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Por — São Petersburgo

Diferentemente de Kiev, capital da Ucrânia, nas grandes cidades russas não soam alarmes noturnos, nem existem abrigos para proteção de ataques aéreos. Em São Petersburgo, segunda maior metrópole do país, onde vivem pouco mais de cinco milhões de pessoas, quase não se fala sobre a guerra com o país vizinho, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, quando o presidente Vladimir Putin ordenou a invasão. Se algum estrangeiro puxa conversa sobre o assunto, os termos usados pelos russos são os instalados na opinião pública pelo Kremlin: não se trata de uma guerra, mas de uma “operação militar especial”.

O conflito criou alguns problemas e limitações no dia a dia, entre elas a impossibilidade de utilizar cartões de crédito internacionais pelas sanções impostas contra o país. Mas, nas ruas, o clima é de normalidade: não se percebe tensão nem medo.

Vitrine econômica

Na última semana, a cidade foi sede do Fórum Econômico Internacional, evento que reúne empresários e representantes de governos estrangeiros de mais de 130 países, entre eles o Brasil. Nos corredores dos gigantescos pavilhões onde aconteceu o encontro, a cerca de 30 quilômetros do centro, circularam enviados dos países sócios da Rússia no Brics — grupo formado originalmente também por Brasil, Índia, China e África do Sul, e que recentemente incorporou Irã, Egito, Arábia Saudita, Etiópia e Emirados Árabes —, muitos asiáticos, africanos e latino-americanos, entre outros. Este ano, os convidados especiais foram Bolívia e Zimbábue. Os “inimigos do Ocidente”, expressão amplamente empregada pelos participantes, deixaram de prestigiar o encontro após a invasão da Ucrânia, assunto sobre o qual poucos fizeram referência em palestras.

Desde 2022, o megaevento é usado pelo governo Putin para transmitir a imagem de que a Rússia não apenas driblou as sanções a que foi submetida após a invasão, como mergulhou num período de prosperidade econômica e não está isolada. Em seu discurso na sexta-feira, o presidente assegurou que “se há 15 anos a pergunta era como conseguir um emprego na Rússia, hoje o problema é conseguir empregados”. Os números oficiais confirmam o cenário: atualmente, a taxa de desemprego está em 2,7%. O que o chefe de Estado não diz é que este percentual está relacionado, entre outros fatores, ao êxodo de jovens profissionais, que temiam ser recrutados para a guerra. Segundo estimativas, cerca de um milhão de russos emigraram nos últimos dois anos. A maioria mudou-se para países vizinhos como Armênia e Geórgia, no Cáucaso, e o Cazaquistão, na Ásia Central.

Foro Econômico Internacional de São Petersburgo — Foto: Janaína Figueiredo/O Globo
Foro Econômico Internacional de São Petersburgo — Foto: Janaína Figueiredo/O Globo

Durante pouco mais de uma hora, Putin enumerou iniciativas econômicas de seu governo, defendeu a necessidade de ampliar investimentos no setor produtivo, a conquista da “soberania tecnológica” e, no único momento em que fez referência ao conflito com a Ucrânia, agradeceu o apoio da sociedade “à operação especial” no país vizinho.

— O turismo é um dos setores de nossa economia que cresceu, já chegamos a 140 milhões de turistas por ano — disse o presidente, que acaba de iniciar seu quinto mandato e — segundo pesquisas divulgadas no país, entre elas a realizada pelo instituto Levada, considerado o de maior credibilidade — tem mais de 80% de aprovação.

Restaurantes lotados

Assim como no fórum, em São Petersburgo não existe clima de guerra. Na cidade, os restaurantes ficam lotados à noite — sobretudo os mais luxuosos —, a vida cultural é intensa e é possível ver turistas nas ruas, sobretudo russos de outras regiões e asiáticos. A forte aliança entre Rússia e China, chave para entender o crescimento do país, permite, por exemplo, que chineses possam usar seus cartões de crédito. Já americanos, europeus e latino-americanos devem pagar as despesas apenas com dinheiro em espécie ou pedindo ajuda a algum russo que possa emprestar o cartão local. A medida é consequência do regime de sanções, que afeta bancos e o sistema internacional de pagamentos.

Para os russos, as sanções implicaram menos acesso a importados, impossibilidade de sacar dólares e dificuldades para viajar. Mas os problemas foram normalizados.

— Levamos a vida de sempre. Sou estudante de Economia e, na minha universidade, nada mudou. Acho que as discussões desencadeadas pela situação que se vive com a Ucrânia são interessantes — comenta Jania, estudante de 22 anos, em um inglês fluente.

Num país que cresceu 3,2% em 2023 e deve terminar este ano, segundo projeções, com variação positiva do PIB de cerca de 2,8%, o governo, que controla com mão de ferro a oposição e a imprensa, entre outras vozes críticas, encontrou caminhos para driblar as sanções aplicadas pelos EUA e pela União Europeia (UE), aliados do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Rede americana McDonalds continua funcionando sob outra marca, após ser comprada por empresário russo — Foto: Janaína Figueiredo / O Globo
Rede americana McDonalds continua funcionando sob outra marca, após ser comprada por empresário russo — Foto: Janaína Figueiredo / O Globo

Não há escassez de nenhum tipo e empresas russas compraram companhias de países considerados inimigos, entre elas a rede de fast food McDonald’s, que desde 2022 mudou de nome e agora chama-se, em tradução livre, Delicioso e Ponto Final. Seu dono é Alexander Govor, megaempresário que já operava 25 restaurantes da rede na região da Sibéria. No setor automobilístico, companhias chinesas compraram fábricas de montadoras estrangeiras como a Nissan. Os carros chineses estão por todo lado, confirmando que a aliança entre os dois sócios do Brics é cada vez mais sólida e estratégica.

No fórum, bancos chineses selaram acordos com sócios russos, e montadoras da China exibiram seus carros luxuosos. Durante três dias, empresas russas e de aliados interagiram num ambiente de otimismo, que pouco tem a ver com a guerra, que, aliás, foi um dos fatores que impulsionaram o crescimento. Há países envolvidos em conflitos bélicos que passam por períodos de expansão econômica. A incógnita, neste e em outros casos, é se o crescimento é sustentável.

Turismo interno

Em meio a incertezas, o comércio entre russos e países aliados passa por um bom momento. No caso do Brasil, lembrou o embaixador brasileiro no país, Rodrigo Baena Soares, as trocas entre os países ultrapassaram US$ 11 bilhões (R$ 58 bilhões) no ano passado. E as perspectivas para 2024 são ainda melhores.

— A partir dos dados do primeiro quadrimestre, acredito que teremos novo recorde na corrente de comércio e nosso intercâmbio bilateral ultrapassará US$ 12 bilhões (R$ 64 bilhões) — afirmou em um dos painéis do qual participou.

Clima nas ruas de São Petersburgo não remete a país em guerra — Foto: Janaína Figueiredo/O Globo
Clima nas ruas de São Petersburgo não remete a país em guerra — Foto: Janaína Figueiredo/O Globo

Na pauta bilateral, destacam-se os fertilizantes e o diesel russos, essenciais para o agronegócio brasileiro.

— Somos um fornecedor confiável e temos muito potencial para crescer — diz Andrey Guryev, diretor da Associação Russa de Produtores de Fertilizantes, que participou, junto a Soares, entre outros, de um encontro do Conselho Empresarial Brasil-Rússia.

Este ano, o fórum também atraiu empresas de segurança cibernética, grandes estatais russas como Gazprom (produtora e distribuidora de gás) e Rosatom (do setor de energia nuclear), bancos, companhias de drones, do setor da construção e até de produtos de beleza e redes de spa, como a Mayr Veda, que tem uma clínica de estética próxima ao Parque Nacional Kislovodsk.

— Com as sanções, o turismo interno aumentou de forma expressiva — diz a médica Natalia Edel, entusiasmada.

Enquanto a guerra continua matando soldados dos dois lados no front, a máquina de propaganda do governo russo está a todo vapor, e o foro de São Petersburgo é uma vitrine muito bem aproveitada por Putin. No poder há 24 anos, pelo que se ouve no país, ele tem força para muito mais.

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