Manifestantes sérvios — que alegam "fraude eleitoral" durante as eleições parlamentares e locais realizadas no último dia 17 — realizaram um bloqueio em uma rua no centro de Belgrado, onde está localizado o Ministério da Administração Pública e a Câmara Municipal, nesta segunda-feira. Apesar do presidente Aleksandar Vucic ter afirmado que ganhou com uma maioria esmagadora, observadores internacionais relatam "irregularidades" no processo. Por isso, centenas de estudantes e outras categorias apoiam o clamor da oposição, iniciado no dia 18 de dezembro, que pede a revisão dos resultados.
— Nasci em 2002 e pensei que não haveria necessidade, como fizeram os meus pais, de lutar pela democracia nas ruas. Mas eu preciso. — afirmou Emilija Milenkovic, 21 anos, estudante de política.
A medida soma-se a outros protestos, com o último incendiando a capital: as janelas da Câmara Municipal foram quebradas durante uma tentativa de invasão, no domingo, e a polícia usou gás lacrimogêneo para dispersá-los.
Durante o protesto, os manifestantes utilizaram pedaços de madeira, pedras e ovos para partir as janelas do edifício administrativo, mas foram rapidamente repelidos pela polícia, que estava munida de escudos e estava estacionada na entrada principal do edifício municipal, segundo os repórteres da AFP.
Por volta das 22h (16h no horário de Brasília), a polícia dispersou a multidão, empurrando-a para trás. Pelo menos 35 pessoas foram presas e oito policiais ficaram feridos, de acordo com o chefe do Departamento de Polícia do Ministério do Interior, Ivica Ivkovic.
— Os detidos são suspeitos de tentar alterar violentamente a ordem constitucional e de comportamento violento numa reunião pública, de acordo com o Código Penal da República da Sérvia — afirmou Ivkovic, citado pela BBC.
A Sérvia realizou eleições legislativas e autárquicas no dia 17 de dezembro, nas quais o partido do presidente Vucic, o Partido Progressista Sérvio (SNS), de centro-direita, afirmou ter obtido uma vitória esmagadora. Mas, uma equipe de observadores internacionais — incluindo representantes da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) — relatou "irregularidades", incluindo "compra de votos" e "manipulação de urnas".
Vucic, presidente desde 2017 e reeleito em 2022, é um dos protagonistas na vida política do país na última década (já foi presidente, primeiro-ministro e vice-premier) e se apresentou como o único capaz de liderar a nação em tempos turbulentos na região. Ele já foi acusado por seus rivais de adotar uma postura autoritária no cargo e de usar a máquina do governo para impulsionar seu eleitorado.
No domingo, o presidente afirmou que o Estado "será capaz" de prender e levar à justiça os responsáveis pelos incidentes em frente à Câmara Municipal.
— As cenas são dramáticas, porque não estamos habituados com alguém que quebre as janelas — disse Vucic à Pink TV, uma estação de televisão pró-governo, em um discurso especial, segundo a agência noticiosa Beta. — Mas, não está ocorrendo nenhuma revolução e eles não serão vitoriosos.
Em comunicado, o Ministério do Interior da Sérvia exortou os manifestantes a absterem-se de atos de violência. A pasta acrescentou que, antes das eleições, a polícia alertou os representantes do principal campo da oposição de que tinha informações de que estavam sendo planejadas manifestações violentas e invasões de edifícios institucionais.
A polícia acrescentou que, nessa altura, os líderes da oposição tinham "garantido que tais eventos não iriam acontecer", afirmou o texto.
As alegações de fraude provocaram protestos em frente ao edifício da comissão eleitoral da Sérvia. Os sete membros do principal campo da oposição, unidos sob a bandeira "Sérvia contra a Violência", entraram em greve de fome por causa dos resultados e exigiam sua anulação. Marinika Tepic, uma das manifestantes, afirmou à AFP que a greve "tinha de ser feita para as autoridades nacionais e internacionais".
Rússia culpa ocidente
A primeira-ministra Ana Brnabic disse à uma estação de televisão local no domingo que o cenário era conhecido antecipadamente e agradeceu às agências de segurança russas “que tinham informações que partilharam conosco”.
Na manhã de segunda-feira, Vucic encontrou-se com o embaixador russo em Belgrado, Alexander Botsan-Kharchenko, e informou-o sobre os incidentes de domingo. Pouco antes, a Rússia havia denunciado o que dizia ser uma interferência ocidental.
“As tentativas coletivas do Ocidente para desestabilizar a situação no país são óbvias”, disse a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, à agência de notícias estatal RIA Novosti.
Um deputado da coligação de oposição "Sérvia contra a Violência", Radomir Lazovic retrucou:
— Sempre todos os outros são culpados, exceto o governo.
Lazovic disse que foi espancado pela polícia durante os confrontos de domingo à noite. Ainda é possível que a crise termine “se admitirem a fraude e cancelarem as eleições”, disse à AFP.
Vários países ocidentais expressaram preocupação com as irregularidades denunciadas. A Alemanha classificou as alegações de "inaceitáveis" para um país que pretende aderir à União Europeia (UE).
Os Estados Unidos apelaram a Belgrado para que respondesse às "preocupações" dos observadores eleitorais, enquanto a UE afirmou que o "processo eleitoral da Sérvia requer melhorias tangíveis e mais reformas".
No sábado, os procuradores sérvios pediram à polícia que investigasse as alegações de fraude. A polícia sérvia disse no domingo passado que um total de 344 queixas tinham sido apresentadas no dia das eleições — menos do que durante a última votação — e que os procuradores tinham encontrado elementos de "atos criminosos" em 18 casos.
Migrantes eleitorais
Os observadores internacionais sublinharam as alegações de que "os eleitores que vivem no estrangeiro estão a ser organizados e transportados pelo partido no poder para votar nas eleições locais em Belgrado".
Tepic acusou Vucic de supervisionar este esquema:
— Penso que [a Sérvia]é o único país do mundo com um fenómeno de migrantes eleitorais.
Vucic negou as acusações, nomeadamente no que se refere aos eleitores que vieram da vizinha Bósnia para votar.
— Defenderemos a vontade eleitoral do povo e não há dúvidas quanto a isso —afirmou. (Com AFP)