O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou neste domingo os ataques de Israel na Faixa de Gaza , que classificou como 'genocídio', às mortes no Holocausto , com o extermínio de judeus pelo governo nazista de Adolf Hitler na Alemanha.
— O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus — afirmou Lula.
As declarações foram feitas durante entrevista a jornalistas no hotel em que Lula está hospedado em Adis Abeba, a capital da Etiópia. O presidente, que retorna hoje ao Brasil, foi convidado para discursar, no último sábado, na sessão de abertura da cúpula da União Africana. Ele também teve reuniões bilaterais com líderes do continente e com o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammad Shtayyeh. No encontro, ele criticou tanto Israel quanto o Hamas.
A Confederação Israelita do Brasil (Conib) repudiou as declarações de Lula. Para o Conib, trata-se de "distorção perversa da realidade" que "ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes". Procurado pelo GLOBO, o Itamaraty não comentou.
O presidente fez a declaração comparando o desastre humanitário em Gaza com o Holocausto no momento em que criticava países ricos que suspenderam o financiamento à agência da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA, na sigla em inglês), após a denúncia do governo israelense de que funcionários do órgão haviam participado do ataque terrorista do Hamas a Israel em outubro do ano passado. No fim de janeiro, oito países — Austrália, Reino Unido, Canadá, Itália, Suíça, Holanda, Alemanha e Finlândia — se juntaram aos Estados Unidos na suspensão temporária do financiamento em um momento em que a falta de recursos aumenta no enclave. A UNRWA, por sua vez, anunciou que iria iniciar uma investigação e afastou "vários" acusados.
— Quando eu vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar contribuição para a questão humanitária aos palestinos, fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente e qual o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio. Não é uma guerra entre soldados. É uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e crianças. Se teve algum erro nessa instituição que recolhe dinheiro, apura-se quem errou, mas não suspenda a ajuda humanitária para um povo que está há décadas tentando construir o seu Estado — afirmou Lula, na coletiva de imprensa na Etiópia.
Lula anunciou também que o Brasil fará um "novo aporte de recursos" para a UNRWA, mas não detalhou valores:
— Não posso dizer quanto porque não é o presidente que decide, preciso ver quem dentro do governo cuida disso para saber quanto vai dar, mas também vamos defender na ONU a definição de um Estado palestino reconhecido definitivamente como pleno e soberano. É preciso parar de ser pequeno quando a gente tem que ser grande — afirmou.
No sábado, Lula afirmou em seu discurso na 37ª Cúpula da União Africana, que o momento é "propício" para se resgatar tradições humanistas e que isso, frisou, implica condenar as agressões dos dois lados no conflito entre Israel e Hamas. Lula também defendeu que o fim da guerra no Oriente Médio passa pela criação de um Estado Palestino "livre e soberano":
— Ser humanista hoje implica condenar os ataques perpetrados pelo Hamas contra civis israelenses e demandar a libertação imediata de todos os reféns. Ser humanista impõe igualmente o rechaço à resposta desproporcional de Israel, que vitimou quase 30 mil palestinos em Gaza, em sua ampla maioria, mulheres e crianças, e provocou o deslocamento forçado de mais de 80% da população. A solução para essa crise só será duradoura se avançarmos rapidamente na criação de um Estado Palestino livre e soberano, reconhecido como membro pleno das Nações Unidas.
Lula comenta morte de Navalny
O presidente também comentou a morte de Alexei Navalny, principal opositor do presidente russo Vladimir Putin, que morreu aos 47 anos na prisão. Lula afirmou que é preciso aguardar a investigação para saber a causa da morte antes de se manifestar. Segundo o Serviço Penitenciário Federal russo, Navalny morreu na última sexta-feira após sentir-se "mal em uma caminhada, perdendo quase imediatamente a consciência”. A família de Navalny tenta receber os restos mortais, mas sem sucesso. Neste sábado, autoridades russas afirmaram que ainda era preciso 'fazer mais exames'.
— Eu acho que, por uma questão de bom senso (não havia me pronunciado). Se a morte está sob suspeita, você tem que primeiro fazer uma investigação para saber do que o cidadão morreu. Vamos acreditar que os médicos legistas vão dizer: o cara morreu disso ou daquilo, para você poder fazer um pré-julgamento. Porque se não você julga agora que foi alguém que mandou matar e não foi, depois você vai pedir desculpas — afirmou Lula, questionado sobre o motivo pelo qual o governo brasileiro não havia se manifestado sobre a morte de Navalny.
O presidente afirmou que não se pode ter pressa para acusar pessoas e comparou o caso com a morte da vereadora Marielle Franco, executada em 2018 no Rio de Janeiro, sem que até agora se saiba oficialmente o mandante do crime, investigado pela Polícia Federal. Em conversa com jornalistas na Etiópia, Lula afirmou ainda que se antecipar à causa da morte seria "banalizar uma acusação".
— Ou é banalizar uma acusação. Eu até compreendo os interesses de quem acusa imediatamente, ‘foi fulano’, mas não é o meu mote. Espero que o legista que vai fazer o exame indique do que o cidadão morreu – disse o presidente.