Ainda lutando contra os inimigos externos de Israel em múltiplas frentes, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu acordou nesta segunda-feira com um novo campo de batalha político em seu país.
A saída, neste fim de semana, de Benny Gantz e de seu partido centrista Unidade Nacional do governo de emergência de guerra não deverá afetar imediatamente o controle de Netanyahu sobre o poder — a coalizão governamental do premier ainda detém uma estreita maioria: 64 dos 120 assentos no Parlamento.
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Mas a ação de Gantz significa que Netanyahu está agora totalmente dependente de seus parceiros de coalizão de extrema direita e ultraortodoxos enquanto prossegue com a guerra na Faixa de Gaza frente à crescente pressão internacional, deixando-o cada vez mais isolado e exposto internamente e no estrangeiro.
Gantz e Gadi Eisenkot, outro poderoso membro da Unidade Nacional, também deixaram o pequeno Gabinete de guerra de Netanyahu. Ambos são antigos chefes militares que eram vistos como vozes importantes da moderação no órgão de cinco membros, formado em outubro, após o ataque liderado pelo Hamas a Israel ter motivado o bombardeio e a invasão terrestre israelenses em Gaza.
Os dois políticos centristas aumentaram a confiança do público no processo de tomada de decisões do governo em um momento de trauma nacional. Também conferiram ao Gabinete de guerra uma aura de legitimidade e consenso, enquanto Israel lutava contra o Hamas em Gaza, bem como contra o seu arqui-inimigo Irã e os grupos que financia, incluindo a poderosa milícia xiita libanesa Hezbollah, na fronteira norte de Israel com o Líbano.
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Gantz acusou Netanyahu de “procrastinação política”, sugerindo que ele adiava decisões estratégicas cruciais para garantir sua sobrevivência política. Sua decisão de abandonar o governo em tempos de guerra abre um novo período de instabilidade política e deixa muitos israelenses perguntando-se para onde vai o país a partir de agora.
Descrevendo o abalo político como “incrivelmente significante”, Yohanan Plesner, presidente do Instituto de Democracia de Israel, um grupo de investigação apartidário em Jerusalém, disse em uma declaração que os israelenses já tinham dado notas baixas ao governo em uma série de questões em tempos de guerra. Isso inclui a gestão dos combates e as relações com os Estados Unidos, o aliado crucial de Israel, explicou.
— Com a ausência de Gantz, acredito que essas notas se tornarão ainda mais baixas — disse Plesner.
Destino do Gabinete em xeque
Gantz tinha dado um ultimato há três semanas, avisando Netanyahu que desmantelaria o governo de emergência a menos que o premier apresentasse planos claros, incluindo quem substituiria o grupo terrorista Hamas no controle de Gaza no pós-guerra e como trazer de volta as dezenas de reféns ainda detidos no enclave palestino.
O ex-chefe militar entrou para o governo em outubro para promover um sentimento de unidade em um momento de crise. Uniu forças com o seu rival político, Netanyahu, apesar da profunda falta de confiança entre os dois e de um histórico de traições. A última vez que Gantz entrou em um governo com Netanyahu, em 2020, também terminou mal após Netanyahu romper o acordo de partilha de poder.
A influência de Gantz e Eisenkot, cujo filho, um soldado, foi morto em dezembro durante os combates em Gaza, diminuiu nos últimos meses, levando muitos israelenses a questionar por que não deixaram o governo de emergência e se juntaram à oposição mais cedo. No outono (Hemisfério Norte), Gantz havia pedido que fossem realizadas eleições antecipadas.
Os parceiros formais do premier que permanecem no Gabinete de guerra são seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, um rival do partido conservador Likud que Netanyahu tentou demitir no ano passado; e Ron Dermer, um assessor experiente de Netanyahu com mais experiência diplomática do que política. Não está claro se o Gabinete continuará funcionando.
Um Gabinete de segurança separado e mais amplo inclui dois líderes de partidos ultranacionalistas: Itamar Ben-Gvir, o ministro da Segurança Nacional, e Bezalel Smotrich, o ministro das Finanças. Ambos querem reassentar Gaza com israelenses.
Ben-Gvir e Smotrich prometeram derrubar o governo de Netanyahu caso ele avançasse com uma proposta israelense para um acordo envolvendo uma trégua e a troca de reféns por prisioneiros palestinos, o que, tal como foi delineado pelo presidente Joe Biden há mais de uma semana, iria efetivamente pôr fim à guerra.
Dois desafios: Hamas e ultraortodoxos
Pelo menos dois desafios potencialmente desestabilizadores pairam agora sobre o governo de Netanyahu, dizem os analistas. O primeiro é a perspetiva de um acordo com o Hamas. Autoridades israelenses e americanas dizem que estão à espera de uma resposta formal do grupo à proposta de trégua. Uma resposta positiva poderia forçar Netanyahu a escolher entre um acordo e a sobrevivência do seu governo.
O outro desafio é o profundo problema da isenção total do serviço militar concedida aos homens ultraortodoxos inscritos em seminários religiosos. Essas isenções são, há muito tempo, uma questão que divide a sociedade israelense, embora a tolerância para com essa política de décadas tenha se esgotado em um país onde a maioria dos jovens de 18 anos é convocada para anos de serviço militar obrigatório, e mais ainda durante esta guerra.
O mesmo grupo de reservista é repetidamente convocado para longos períodos de serviço em Gaza enquanto a campanha militar entra em seu nono mês sem um plano claro, disseram os especialistas.
Entre esta segunda e terça-feira, está previsto que o Parlamento israelense vote um projeto de lei sobre recrutamento que basicamente manteria intacto o sistema de isenção ultraortodoxo. Apesar de Netanyahu tentar apaziguar seus parceiros de coalizão ultraortodoxos, até mesmo alguns membros de seu partido conservador Likud — incluindo Gallant, o ministro da Defesa — se opõem, especialmente durante uma guerra em que o país precisa de mais soldados.
No caso do recrutamento, o premier encontra-se numa situação difícil, disse Plesner.
— Há um conflito inerente entre sua própria base política e sua mais preciosa aliança com os partidos ultraortodoxos — explicou.
Se for aprovado em primeira leitura, o projeto de lei irá para a comissão antes da segunda e terceira votações finais. Mas, mesmo que não passe, disse Plesner — ele próprio um antigo parlamentar de um partido de centro agora extinto —, isso não será necessariamente um presságio da dissolução do Parlamento ou do colapso do governo.
De olho nas eleições americanas
Os críticos de Netanyahu o acusam de prolongar a guerra para evitar eleições e um ajuste de contas público com o governo e os fracassos militares que levaram ao ataque de 7 de outubro. A partir do objetivo de guerra declarado por Netanyahu de “vitória absoluta” sobre o Hamas, que muitos especialistas dizem ser uma noção vaga e inatingível, Gantz disse no seu discurso de renúncia no domingo que uma “verdadeira vitória” combinaria o sucesso militar e a iniciativa diplomática.
— A verdadeira vitória [significa] mudar as prioridades nacionais, ampliar o círculo de ação e aqueles que servem, e assegurar que Israel é capaz de enfrentar os desafios que tem pela frente. Infelizmente, Netanyahu está nos impedindo de alcançar uma verdadeira vitória [em Gaza] — disse Gantz, em comunicado transmitido pela TV.
Em resposta, Netanyahu escreveu uma mensagem nas redes sociais dirigida a Gantz, dizendo: “Israel está numa guerra existencial em várias frentes. Benny, este não é o momento de abandonar a campanha — este é o momento de unir forças." Agora, disseram os analistas, é provável que Netanyahu se concentre principalmente em manter sua estreita coalizão unida em curto prazo.
A sessão de verão do Parlamento termina no fim de julho, e a Legislatura só voltará a se reunir após os Dias Sagrados Judaicos, no fim de outubro ou novembro.
— Netanyahu só tem uma coisa em mente — disse Gayil Talshir, uma cientista política da Universidade Hebraica de Jerusalém. — Manter seu próprio poder como primeiro-ministro.
Na visão de Talshir, "seu principal objetivo é arrastar essa coalizão até o outono” para que as próximas eleições israelenses só possam ter lugar depois das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Netanyahu, segundo ela, estaria provavelmente à espera de que Donald Trump, o candidato que ele entende como o mais simpático à sua causa, pudesse então ser eleito. Isso significaria que, se conseguir superar as próximas seis semanas, Netanyahu poderia viver para lutar mais um dia.