Atualmente com 11 cadeiras no Parlamento Europeu e com a perspectiva de conquistar ainda mais espaço na política alemã e europeia após os resultados das eleições que terminam neste domingo, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) tem atraído cada vez mais atenção no cenário internacional. Seja com o aumento dos escândalos extremistas, seja por sua liderança nas pesquisas de opinião recentes para eleições estaduais, ou pelo crescimento do apoio entre jovens, o AfD já se tornou personagem central da política alemã há alguns anos.
Curd Knüpfer, professor de Ciência Política da Universidade Livre de Berlim, destaca alguns dos elementos centrais que explicam essa ascensão: movimentos globais, uma identificação “libertária” com o partido e o “oportunismo digital” da legenda, que soube cativar os jovens.
O senhor acredita que o sucesso do AfD nas redes sociais tem influência direta no número de eleitores em potencial que o partido deve alcançar?
Partidos mais novos foram mais rápidos em adotar ferramentas fornecidas pela esfera digital. O próprio nome do partido sugere que eles estão oferecendo uma alternativa ao establishment. Eles surgiram com o foco anti-União Europeia (UE), querendo romper com o consenso das outras legendas alemãs de que o bloco era algo bom. Isso rapidamente ganhou força quando ocorreu a chamada “crise dos refugiados”, e eles se opuseram à proposta de agir sobre o assunto. Vemos uma espécie de movimento duplo de posicionamento político e uma disposição para adotar um financiamento que está fora dessa esfera midiática pluralista orientada para o consenso.
O senhor diria que isso é um movimento global? Que esses populistas lidam melhor com esses novos formatos de mídia?
Acho que esse é o quebra-cabeça de nosso tempo. Quando as pessoas falavam sobre a proliferação das redes sociais, a maioria era bastante otimista em termos de teoria democrática. Achavam que isso tornaria a esfera pública mais pluralista e que haveria mais movimentos de baixo para cima. No início, tivemos esse impulso com movimentos como a Primavera Árabe, mas essas ações tendem a ser muito efêmeras e isoladas. Traduzir isso em processos institucionais, em que essa captura do sentimento do público on-line é transformada em mobilização dos partidos políticos é algo visto principalmente na direita. Não há muitos exemplos que tenham funcionado na esquerda ou no centro com o mesmo efeito. De qualquer forma, o apoio do AfD não é composto por essas pessoas que se sentem oprimidas. Embora falem isso, tendem a ser principalmente homens mais ricos e com um grau de instrução mais alto em geral, além de muito mais conservadores. Portanto, não é de se surpreender que aqueles que já têm poder também consigam aproveitar as ferramentas digitais.
![Evento de campanha da AfD na cidade alemã de Marl, no oeste da Alemanha — Foto: Ina Fassbender/AFP](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/v2HQrLi2eweV6nZIe5HnZ7vra6Q=/0x0:6993x4628/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/n/T/pJybYtQpm3yRb8gmYppw/107059628-co-leader-of-the-far-right-alternative-for-germany-afd-party-alice-weidel-speaks-on-the-st.jpg)
O senhor acredita que a onda de insatisfação global com o establishment fomentou na Alemanha a adesão ao AfD?
Há um padrão interessante de apoio ao AfD no Leste e no Oeste alemães. O AfD não é um fenômeno exclusivamente oriental, mas as alas mais radicais e mais bem-sucedidas que estão tirando pontos percentuais de outros partidos vêm do Leste. Não podemos dizer que isso esteja relacionado a “ser deixado para trás”, aos fatores culturais ou históricos que atuam nesses lugares, mas certamente vemos algum grau de descontentamento, níveis mais baixos de confiança e de satisfação com as estruturas democráticas. E, historicamente, quando pessoas mais privilegiadas têm algo a perder e se tornam politicamente insatisfeitas, tendem a se voltar para políticas mais radicais de direita e para o desmantelamento da democracia.
Isso se reflete no apoio crescente de jovens ao partido?
Há algum elemento disso, mas também há um movimento global em que as pessoas estão ficando cada vez mais isoladas na sociedade e em que os jovens não conseguem mais entender o mundo onde estão. A política do AfD é muito restritiva e autoritária, mas eles têm essa ênfase libertária em reivindicar: “Quero poder dizer e comer o que quiser. Não quero me sentir mal em relação ao meu patrimônio ou à culpa alemã, ao Holocausto. Esse partido está me fazendo sentir bem em relação a isso”. É uma ideologia atraente, principalmente para os jovens, e nesse sentido as redes sociais são essenciais. O fato de terem conseguido criar um sistema entre plataformas que enfatizam a mesma mensagem ao mesmo tempo é uma ferramenta de recrutamento bastante eficaz.
O senhor publicou um artigo que analisa o discurso do AfD e de perfis de extrema direita sobre mudanças climáticas. Quais foram os resultados?
Era claro que esses blogs alemães, com formato de mídia alternativa com poucos recursos, se correlacionavam muito com o que o AfD estava dizendo. Essas pessoas focaram em nichos para encontrar uma maneira de atrair outras que pensam diferente do que estava sendo oferecido pelas mídias tradicionais. E o partido, de forma muito oportunista, vê o que ganha força e retoma os tópicos. Então percebemos que, de repente, houve uma mudança de tema. Ainda falavam sobre imigração, mas também sobre como “moinhos de vento matam pássaros” ou como as crianças estavam “fingindo se preocupar com o clima para se livrar da escola”. Há uma sobreposição e um tipo de movimento paralelo. Mas também o momento estratégico do AfD monitorando suas mídias digitais e adotando o tipo de mensagem dessas redes. É um oportunismo digital.
Por que esse movimento acontece geralmente na direita?
Parte da explicação também está no fato de que essa “direita” faz uma simplificação grosseira de temas muito complicados. Esses políticos e partidos oferecem um argumento mais simples, que cria uma resposta bem mais afetiva do que uma explicação com nuances complexas sobre problemas multicausais. Eles não são tão espertos quanto se pode pensar. Sei que pessoas como [Donald] Trump e [Jair] Bolsonaro não estão realmente sentados fazendo esquemas, mas pegando tópicos sobre os quais as pessoas se importam e dizendo: “Sim, eu falo por vocês.”
O que o AfD pode conquistar nas eleições para o Parlamento Europeu?
Eles provavelmente aumentarão sua quantidade de assentos. É realmente difícil prever, porque não se sabe qual será o comparecimento. Nas eleições anteriores, o AfD inicialmente fez uma campanha voltada para o sentimento anti-UE, mas isso não foi muito popular. Então, passaram a se concentrar nessa guerra cultural contra as mudanças climáticas e contra Os Verdes (partido alemão). E acho que isso funcionou até certo ponto. Esse processo libertário, que o partido alimenta, anda de mãos dadas com a ideia de “não deixar que a UE lhe diga o que fazer”. Desta vez, eles estão atirando para todos os lados e tentando capturar uma espécie de voto de protesto. Além disso, para terem impacto em Bruxelas, é muito importante que formem coalizões. E agora há um racha entre alguns partidos da extrema direita, com uma fissura entre Marine Le Pen, líder do Reagrupamento Nacional na França, e Maximilian Krah, parlamentar do AfD [que sugeriu que nem todos os oficiais da Alemanha nazista deveriam ser considerados criminosos].
Quais são suas expectativas para essas coalizões e para a atuação da extrema direita a nível europeu?
Muitos desses partidos têm as mesmas vantagens em seus países, mas não acho que isso funcione tão bem em nível transnacional. Eles costumam observar e aprender uns com os outros, mas a maioria é muito nacionalista. E isso acaba colocando-as em desvantagem quando se trata de formar coalizões. Isso dificulta que sejam eficazes politicamente, e é parte do dilema também para o AfD, onde eles têm que construir efetivamente um partido em nível federal, mas vemos diferenças surgindo entre os estados. Regularmente, quando se reúnem para sua espécie de convenção federal, tudo acaba em caos, gritaria e brigas, porque não se entendem. Ao longo do tempo, vemos que quando essas formações chegam ao poder, tendem a se unir em torno da entidade que detém o poder. A pergunta é sempre: “O que acontecerá se esse tipo de líder carismático desaparecer?”. E, no caso do AfD, eles ainda não têm esse líder definido. E então a pergunta é: “Quando encontrarem essa pessoa do topo, o que acontecerá?”