Donald Trump compareceu, nesta terça-feira de manhã, ao tribunal federal de recursos em Washington, que analisará o seu pedido de imunidade penal enquanto ex-presidente. Neste processo, o republicano é acusado de tentar permanecer no poder depois ter sido derrotado nacionalmente pelo democrata e atual presidente Joe Biden, nas eleições de 2020, e pelo ataque ao Capitólio — que completou um ano no sábado, último dia 6. A audiência foi suspensa e a decisão foi reservada para outro dia.
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Com 77 anos, o grande favorito nas primárias republicanas para as eleições presidenciais de novembro chegou num cortejo de carros pretos, no edifício que fica a poucos quarteirões do Congresso americano. O assessor militar Walt Nauta, réu junto com Trump no caso sobre a retirada de documentos sigilosos da Casa Branca ao fim do seu mantado, também esteve presente durante o julgamento.
Três juízas compuseram o painel: Michelle Childs, Florence I. Pan, ambas nomeadas pelo democrata Biden, e Karen L. Henderson, nomeada pelo antigo presidente republicano George H.W. Bush. Trump precisa que pelo menos uma delas seja convencida para que a corte seja favorável à sua tese, segundo a BBC. O Departamento de Justiça foi representado por James Pearce.
A audiência durou cerca de 1h15 — sem quaisquer comentários do ex-presidente, que ouviu calmamente os argumentos. O advogado de defesa de Trump, John Sauer, e o procurador especial federal do caso, Jack Smith, apresentaram à corte federal seus argumentos sobre as alegações de imunidade. Na acusação apresentada pelo promotor em 1º de agosto de 2023, são analisadas as várias maneiras pelas quais o republicano procurou permanecer no poder apesar de perder o pleito para Biden, culminando no ataque sem precedentes ao Capitólio por uma multidão de apoiadores.
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Smith tem tentado manter a data de início do julgamento de Trump para o dia 4 de março, em Washington, enquanto os advogados do antigo presidente têm tentado repetidamente adiá-lo para depois das eleições, marcadas para novembro deste ano.
A defesa do republicano tem argumentado que permitir a responsabilização criminal de um presidente por atos cometidos no cargo violaria o princípio da separação de poderes e "restringiria o exercício do julgamento executivo do presidente por meio de ameaças de processo criminal". Na audiência, Sauer reforçou o pedido pelo arquivamento do processo, já que seu cliente seria imune às ações criminais por atos praticados enquanto estava na Presidência. Pearce rejeitou a alegação.
Sauer também disse aos juízes que um presidente só pode ser processado por atos praticados durante a sua permanência na Casa Branca se tiver sido alvo de um processo de impugnação e condenado pelo Congresso. Trump foi impugnado duas vezes pela Câmara dos Deputados, controlada pelos democratas, durante o seu mandato, mas absolvido ambas as vezes pelos republicanos no Senado.
— Autorizar a acusação de um presidente pelos seus atos oficiais abriria uma caixa de Pandora da qual esta nação nunca poderá recuperar — disse Sauer.
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Outra questão que surgiu foi sobre o que era classificado como um ato oficial de um presidente, em oposição a uma ação privada que não estava ligada às suas responsabilidades constitucionais — a Suprema Corte considera que os presidentes podem ser processados por seus atos pessoais. Em seus processos judiciais, a equipe de Trump procurou redesenhar as acusações não apenas como ações oficiais, mas inócuas ou mesmo admiráveis.
Os atos do republicano citados na acusação incluem o uso de fraude para organizar listas falsas de eleitores e tentar fazer com que as autoridades estaduais subvertessem os resultados eleitorais; tentar fazer com que o Departamento de Justiça e o vice-presidente Mike Pence ajudassem a alterar os resultados; dirigir os seus apoiadores ao Capitólio e explorar a violência e o caos do motim que se seguiu.
"Todos os cinco tipos de conduta alegados na acusação constituem atos oficiais", escreveu a defesa. "Todos eles refletem os esforços e deveres do presidente Trump, diretamente como chefe do executivo dos Estados Unidos, para advogar e defender a integridade da eleição federal, de acordo com sua visão de que ela foi manchada por fraude e irregularidade."
O painel mostrou ceticismo e fez perguntas difíceis ao advogado de Trump sobre os argumentos de imunidade. Apesar disso, Henderson parecia uma das mais suscetíveis ao argumento da defesa do republicano, manifestando preocupação com a possibilidade de abrir as "comportas" de ex-presidentes serem rotineiramente processados no futuro. Pearce também foi pressionado, mas as perguntas não foram tão agressivas.
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'Caixa de Pandora'
Esta é a primeira vez que a questão sobre a possibilidade de "imunidade absoluta" de um presidente americano é posta sobre a mesa. Seu ritmo e resultado serão fundamentais para decidir quando — ou mesmo se — Trump irá a julgamento no caso de interferência eleitoral, além de representar uma grande questão para o sistema americano. Como nenhum ex-presidente foi processado antes, há poucos precedentes diretos sobre a questão geral de saber se esses líderes têm imunidade penal pelos seus atos oficiais.
A resposta dada pela corte federal também impactará no caso da Geórgia e nos outros dois julgamentos criminais que o magnata enfrentará nos próximos meses. Por isso, as partes concordaram em decidir o mérito logo, em vez de esperar outros julgamentos. No estado, o republicano também é acusado criminalmente de interferência eleitoral na contagem de votos, e seus advogados seguem uma reivindicação similar neste processo.
Após a audiência, o ex-presidente falou à imprensa. Trump seguiu na sua lógica de defesa, argumentando que, "como presidente é preciso ter imunidade".
— Não se pode ter um presidente sem imunidade. Você tem que ter. Como presidente, você tem que ser capaz de fazer o seu trabalho. — disse, citado pela CNN.
O republicano também alertou que processar um ex-presidente corre o risco de causar o "caos" nos Estados Unidos e que tal ação "abrirá a caixa de Pandora".
— O país ficará um caos — acrescentou.
O que diz a Suprema Corte?
O Supremo Tribunal decidiu que os presidentes são absolutamente imunes a processos civis relacionados com os seus atos oficiais, em parte para protegê-los contra o assédio incessante e o escrutínio judicial das suas decisões quotidianas. O tribunal também considerou que os presidentes podem ser processados pelos seus atos pessoais.
Contudo, a Suprema Corte considerou que, embora os líderes estejam por vezes imunes à intimações judiciais que solicitem informações internas do poder Executivo, esse privilégio não é absoluto. Mesmo os presidentes, decidiu o tribunal, podem ser forçados a obedecer a uma intimação num processo criminal se a necessidade de informação for suficientemente grande.
Até o caso de Trump, a corte nunca teve motivos para decidir se ex-presidentes estão protegidos de serem processados por atos oficiais. Há muito, o Departamento de Justiça defende que os líderes em exercício estão temporariamente imunes à ações judiciais porque as acusações criminais os distrairiam das suas funções constitucionais. Nesse caso, a tentativa de Trump de reivindicar imunidade total é vista como um modo de solicitar as proteções da presidência, apesar de já não estar em funções.
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O mais próximo que o país esteve da acusação de um ex-presidente por atos oficiais foi em 1974, quando Richard M. Nixon renunciou para evitar ser acusado pelo escândalo Watergate. Mas, um perdão do seu sucessor, o presidente Gerald Ford, protegeu Nixon da acusação do procurador especial do caso.
A equipe de Smith, promotor do caso, argumentou que o perdão de Ford — e a aceitação de Nixon — demonstra que ambos compreenderam que Nixon não estava imune. Os advogados de Trump tentaram contornar o argumento, afirmando que Nixon enfrentou potenciais acusações criminais por ações privadas, como fraude fiscal. Mas, o procurador especial ponderou acusar Nixon de abusar do seu cargo para obstruir a Justiça.
O advogado de Trump alegou ainda que, ao negar as suas queixas, arriscava-se a desencadear uma prática rotineira de acusar antigos presidentes por razões partidárias.
— A noção de que a imunidade criminal para um presidente não existe é uma decisão chocante — disse Sauer. — Isso autorizaria, por exemplo, a acusação do presidente Biden no Distrito Ocidental do Texas depois que ele deixasse o cargo por má administração da fronteira.
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Smith então disse que, se os tribunais aprovarem a teoria de Trump, os futuros presidentes, confiantes de que sobreviverão à impugnação, poderão, impunemente, cometer uma série de crimes relacionados com as suas ações oficiais.
"Tal resultado prejudicaria gravemente o interesse público no Estado de direito e na responsabilização criminal", escreveram os procuradores.
O advogado especial, em dezembro, pediu ao Supremo Tribunal dos EUA — de maioria conservadora de 6 a 3 — que aceitasse o pedido de imunidade numa base expedita, ignorando o tribunal federal de recursos, o que foi recusado. O processo deve avançar para um tribunal de recurso e muito provavelmente voltará ao Supremo Tribunal nos próximos meses.
Na semana passada, a Suprema Corte concordou em ouvir o recurso do republicano de uma decisão do tribunal superior do Colorado que o manteria fora das eleições primárias presidenciais no estado ocidental.
'Não está acima da lei'
A juíza distrital dos EUA, Tanya Chutkan, que vai presidir ao julgamento de Trump, rejeitou o seu pedido de imunidade no mês passado e os juízes que ouviram o recurso do ex-presidente na terça-feira também pareceram não estar convencidos com o argumento.
— Penso que é paradoxal dizer que o seu dever constitucional de 'cuidar para que as leis sejam fielmente executadas' lhe permite violar leis criminais — disse Henderson.
Já a juíza Florence Pan perguntou a Sauer se um presidente poderia ser processado criminalmente por ter ordenado o assassinato de um rival político pelas forças especiais da Navy SEAL. O advogado de defesa insistiu que, mesmo neste caso, o presidente só poderia ser processado se fosse objeto de um processo de impeachment e condenado pelo Congresso.
Pearce classificou a fala de Saur como uma perspectiva "extraordinariamente assustadora" e disse que permitiria a um presidente demitir-se antes de ser destituído e escapar ao castigo. Reagindo contra o pedido de imunidade, o advogado do Departamento de Justiça disse que a conduta de Trump não tem precedentes.
— Nunca antes houve alegações de que um presidente em exercício tem com indivíduos privados e usando as alavancas do poder procurou subverter fundamentalmente a república democrática e o sistema eleitoral — disse Pearce, acrescentando: — O presidente tem um papel constitucional único, mas não está acima da lei.
Ganhar o recurso sobre a questão da imunidade é apenas um dos objetivos de Trump. Ele também espera que o conflito possa consumir tempo suficiente para adiar o julgamento das eleições — agora marcado para o início de março — para depois do dia das eleições.
Além disso, sua presença na audiência, a a poucos dias do início das primárias presidenciais republicanas no Iowa - sublinhou o seu objetivo de tornar a sua luta contra os múltiplos processos criminais parte da sua campanha política. Se voltar a ocupar a Casa Branca, poderá ordenar a retirada das acusações contra si ou tentar perdoar-se a si próprio.(Com AFP e NYT)