O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu na segunda-feira mandados de prisão contra o chefe do Estado-maior das Forças Armadas da Rússia, Valery Gerasimov, e o ex-ministro da Defesa Serguei Shoigu, que ocupava o cargo em fevereiro de 2022, durante o começo da invasão da Ucrânia. A Rússia reagiu afirmando que a determinação judicial faz parte de uma guerra híbrida contra Moscou.
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O tribunal com sede em Haia acusou Shoigu e Gerasimov de crimes de guerra, que consistem em direcionar ataques contra bens civis e em provocar danos excessivos à população civil. Também os acusou do crime contra Humanidade de "atos inumanos", em referência ao conflito em larga escala. Especificamente como crime de guerra, a corte mencionou o papel central dos dois generais em uma campanha de bombardeios contra centrais elétricas da Ucrânia durante o inverno, "ao menos de 10 de outubro de 2022 a 9 de março de 2023".
"Os danos civis incidentais esperados foram claramente excessivos em relação à vantagem militar prevista", pronunciou-se o tribunal em um comunicado nesta terça-feira, referindo-se aos ataques.
O Conselho de Segurança da Rússia classificou os mandados de prisão como "patéticos" exemplos da "guerra híbrida do Ocidente contra nosso país", de acordo com comentários divulgados pela agência de notícias Interfax, com base em Moscou. Já o Ministério das Relações Exteriores da Rússia, segundo a Interfax, afirmou que o TPI “não correspondeu às expectativas e não se tornou um órgão verdadeiramente independente de justiça internacional”.
Criado em 2002, o TPI tem competência para investigar e julgar indivíduos acusados de crimes de guerra, contra a Humanidade e genocídio e, em setembro do ano passado, abriu uma unidade em Kiev como parte dos esforços para responsabilizar as forças russas por possíveis crimes no país.
Ao contrário da Corte Internacional de Justiça (CIJ), também com sede em Haia e que se volta para casos contra Estados e governos, o tribunal aborda ações relativas a pessoas físicas. Mas, sem forças de segurança próprias para aplicar seus mandados de prisão, depende do sistema judicial dos 124 países membros para implementar suas decisões — em tese, qualquer pessoa que é objeto de uma ordem do tipo deveria ser detida em caso de viagem para o território de um Estado-membro.
A Rússia não reconhece a jurisdição do TPI sobre o seu território, a exemplo de países como EUA e Israel. Em termos práticos, isso significa que nem Gerasimov nem Shoigu podem ser presos enquanto estiverem em território russo. O próprio presidente Vladimir Putin é alvo de um mandado de prisão do TPI, em caso que cita a "deportação ilegal" de crianças ucranianas.
O líder russo já viajou para o exterior, incluindo Quirguistão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Coreia do Norte, que não são membros do TPI. Contudo, evitou comparecer a uma reunião do BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, membros originais) em Joanesburgo, onde o governo sul-africano teria sido obrigado a executar a decisão do tribunal internacional.
Além de Putin, o TPI também emitiu um mandado de detenção para Maria Lvova-Belova, comissária russa para a Infância, também pela suposta deportação de milhares de crianças ucranianas para a Rússia. Outras autoridades russas que são alvos de mandados de prisão do TPI são Sergei Kobylash, comandante da aviação estratégica, e Viktor Sokolov, comandante da frota no Mar Negro.
Apesar da eficácia limitada da medida, a emissão das novas ordens de prisão foram comemoradas pela Ucrânia. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que espera ver esses homens "atrás das grades".
— Essa decisão é um sinal claro de que a justiça pelos crimes russos contra os ucranianos é inevitável — afirmou Zelensky.
Em uma publicação nas redes sociais, o chefe de Gabinete de Zelensky, Andriy Yermak, afirmou que "Shoigu e Gerasimov têm responsabilidade individual. Essa é uma decisão importante. Todos serão responsabilizados pelo mal".
Gerasimov e Shoigu são considerados os arquitetos da invasão russa da Ucrânia. Aliados de longa-data de Putin, os dois foram colocados no cargo de ministro da Defesa ao longo do conflito e se envolveram em disputas com o então líder mercenário, Yevgeny Prigojin — que contestou a liderança de ambos. Quando iniciou um motim em junho de 2023, Prigojin citou nominalmente Shoigu como responsável pela revolta das tropas.
Os ambiciosos planos do comando militar russo de tomar Kiev em poucos dias, no início da guerra, falharam ao custo de dezenas de milhares de vidas de soldados, atolando as duas nações em uma guerra de desgaste.
Condenação de direitos humanos
Em outra corte, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), a Rússia foi considerada culpada de tortura, espancamento e inúmeras outras violações dos direitos humanos e de cidadãos ucranianos desde que ocupou a Crimeia, em 2014.
Houve 43 casos de desaparecimentos ou sequestros entre 2014 e 2018 e a realocação forçada de cerca de 12,5 mil prisioneiros da Crimeia para território russo, informou nesta terça-feira o tribunal com sede em Estrasburgo.
Na linha de frente da guerra na Ucrânia
Os maus-tratos que sofreram incluíram “prisões e detenções arbitrárias” e “tortura”. As vítimas “foram mantidas incomunicáveis, amarradas com os olhos vendados, espancadas” e eletrocutadas, afirmou o tribunal citando um relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
As alegações de irregularidades cometidas pela Rússia têm sido generalizadas desde que as suas tropas ocuparam a Crimeia pela primeira vez em 2014, mas o veredicto de terça-feira está entre as primeiras condenações de um tribunal internacional desde então.
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O TEDH também concluiu que houve uma “campanha sistêmica de expropriação e nacionalização em grande escala de propriedades pertencentes a civis e empresas privadas na Crimeia”.
O tribunal decidiu que a Rússia deve tomar medidas para garantir o regresso seguro à Crimeia dos prisioneiros transferidos para a Rússia. No entanto, esta e outras medidas ordenadas pelo tribunal permanecem essencialmente inexequíveis desde que a Rússia deixou o Conselho da Europa, pouco depois da invasão. (Com AFP, NYT e Bloomberg)