O candidato de extrema direita Javier Milei, que surpreendeu ao vencer as primárias argentinas no fim de semana, rejeitou manter relações com os líderes de esquerda que comandam as principais economias da América Latina: os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; do México, Andrés Manuel López Obrador; do Chile, Gabriel Boric; e da Colômbia, Gustavo Petro.
— Não tenho parceiros socialistas — afirmou à Bloomberg News na quarta-feira.
- Milei quer Argentina fora do Mercosul e rejeita China: 'Você faria comércio com um assassino'?
- À Bloomberg: Milei apresenta responsável por fechar Banco Central argentino e propõe modelo de El Salvador para dolarização
Na entrevista, em que descreveu sua relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro como "excelente", Milei também afirmou que quer retirar a Argentina — a segunda maior economia da América do Sul — do Mercosul, grupo também formado por Brasil, Paraguai, Uruguai e que tem a Venezuela como membro suspenso.
A aliança comercial, formada há mais de três décadas, tem tentado implementar um acordo de livre comércio com a União Europeia fechado há quatro anos.
— O Mercosul é uma união aduaneira de má qualidade que cria distorções comerciais e prejudica seus membros — afirmou.
- Bolsonaro e Milei: veja semelhanças e diferenças entre os dois líderes da extrema direita
Sem surpresa, Milei criticou igualmente o venezuelano Nicolás Maduro, a quem chamou de “ditador”, bem como os governos da Nicarágua, Cuba, Coreia do Norte e Rússia.
Milei afirmou que a Argentina condenaria novamente a Venezuela pela violação dos direitos humanos se for escolhido presidente, voltando à política linha-dura que o país manteve até 2019 com o presidente Mauricio Macri.
China 'assassina'
Ao detalhar sua ampla rejeição a fazer qualquer negócio com "socialistas", Milei também colocou a China na mesma categoria do maior parceiro comercial da Argentina, o Brasil. A China é o segundo maior comprador de exportações argentinas e fornece uma linha de swap crucial de US$ 18 bilhões com o Banco Central que é usada para pagar o Fundo Monetário Internacional.
— As pessoas não são livres na China, não podem fazer o que querem e, quando o fazem, são mortas — disse, referindo-se ao governo de Pequim. – Você faria comércio com um assassino? — indagou.
O Partido Comunista do presidente Xi Jinping normalmente silencia os dissidentes com longas sentenças de prisão e foi acusado de deter mais de 1 milhão de pessoas, a maioria uigures, em campos na região de Xinjiang. Os EUA classificaram essa campanha de genocídio, enquanto Pequim chama as instalações de centros de treinamento vocacional.
A China também foi acusada de sequestrar um punhado de pessoas de territórios ultramarinos, incluindo a Tailândia, mas, ao contrário da Rússia, não enfrentou acusações críveis de assassinatos.
Milei descreveu suas propostas de política externa como uma “luta global contra socialistas e estatistas” e revelou que nomearia Diana Mondino, uma conselheira econômica de confiança, para ser sua principal diplomata. Ela é ex-diretora da Standard & Poor's para a Argentina e concorre ao Congresso.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil não comentou imediatamente as declarações de Milei e as ligações feitas à embaixada da China em Buenos Aires não foram atendidas.
Parceria estratégica
Posteriormente, na mesma entrevista, Milei esclareceu que cabe ao setor privado decidir se mantém relações comerciais com a China e outros países cujos líderes ele desgosta.
— Não tenho que me envolver, mas não vou promover laços com quem não respeita a liberdade — disse, acrescentando que respeitaria os acordos já assinados na Argentina por empresas chinesas, que incluem um contrato para construir represas gêmeas na Patagônia e um acordo para instalar uma usina nuclear.
O maior beneficiário geopolítico da ideologia de Milei seria claramente os EUA. Ele foi inflexível sobre trabalhar com qualquer presidente americano eleito em 2024, independentemente de suas tendências políticas, embora tenha preferência por um conservador.
No momento, Donald Trump está à frente nas pesquisas para obter a nomeação republicana, mas Milei não está especialmente interessado em ser comparado com o ex-presidente dos EUA. Questionado se gostaria que Trump voltasse à Casa Branca, ele disse cautelosamente que “isso cabe aos americanos decidir”.
— Posso gostar mais do perfil dos republicanos do que dos democratas, mas isso não significa que não considere os EUA como nosso grande parceiro estratégico — afirmou.