O presidente francês, Emmanuel Macron, assinou, neste sábado, a reforma previdenciária que será implantada no país, desafiando três meses de protestos e apelos de sindicatos para não aprovar a legislação. As alterações se tornaram lei depois que o texto foi publicado ainda antes do amanhecer (no horário local) no jornal oficial da França, provocando acusações da oposição de que Macron estava tentando se aproveitar do período da noite para estabelecer a medida.
A publicação ocorreu poucas horas após a aprovação, nesta sexta-feira, pelo Conselho Constitucional, incluindo a principal mudança, que aumenta a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos. Os sindicatos alertaram que estavam convocando protestos em massa para o Dia do Trabalho, em 1º de maio. Manifestações, algumas violentas, irromperam em várias cidades durante a noite após o anúncio do veredito.
A batalha para implementar a lei se tornou o maior desafio doméstico do segundo mandato de Macron, já que ele enfrentou ampla oposição popular às mudanças, mas também perdeu popularidade pessoal. O líder socialista Olivier Faure disse que a rápida assinatura da lei por Macron mostrou "desdém" ao movimento de protesto, enquanto o parlamentar de extrema esquerda François Ruffin chamou isso de "assalto democrático".
"Uma lei promulgada no meio da noite, como ladrões", tuitou o chefe do Partido Comunista Francês, Fabien Roussel. "Todo mundo na rua 1º de maio."
'Não derrotado'
O Conselho Constitucional de nove membros decidiu a favor das principais disposições da reforma, incluindo o aumento da idade de aposentadoria para 64 anos e a extensão dos anos de trabalho necessários para uma pensão completa, dizendo que a legislação estava de acordo com a lei francesa.
Seis propostas menores foram rejeitadas, incluindo forçar grandes empresas a publicar quantos acima de 55 anos empregam e a criação de um contrato especial para trabalhadores mais velhos. A aparição do texto no Jornal Oficial da França — Diário Oficial do país — significa que agora a medida foi transformada em lei.
"O Código da Segurança Social fica assim alterado. No primeiro parágrafo, a palavra: 'sessenta e dois; é substituída pela palavra: 'sessenta e quatro'", diz o texto, referindo-se à idade de reforma.
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Mas a decisão do tribunal constitucional pode ser uma vitória superficial para Macron, já que analistas dizem que isso teve um grande custo pessoal para o homem de 45 anos. Os índices de aprovação do presidente estão perto dos níveis mais baixos de todos os tempos, e muitos eleitores ficaram indignados com sua decisão de forçar a aprovação da lei de pensões no Parlamento sem votação, usando um mecanismo legal, mas controverso, denunciado por oponentes como antidemocrático.
As pesquisas mostram consistentemente que dois em cada três franceses são contra trabalhar mais dois anos. Macron chamou a mudança de "necessária" para evitar que os déficits previdenciários anuais cheguem a 13,5 bilhões de euros (R$ 73,6 bilhões) até 2030, segundo dados do governo.
"Mantenha o curso. Esse é o meu lema", disse Macron na sexta-feira ao inspecionar a Catedral de Notre Dame em Paris, quatro anos depois que um incêndio devastador quase destruiu o monumento gótico.
Buscando evitar o triunfalismo, a primeira-ministra Elisabeth Borne twittou que após o veredicto do tribunal "não há vencedores ou perdedores". Mas o jornal de esquerda Liberation disse em sua manchete acima de uma foto de um protesto: "Não derrotados: os opositores da reforma não vão se desarmar".
Bicicletas, e-scooters e lixo foram incendiados na capital durante a noite, enquanto protestos reunindo centenas irromperam em outras cidades, incluindo Marselha e Toulouse. Na cidade de Rennes, no oeste, manifestantes atearam fogo na entrada de uma delegacia de polícia e de um centro de conferências. A polícia de Paris disse que 112 pessoas foram presas até a noite desta sexta no horário local.
'Maremoto' em 1º de maio
Macron, que fez apenas comentários públicos pouco frequentes sobre a crise, deve se dirigir aos franceses no início da próxima semana, disse uma fonte presidencial à AFP. Resta saber se o esforço de meses dos sindicatos para bloquear as mudanças continuará após três meses de greves e protestos.
Os sindicatos emitiram uma declaração conjunta instando Macron a não assinar a legislação, dizendo que a questão "não foi concluída". A secretária-geral do sindicato CGT, Sophie Binet, pediu uma "maré popular e histórico" de pessoas nas ruas para se opor às reformas em 1º de maio. Os sindicatos rejeitaram uma oferta de Macron para negociações na terça-feira, dizendo que só se reuniriam depois de 1º de maio.
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No mês passado, uma greve dos lixeiros de Paris deixou a capital repleta de 10.000 toneladas de lixo não coletado. Em uma segunda decisão na sexta-feira, o tribunal rejeitou uma proposta de legisladores da oposição para forçar um referendo sobre uma lei previdenciária alternativa que manteria a idade de aposentadoria em 62 anos.
A França está atrás da maioria de seus vizinhos europeus, muitos dos quais aumentaram a idade de aposentadoria para 65 anos ou mais. Os opositores das mudanças dizem que elas penalizam as mulheres e os trabalhadores não qualificados que começaram suas carreiras cedo e prejudicam o direito a uma aposentadoria longa.