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Por Josh Holder, Lauren Leatherby, Anton Troianovski e Weiyi Cai, The New York Times

Após a Rússia invadir a Ucrânia, o Ocidente tentou formar o que se assemelhava a uma impressionante coalizão global: 141 países deram apoio incondicional a uma medida da Organização das Nações Unidas demandando que a Rússia cessasse por completo as agressões.

Nas semanas após eclosão da guerra na Ucrânia, 141 países votaram para condenar na ONU a invasão russa — Foto: NYT
Nas semanas após eclosão da guerra na Ucrânia, 141 países votaram para condenar na ONU a invasão russa — Foto: NYT

Em contraste, a Rússia parecia isolada: a Coreia do Norte foi um dos quatro países que apoiaram o Kremlin e rejeitaram a medida.

Eritreia, Bielorrússia, Coreia do Norte e Síria votaram ao lado da Rússia na ONU na primeira resolução após eclosão da guerra — Foto: NYT
Eritreia, Bielorrússia, Coreia do Norte e Síria votaram ao lado da Rússia na ONU na primeira resolução após eclosão da guerra — Foto: NYT

Só que os números iniciais de endosso ao Ocidente provaram-se enganosos, já que 47 países se abstiveram ou não compareceram ao voto de condenação, entre eles a China e a Índia.

Os dois países mais populosos do planeta, com suas economias volumosas, adotam uma posição de neutralidade formal diante do conflito. Não doam armas ou auxiliam Moscou militarmente, mas aumentaram suas trocas comerciais com os russos, importante via escoamento das exportações que ficaram impossibilitadas de ir para a Europa diante da enxurrada de sanções.

Vários países, entre eles China e Índia, adotaram posição de neutralidade na votação da ONU e em suas políticas externas — Foto: NYT
Vários países, entre eles China e Índia, adotaram posição de neutralidade na votação da ONU e em suas políticas externas — Foto: NYT

E várias das nações que inicialmente denunciaram a Rússia recuaram em suas condenações, adotando maior neutralidade. Os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, passaram a defender que "assumir posições apenas causará mais violência", enquanto a Turquia rechaçou uma "política baseada em provocações".

O Brasil também está no grupo que inicialmente demandou a retirada russa, mas cuja defesa sempre foi de uma solução negociada. Desde o governo de Jair Bolsonaro, o país evita condenar Moscou com todas as palavras, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva hoje se apresenta como um possível mediador para o conflito.

Moscou disse avaliar a proposta, e uma reunião do petista com o presidente Volodymyr Zelensky está em vias de ser organizada, segundo informações obtidas pelo GLOBO. O presidente da França, Emmanuel Macron, pretendia articular a conversa aconteceria para esta semana, mas Brasília considerou que o timing não era conveniente.

Até mesmo países que inicialmente condenaram a invasão vêm adotando posições mais neutras — Foto: NYT
Até mesmo países que inicialmente condenaram a invasão vêm adotando posições mais neutras — Foto: NYT

Após um ano, fica claro que a coalizão central de aliados ocidentais continua firme, mas nunca conseguiu convencer o resto do mundo a escantear Moscou. Ao invés de rachar em dois, o mundo se fragmentou.

Grande parte dos países vê a invasão como um problema primariamente europeu e americano, e não como uma ameaça existencial. Estão mais focados em proteger seus próprios interesses em meio ao caos econômico e geopolítico causado pela invasão.

O panorama remete aos vários Estados que adotaram a neutralidade durante a Guerra Fria, apesar de o mundo ser hoje mais interconectado do que nunca. A escala e complexidade das comunicações globais, laços econômicos e elos de segurança oferecem muito mais oportunidades para os rivais do Ocidente tirarem vantagem.

Na quinta, por exemplo, a Assembleia Geral da ONU aprovou por 141 votos a sete, com 32 abstenções, uma resolução demandando que a Rússia se retire do território ucraniano incondicional e imediatamente. A China, a Índia e alguns outros países do Sul Global se abstiveram — o Brasil votou a favor — e devem continuar a seguir este caminho frente ao que veem como uma guerra ocidental.

Driblando as sanções

De início, parecia que as sanções do Ocidente para prejudicar a habilidade de Moscou financiar a guerra funcionariam. A campanha liderada pelos Estados Unidos, que incluiu 37 países, abalou os alicerces do sistema financeiro da Rússia ao congelar suas reservas de moeda estrangeira e mirar em seus principais bancos.

Quase quarenta países aderiram às sanções econômicas impostas pelos EUA e seus aliados — Foto: NYT
Quase quarenta países aderiram às sanções econômicas impostas pelos EUA e seus aliados — Foto: NYT

As sanções bloquearam importações importantes, como peças de reposição para aeronaves e semicondutores para eletrônicos. E centenas de empresas pararam voluntariamente de fazer negócios na Rússia, da Mc Donald's à Netflix.

Mas as sanções não foram tão devastadoras quanto o Ocidente esperava. Um punhado de países preencheu o vácuo, aumentando as exportações para a Rússia bem acima dos níveis pré-guerra, de acordo com dados coletados pelo Silverado Policy Accelerator. As exportações de outros países diminuíram quando a guerra começou, mas desde então reverteram o curso.

China e Turquia foram as responsáveis por compensar a maior parte das exportações. Veículos de passageiros chineses substituíram os de fabricantes ocidentais. A China também exportou mais máquinas e semicondutores. Outros bens produzidos por empresas multinacionais que não podem mais ser exportados diretamente para a Rússia agora passam antes por estados pós-soviéticos.

Importações totais da Rússia despencaram com a guerra, mas voltaram a crescer nos meses seguintes — Foto: Silverado Policy Accelarator
Importações totais da Rússia despencaram com a guerra, mas voltaram a crescer nos meses seguintes — Foto: Silverado Policy Accelarator

Mesmo com a Turquia vendendo armas para a Ucrânia, o presidente Recep Tayyip Erdogan permite um fluxo crescente de mercadorias para a Rússia, prejudicando a eficácia das sanções ocidentais.

— Sempre mantivemos uma política de equilíbrio entre a Ucrânia e a Rússia — disse Erdogan em setembro, seis meses depois que a Turquia votou com os EUA para denunciar a invasão russa na ONU.

Depois de cair inicialmente após a invasão, os números do comércio se recuperaram porque muitos países continuam dispostos a negociar com a Rússia.

As sanções ainda podem ser devastadoras para a Rússia a longo prazo. Eles já estão atrapalhando o investimento estrangeiro e começando a esvaziar os cofres do governo. As restrições ao comércio de petróleo forçaram a Rússia a reduzir a produção. E reorganizar a infraestrutura de gasodutos do país para a Ásia levará anos.

Mesmo que a economia da Rússia não esteja prosperando, ela é suficientemente forte para manter a guerra em andamento. O Fundo Monetário Internacional projetou no mês passado que a economia russa cresceria 0,3% este ano, melhora significativa em relação à estimativa anterior de contração de 2,3%.

Compra de armas e componentes

Os Estados Unidos e seus aliados têm enviado armas e equipamentos militares cada vez mais letais diretamente para a Ucrânia. E eles tentaram cortar o fornecimento de equipamento militar para a Rússia, impondo controles de exportação que proíbem muitas empresas de vender tecnologia crítica para a o país de Vladimir Putin.

As armas ajudaram a Ucrânia a surpreender o mundo e a conter um Exército muito maior do que o seu. Pelo menos 40 países forneceram ajuda militar à Ucrânia, seja enviando armas ou fornecendo outras formas de ajuda militar.

Ao menos 40 países enviaram armas ou outras formas de ajuda militar aos ucranianos — Foto: NYT
Ao menos 40 países enviaram armas ou outras formas de ajuda militar aos ucranianos — Foto: NYT

Mas o esforço para privar a Rússia de equipamento militar foi menos bem-sucedido, pois Moscou também encontrou ajuda. A Coreia do Norte enviou “um número significativo” de artilharia para a Rússia, afirmou Washington. O Irã forneceu drones "kamikaze" não tripulados, usados por Moscou para ataques contra a infraestrutura civil na Ucrânia.

E outros países, incluindo a China, continuaram a fornecer à Rússia bens de uso duplo, como microchips que entram em equipamentos militares.

Analistas, no entanto, dizem que a Rússia enfrentar uma escassez de armamento de precisão, como mísseis de cruzeiro, que exigem equipamentos de alta tecnologia. E os soldados russos relatam a falta de equipamentos de visão noturna e drones de vigilância na linha de frente.

Irã, Coreia do Norte e China enviaram para a Rússia armas, munições ou produtos de uso duplo  — Foto: NYT
Irã, Coreia do Norte e China enviaram para a Rússia armas, munições ou produtos de uso duplo — Foto: NYT

Aproveitando a ambivalência global

Muitos líderes mundiais não gostam muito da ideia de um país invadir outro. Mas muitos deles também não ficam tristes de ver alguém enfrentar os Estados Unidos.

Em toda a África, América Latina, Ásia e Oriente Médio, muitos governos que têm fortes laços com os Estados Unidos e a Europa não veem a guerra como uma ameaça global. Ao invés disso, se posicionam como espectadores ou árbitros neutros, preservando o máximo de flexibilidade possível.

Guerra fragmentou mundo, com duas nações populosas do planeta adotando posições de neutralidade — Foto: NYT
Guerra fragmentou mundo, com duas nações populosas do planeta adotando posições de neutralidade — Foto: NYT

A reação à invasão foi mista na Ásia, onde mais de um terço dos países se recusou a condenar a Rússia na votação inicial da ONU. No início da invasão, os Estados Unidos pediram à Índia que comprasse menos petróleo da Rússia, mas suavizaram sua postura conforme Nova Délhi evita se alinhar a qualquer um dos lados.

À medida que as tensões aumentam na fronteira da Índia com a China, especialistas afirmam que o país não sente que deve arriscar seu relacionamento com a Rússia, importante fonte de armas. Os países do Golfo votaram com o Ocidente para condenar Moscou, mas também buscam ser vistos como atores neutros.

O presidente Mohamed Bin Zayed, dos Emirados Árabes Unidos, viajou à Rússia para se encontrar com o presidente Vladimir Putin e disse que buscava uma solução diplomática. Dubai, em particular, tornou-se um paraíso para oligarcas e elites pró-Kremlin — lá, as sanções ocidentais não chegam. Já a Arábia Saudita disse que deve priorizar seus próprios interesses, mesmo que isso cause atrito em seu relacionamento de longa data com os EUA.

Quase metade dos países africanos se absteve ou não votou para condenar a Rússia, sugerindo uma crescente relutância em muitas nações de aceitar a narrativa maniqueísta americana. Um número crescente de Estados vêm contratando mercenários e comprando armas russas.

Na África do Sul, os laços com a Rússia remontam ao apoio soviético para o fim do apartheid. Seus líderes viram uma oportunidade de se alinhar mais estreitamente com a Rússia, preenchendo lacunas comerciais deixadas pela Europa e pelos Estados Unidos. Mas, como muitos outros países africanos, a África do Sul parece ter o cuidado de equilibrar a aproximação com seu relacionamento com o Ocidente.

A América Latina, com suas relações de longa data com os Estados Unidos, votou em grande parte ao lado de Washington para condenar a Rússia. Mas as rachaduras começaram a aparecer com mais destaque nos últimos meses.

A Colômbia recusou recentemente um pedido dos Estados Unidos para fornecer armas à Ucrânia. E quando visitado pelo chanceler alemão, Olaf Scholz, no mês passado, Lula deixou claro que a oposição brasileira ao envio de armamentos era veemente.

Tentando enfraquecer o núcleo da coalizão ocidental

Trinta e nove países compõem o grupo principal que apoia a Ucrânia, fornecendo assistência militar ou sancionando a Rússia.

Trinta e nove países impuseram sanções contra a Rússia ou forneceram ajuda militar à Ucrânia — Foto: NYT
Trinta e nove países impuseram sanções contra a Rússia ou forneceram ajuda militar à Ucrânia — Foto: NYT

A união ocidental durante a guerra provou ser notável, com países vistos como relativamente amigáveis ​​com a Rússia — como Alemanha, França e Itália — permanecendo firmes em seu apoio à Ucrânia. A Otan, cuja "morte cerebral" havia sido decretada por Emmanuel Macron em 2019, mais uma vez serve ao propósito claro de proteger a aliança ocidental do ataque russo.

Mas mesmo entre os países ocidentais, a união não foi perfeita. Como integrante da União Europeia, a Hungria concordou tecnicamente com sanções contra a Rússia. Sob o comando de Viktor Orbán, contudo, é pária na União Europeia em sua política de apoio à Ucrânia, e atrasou uma série de decisões que demandam apoio unânime.

Outros que forneceram apoio militar à Ucrânia se recusaram a impor sanções econômicas à Rússia.

Trinta e um países impuseram sanções na Rússia ou forneceram assistência militar à Ucrânia — Foto: NYT
Trinta e um países impuseram sanções na Rússia ou forneceram assistência militar à Ucrânia — Foto: NYT

E um grupo muito menor de países fez de tudo: impôs sanções, forneceu armas pesadas — como tanques, veículos blindados e sistemas de mísseis de defesa aérea — e destinou pelo menos 0,1% de seu PIB para a ajuda bilateral à Ucrânia, segundo dados do Kiel Instituto para a Economia Mundial.

Dezessete países enviaram armas pesadas e destinaram mais de 0,1% de seu PIB para ajuda à Ucrânia — Foto: NYT
Dezessete países enviaram armas pesadas e destinaram mais de 0,1% de seu PIB para ajuda à Ucrânia — Foto: NYT

No primeiro aniversário da guerra, a estratégia da Rússia é clara: esperar o Ocidente. Eventualmente, Putin aposta, os países europeus preocupados com o impacto do conflito em suas economias e suas políticas abandonarão o apoio a sanções e entrega de armas. Os países da Ásia, Oriente Médio e África que já são neutros no conflito continuarão a aumentar o comércio com a Rússia.

E talvez até os Estados Unidos, com sua eleição presidencial no próximo ano, se cansem da guerra e pressionem a Ucrânia a ceder a Putin. Quão unificado o Ocidente pode permanecer — e quanto do mundo é capaz de manter pelo menos parcialmente do seu lado — pode muito bem determinar o resultado do conflito.

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