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Por , e , Em The New York Times — Corozo Pando, Venezuela

Um carro parou em frente a um modesto restaurante no estado de Guárico, na vasta savana da Venezuela. De trás do volante, o motorista gritou: "Vocês são aquelas que tiveram o negócio fechado pelo governo? Quero tirar uma foto com vocês!" Ao sair do carro, o homem aproximou-se de Corina Hernández, de 44 anos, uma das proprietárias do restaurante. Tirou uma selfie. "Estamos todos indignados", ele disse.

Hernández e a sua irmã Elys tornaram-se improváveis heroínas políticas populares no momento em que a Venezuela caminha para as eleições mais competitivas dos últimos anos. O motivo? Vender 14 quentinhas e um punhado de empanadas à principal figura da oposição do país. A resposta do governo veio poucas horas depois — uma ordem que obrigava as irmãs a fechar temporariamente seu negócio.

O caso foi amplamente compartilhado na internet, transformando as irmãs em um símbolo de desafio para os venezuelanos cansados dos líderes autoritários do país. (Desde então, as irmãs ganharam um grande número de seguidores nas redes sociais para além da Venezuela e rebatizaram seus quitutes como "empanadas da liberdade"). Mas o negócio das irmãs é apenas um dos vários que sentiram o braço forte do governo após oferecerem serviços cotidianos à principal opositora política do presidente Nicolás Maduro, María Corina Machado.

María Corina, uma ex-legisladora e crítica de longa data de Maduro, nem sequer é candidata, mas está capitalizando sua popularidade para fazer campanha ao lado e em nome do principal candidato presidencial da oposição. E onde quer que vá na campanha, as pessoas que a ajudam são perseguidas pelas autoridades.

Corina Hernández, à esquerda, e Nazareth, sua tia, fazem empanadas para dar às crianças da vizinhança durante uma queda de energia em seu restaurante em Corozo Pando. — Foto: Adriana Loureiro Fernández/The New York Times
Corina Hernández, à esquerda, e Nazareth, sua tia, fazem empanadas para dar às crianças da vizinhança durante uma queda de energia em seu restaurante em Corozo Pando. — Foto: Adriana Loureiro Fernández/The New York Times

Nas últimas semanas, entre os visados, contam-se seis operadores de equipamento de som que trabalhavam em um comício, um caminhoneiro que recolhia material para um evento de campanha em Caracas e quatro homens com canoas que asseguravam o transporte em um posto avançado venezuelano empobrecido.

Algumas pessoas foram detidas durante horas, disseram em entrevistas, arrastadas para o famoso centro de detenção conhecido como Helicoide. Outros tiveram equipamentos apreendidos e negócios fechados, privando-os de seu sustento.

— Nesses dias, não tínhamos nada para comer — disse o caminhoneiro Francisco Ecceso, referindo-se aos 47 dias em que o seu veículo ficou apreendido pela polícia.

Para as figuras da oposição e para os analistas que acompanham o declínio da democracia do país nos últimos anos, essas pequenas perseguições são sinais claros de que o governo está procurando novas formas de reprimir a oposição e de exibir seu poder. Seja qual for a motivação, há um consenso generalizado de que as eleições, marcadas para 28 de julho, representam o maior desafio eleitoral aos 11 anos de Maduro no poder.

Pela primeira vez em anos, a oposição está unida em torno de uma única figura — María Corina — que tem amplo apoio dos eleitores. Quando ela foi impedida pelo governo Maduro de concorrer, sua coalizão conseguiu colocar um substituto nas urnas, um antigo diplomata de fala mansa chamado Edmundo González.

As pesquisas mostram que a maioria dos venezuelanos planeja votar em González e que estão frustrados com a fome generalizada, a pobreza e os níveis crescentes de imigração, que obrigaram as famílias a se separar.

Maldição transformada em benção

As irmãs Hernández dirigem seu restaurante, Pancho Grill, na pequena cidade de Corozo Pando, a cinco horas de carro ao sul de Caracas, em uma das regiões mais pobres do país. Ao todo, são cinco irmãos Hernández — quatro irmãs e um irmão — e duas delas, Corina e Elys, cuidam do restaurante, juntamente com a sua tia Nazareth.

Na cidade, depois de uma crise econômica que começou por volta de 2015, as pessoas que antes tinham empregos decentes agora ganham a vida procurando sucata para vender, e as mães recorreram à caça de pequenos caititus e roedores semelhantes a porcos, conhecidos localmente como picures, para alimentar seus filhos.

O restaurante Pancho Grill em Corozo Pando, na Venezuela. — Foto: Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times
O restaurante Pancho Grill em Corozo Pando, na Venezuela. — Foto: Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times

A família Hernández dirige o Pancho Grill há 20 anos, vendendo quentinhas de carne de boi, ovos, feijão e bolos de milho chamados arepas para quem pode pagar. As empanadas, um alimento básico da dieta venezuelana, vêm fritas e crocantes, quentinhas da frigideira, recheadas com queijo, carne ou frango e servidas com uma porção generosa de molho de ají dulce — feito com a pimenta vermelha preferida do país — à parte.

Seu local de trabalho tem as cicatrizes da crise econômica: a cozinha está coberta de ferrugem por causa de uma infiltração no teto, os frigoríficos estão quebrados e os cortes de energia prolongados fazem com que as mulheres Hernández trabalhem muitas vezes às escuras.

No fim de maio, María Corina parou no Pancho Grill com sua equipe entre eventos de campanha, pagando a quentinha e posando para fotografias com a família Hernández. Mas a líder da oposição ainda mal tinha saído quando as irmãs receberam novas visitas: dois inspetores fiscais e um guarda nacional, que disseram que iriam fechar temporariamente o negócio. Segundo os funcionários, as irmãs não tinham contabilidade nem declaravam seus rendimentos, entre outras questões.

As irmãs não contestaram as acusações. Mas, em duas décadas de atividade, nunca tinham recebido uma visita da administração fiscal, afirmaram. E, numa região onde essas infrações são comuns, mais ninguém na cidade foi inspecionado nesse dia. A família Hernández foi informada de que o restaurante seria fechado por 15 dias.

Os representantes da agência fiscal não responderam a um e-mail pedindo comentários.

Inicialmente, as irmãs Hernández ficaram devastadas. Mas tinham filmado sua interação com os inspetores e enviaram o registro a uma de suas filhas. A jovem decidiu que também poderia compartilhar a experiência da família com alguns amigos. O vídeo viralizou rapidamente na internet e, pouco tempo depois, apoiadores indignados visitaram o restaurante como se fizessem uma peregrinação.

Corina Hernández do lado de fora do restaurante Poncho Grill. — Foto: Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times
Corina Hernández do lado de fora do restaurante Poncho Grill. — Foto: Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times

Os donativos apareceram à porta: especiarias para temperar os recheios das empanadas, um saco de 33 quilos de farinha de milho. Depois começaram a chegar fundos da Colômbia, Brasil, México e até da Alemanha. Muitas pessoas encomendaram empanadas, juntamente com instruções para que a família as distribuísse entre os habitantes locais necessitados.

Recentemente, no seu restaurante, Corina Hernández pensou que María Corina poderia ter sido enviada a eles pelo próprio Deus. A retaliação do governo tinha se tornado, paradoxalmente, uma bênção.

— As nossas vidas mudaram depois de María Corina ter chegado para comprar as nossas empanadas — disse a mulher. — Tudo melhorou.

Após o fim do prazo de 15 dias, as irmãs reabriram o restaurante e pagaram uma multa de US$ 350 (pouco mais de R$ 1,8 mil na cotação atual) com a ajuda dos seus novos apoiadores, disseram. Hernández contou que não votava desde 2006, quando depositou a cédula por Hugo Chávez, o antecessor de Maduro (escolhido a dedo por Chávez para suceder-lhe como presidente). Mas agora, ela explicou, a multa das autoridades fiscais a convenceu a comparecer em 28 de julho, dessa vez para votar na oposição.

'Não me arrependo'

Embora a família Hernández esteja de volta aos negócios, nem todos os que tiveram problemas com o governo tiveram a mesma sorte. Os seis operadores de som passaram horas na detenção, apavorados com a possibilidade de ficarem presos por anos, disse um deles em uma entrevista. No estado de Zulia, na fronteira com a Colômbia, os hotéis que hospedaram a equipe de María Corina têm agora placas de "fechado" fixadas nas portas.

Os empregados de um deles disseram que o estabelecimento perdeu muito dinheiro depois de ter sido forçado a cancelar as celebrações da Primeira Comunhão programadas para os seus dois restaurantes.

Família recebe empanadas no Pancho Grill em Corozo Pando, na Venezuela. — Foto: Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times
Família recebe empanadas no Pancho Grill em Corozo Pando, na Venezuela. — Foto: Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times

A cinco horas de carro ao sul do restaurante Pancho Grill, no estado de Apure, um barco de madeira que foi confiscado pelas autoridades está de cabeça para baixo numa praia junto a um posto de comando da guarda nacional.

Dias antes, María Corina tinha chegado à cidade de Puerto Páez, no estado. Organizadores locais tinham passado pelas ruas com megafones para anunciar sua presença, e os habitantes da cidade tinham amarrado balões amarelos em um caminhão, que mais tarde usou como palanque para se dirigir aos eleitores. As ruas ficaram lotadas de gente.

No dia seguinte, quatro barqueiros com canoas motorizadas concordaram em transportar María Corina e sua equipe para a sua próxima parada da campanha. Os barcos foram confiscados pouco depois, de acordo com entrevistas com três dos barqueiros, e a Guarda Nacional visitou mais tarde uma de suas casas. Ali, dois guardas disseram à mulher de um barqueiro que tinham vindo com "ordens dos chefes em Caracas" e tentaram prender seu marido.

Ele não estava em casa, porque tinha se escondido. Agora, os barqueiros andam de casa em casa, dormindo em um lugar diferente todas as noites.

Os representantes da Guarda Nacional não responderam a um e-mail solicitando comentários. Mas a esposa, que pediu para não ser identificada por medo de mais retaliações, disse que a decisão que o marido tomou de transportar María Corina foi a correta.

— Não me arrependo. Tenho fé em Deus que ela vai ganhar — disse a mulher sobre a opositora, que muitos eleitores reconhecem como a verdadeira força política por trás de González, acrescentando: — E que tudo vai mudar.

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