranças foram deixadas para o presente: as despesas com precatórios, que somavam R$ 18,5 bilhões em 2022, saltaram para R$ 102 bilhões em março de 2024; e o Bolsa Família (BF) subiu de R$ 95 bilhões para R$ 172 bilhões no mesmo período. Ambas as despesas podem ser consideradas obrigatórias. Os precatórios, por decisão judicial; e o BF porque cortes imporiam elevado custo eleitoral ao governo.

Além disso, as PECs contribuíram para a desmoralização do TG e sua substituição pelo NAF. Isso produziu uma armadilha adicional. A possibilidade de expansão real do gasto (vinculado às receitas) foi o gatilho para o início de uma corrida das diferentes carreiras do serviço público em busca de recomposição salarial após anos de perdas reais acumuladas, produzindo efeitos sobre a Previdência. Noutras palavras, a ausência do TG escancarou um conflito distributivo no serviço público (relativo aos três Poderes), de forma que o reajuste dado a um segmento será legitimamente reivindicado pelos demais, exacerbando as pressões políticas.

O resultado é uma situação fiscal de curto prazo ruim, mas não dramática. Atua como elemento distensionador o comportamento da arrecadação. As receitas da União vêm surpreendendo positivamente desde 2022 e estão em patamar elevado. Têm contribuído para isso a recuperação cíclica da economia pós-pandemia e a pauta arrecadatória empreendida pela equipe econômica. Os vetores cíclicos mostram seus primeiros sinais de esgotamento. A pauta arrecadatória requer elevado esforço legislativo de um Congresso que influencia a política fiscal sem estar sujeito aos instrumentos de enforcement das regras fiscais vigentes. Isso sugere que a arrecadação poderá se deteriorar a qualquer momento e escancarar o problema fiscal.

*Benito Salomão é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia

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