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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

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O excelente editorial do GLOBO de 24 de dezembro revela que quase 40% das obras públicas com participação de recursos federais estão paradas. Essas “obras sem continuidade representam um investimento de R$ 32,2 bilhões, R$ 8,2 bilhões dos quais já pagos. O resto são recursos públicos congelados, que deixam de gerar empregos, renda e melhoria nos serviços. Puro desperdício”. Para tornar as coisas ainda piores, as obras que recebem aportes federais são decididas por emendas parlamentares, sem o mínimo respeito à relação entre benefício e custo. De um lado, o povo carente; de outro, muita incompetência. Difícil conter a indignação!

Lamentavelmente, a situação real é muito pior, porque as obras que chegam a ser concluídas frequentemente param de funcionar ou passam a prestar serviço precário pouco tempo depois da inauguração. É difícil encontrar obra pública que continue prestando serviços adequados, digamos, dez anos depois de inaugurada. Depois de 20, 30 anos, mais ainda.

O editorial sugere um conjunto de medidas administrativas sensatas para corrigir as distorções mais graves. São aperfeiçoamentos do processo licitatório e de licenciamento, da concatenação entre os orçamentos do entes federados e da atuação dos órgãos de controle. Tudo para diminuir o desperdício. Porém há uma solução tipo “ovo de Colombo” para resolver o problema, que deveria ser considerada: pagar pelo resultado da obra, não pela obra em si.

Para ilustrar o conceito, convém usar o exemplo do editorial: apesar de investimentos maciços em saneamento executados pelo PAC a partir de 2006, muitos quilômetros de tubulações enterradas não conectam as casas às estações de tratamento de esgoto. Não servem para nada.

Se, em vez de pagar pela obra, o contrato estipulasse pagamento por esgoto tratado, o resultado seria diferente. Primeiro, porque nenhum empreiteiro ganharia dinheiro por realizar obra sem serventia. Segundo, porque o empreendedor buscaria minimizar o custo do investimento, em vez de maximizá-lo para conseguir aditivos contratuais, como frequentemente acontece hoje. Terceiro, porque, ao longo dos anos de funcionamento, a atenção devida seria dada à manutenção da infraestrutura, prática raríssima no Brasil. Quarto, porque haveria transparência na hierarquização da alocação dos recursos públicos, inclusive o dinheiro definido por emendas parlamentares.

Não se trata de uma ideia de algum sonhador que desconhece as dificuldades de transitar da teoria à prática. Na realidade, o conceito de pagar por resultados — no caso, por metro cúbico de esgoto tratado — foi adotado com sucesso pela Agência Nacional de Águas (ANA) durante o governo Fernando Henrique Cardoso. É só resgatar o que já deu certo.

*Jerson Kelman, engenheiro, foi presidente da Agência Nacional de Águas (2001-2004)

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