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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

Por Betina Ferraz

O ano de 2023 começou com a realização de um sonho antigo: conhecer o Butão, no sul da Ásia. O desejo nasceu no dia em que li sobre a definição de Felicidade Interna Bruta (FIB), um indicador desenvolvido pela ONU naquele país para complementar os indicativos tradicionais — como Produto Interno Bruto (PIB) — que medem o nível de desenvolvimento das nações. Isso me deixou intrigada para ver de perto.

Cheguei lá e fiquei impactada com o que vi. É um país ainda em desenvolvimento, com menos de 1 milhão de habitantes, primordialmente rural e formado por cidades pequenas. Não existe um único semáforo em todo o país. Além disso, aproximadamente 70% do território é coberto por florestas. O Butão é o único país no mundo a ter emissões de gás carbono negativas: ele retira mais gases do efeito estufa da atmosfera do que emite. São 2,5 milhões de toneladas de CO2 absorvidas por ano. A produção de energia limpa e renovável das hidrelétricas é outro destaque. É tamanha que o recurso é exportado para países vizinhos, compensando outros 4,4 milhões de toneladas de emissões anuais. É um oásis no meio da Ásia.

Como um país tão pequeno, ainda em desenvolvimento, pode estar tão avançado nas questões ESG (ambiental, social e governança) em que as principais economias do mundo ainda enfrentam dificuldades? Pesquisando sobre o conceito da FIB, descobri que o Código Civil, de 1629, já definia que o governo que não cria felicidade para seu povo não tem propósito de existência. No início dos anos 1970, o conceito de FIB foi promulgado pelo quarto rei do Butão. E finalmente, em 2008, uma nova Constituição foi estabelecida com base na filosofia budista, em convenções internacionais sobre direitos humanos e conceitos ESG. Resumindo, toda política pública é pautada pela felicidade da população, buscando o equilíbrio entre crescimento econômico e desenvolvimento social, a sustentabilidade ambiental e a preservação cultural. O governo está apoiado em quatro pilares: boa governança, desenvolvimento socioeconômico sustentável, promoção da cultura e conservação ambiental.

O Butão também adota uma postura mais fechada para o restante do mundo, buscando preservar a natureza e minimizar riscos de contaminação e crescimento desenfreado. O turismo é extremamente controlado: além do visto de entrada e de uma taxa diária de preservação, é obrigatória a presença de um guia acompanhando a viagem o tempo todo. Cortado pela Cordilheira do Himalaia — que contém as maiores montanhas do mundo, inclusive o Everest —, o país também restringe o alpinismo, preocupado com a quantidade de lixo deixado pelos praticantes. Atualmente, o governo do Nepal estima que cerca de 5 toneladas de lixo são deixadas no Everest por ano. Por isso, Gangkhar Puensum, a maior montanha do Butão, com 7.570m de altura, tem a fama de ser a mais alta jamais escalada até o topo. Nas últimas quatro décadas, apenas quatro expedições receberam permissão para tentar o feito. Nenhuma teve sucesso.

Voltei de lá impressionada. A viagem foi melhor do que eu podia imaginar quando decidi que queria ver de perto a tal FIB. Ainda me questiono se um país tão pequeno terá capacidade de se manter fiel aos princípios ESG e ao conceito de felicidade de sua população. Quão resilientes eles serão? Pessoalmente, vejo com muito respeito e admiração o trabalho realizado pelo Butão. Espero que o mundo possa tomar esse exemplo e aprender as lições oferecidas por esse pequeno, mas próspero território. Não tenho a pretensão de afirmar que o modelo butanês e a FIB são o futuro, mas acredito que só cresceremos quando as políticas públicas forem pautadas em princípios como esses. No Brasil e no mundo corporativo, ainda teremos de desconstruir muito, em termos de consciência, para poder evoluir.

*Betina Ferraz é diretora do Deutsche Bank

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