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‘A crise climática é também uma crise da cultura e, portanto, da imaginação.’ A frase do indiano Amitav Ghosh resume a ideia central de seu livro “O grande desatino: mudanças climáticas e o impensável”. Ghosh parte da literatura para refletir sobre nossa capacidade (ou incapacidade) de imaginar o inesperado e o improvável. Ainda presos a ideais da “Era Moderna”, em que se acreditava que a vida poderia ser controlada e a natureza domesticada, nossa forma ocidental de ver o mundo não se atualiza na mesma velocidade da crise climática, essa que também é uma crise social, aumentando a disputa por recursos e ampliando desigualdades.

A tragédia no Rio Grande do Sul se apresenta como mais uma triste evidência da urgente necessidade de acionarmos um novo modo de pensar estratégias e práticas de sustentabilidade institucionais e corporativas. O primeiro passo é entender o modelo mental que orienta nossas decisões e por que pensamos tão pouco de forma sistêmica. Pensar sistemicamente dá trabalho e nos coloca no desconfortável lugar de “parte” de um todo maior e mais complexo, contradizendo nossa ilusão de superioridade. Quando compreendemos que tudo o que existe no mundo — seja material ou imaterial — está interligado numa cadeia infinita de relações de causa e consequência, vemos com clareza que os aspectos sociais e ambientais não podem ser pensados em separado.

Nos últimos 20 anos, as estratégias de sustentabilidade corporativas vêm se apoiando nos parâmetros ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Ainda que saibamos que o ESG está contido num conceito maior de investimento sustentável, ele representou um marco importante ao substituir a lógica do “investimento ético” por questões materiais relevantes para os investidores. No contexto de sua criação, há 20 anos, separar os temas ambientais dos aspectos sociais fazia sentido para atender a uma demanda por mensuração e comparação de resultados. Ainda hoje, separar, medir e gerenciar são verbos importantes na gramática ESG porque falam a língua do investidor. Somente são efetivos, porém, quando derivam de um pensamento sistêmico maior. Afinal, não há impacto ambiental, positivo ou negativo, sem impacto social. E vice-versa.

Voltemos à tragédia do Rio Grande do Sul. Como dissociar as consequências ambientais das sociais? Como planejar medidas de reconstrução e adaptação climáticas sem ter as pessoas no centro da estratégia? No sentido inverso, o mesmo raciocínio se aplica: quanto mais resiliência e prosperidade social, menor a competição predatória por recursos naturais e maior o efeito positivo no meio ambiente.

Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor

A separação dos aspectos ambientais e sociais, ainda que facilite a gestão, somente faz sentido quando ancorada numa estrutura sistêmica de pensamento capaz de enxergar o todo e a relação entre as partes. Pensamento fragmentado não dá conta de realidades complexas.

*Aline Pimenta, especialista em comunicação e sustentabilidade, é sócia e cofundadora da empresa Oitto Impacto e doutoranda em comunicação pela PUC-Rio

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