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Por Chris Buckley, The New York Times — Pequim

Em 2019, anos antes de um enorme balão chinês de grande altitude flutuar sobre os Estados Unidos e causar alarme generalizado, um dos principais cientistas aeronáuticos da China fez um anúncio orgulhoso que recebeu pouca atenção na época: sua equipe havia lançado um dirigível a mais de 18 mil metros de altura e o fez navegar pela maior parte do globo, inclusive pela América do Norte.

O cientista, Wu Zhe, disse a uma agência de notícias estatal na época que o veículo aéreo “Cloud Chaser” (Caçador de nuvens, em tradução literal) foi um marco em sua visão de povoar as camadas superiores da atmosfera terrestre com dirigíveis que poderiam ser usados para fornecer alertas antecipados de desastres naturais, monitorar a poluição ou realizar vigilância aérea.

— Olha, lá estão os EUA — disse Wu em um vídeo que acompanha a reportagem, apontando em uma tela de computador para uma linha vermelha que parecia traçar o caminho do dirigível pela Ásia, Norte da África e perto da borda sul dos Estados Unidos.

O anúncio de Wu faz parte de um conjunto de evidências que revelam novos detalhes sobre o escopo das ambições de Pequim de usar aeronaves em alta altitude para rastrear atividades terrestres, de olho nas necessidades domésticas e militares do país. Relatórios da mídia chinesa, estudos acadêmicos e discursos de autoridades sugerem que Wu tem sido fundamental para os esforços de desenvolvimento de balões da China.

O programa chamou a atenção e a preocupação global quando os Estados Unidos derrubaram um balão chinês na costa da Carolina do Sul em 4 de fevereiro, depois de o dirigível ter viajado pelo país. Desde então, caças americanos também derrubaram três objetos voadores não identificados sobre a América do Norte.

Vanguarda da pesquisa aeronáutica

Acadêmico sênior da Universidade Beihang, uma instituição com sede em Pequim na vanguarda da pesquisa aeronáutica e espacial da China, Wu também trabalhou no desenvolvimento de aeronaves por quase duas décadas. Agora, várias de suas empresas foram apanhadas nos esforços do governo Joe Biden para combater esses planos. Wu foi um dos fundadores ou principais interessados em pelo menos três das seis entidades chinesas que Washington puniu na semana passada por seu envolvimento no que os EUA chamaram de programa de balão de vigilância de Pequim.

Washington não disse se alguma das entidades da lista restritiva estava especificamente ligada ao balão chinês que foi descoberto e abatido sobre os Estados Unidos neste mês. Também não destacou Wu pelo nome. E-mails e ligações para o escritório de Wu ficaram sem resposta na segunda-feira.

A China sustenta que o balão era um dirigível civil que realizava principalmente pesquisas meteorológicas quando foi desviado do curso. Na segunda-feira, Pequim apontou o dedo para Washington, dizendo que os EUA lançaram balões de alta altitude sobre o espaço aéreo chinês mais de 10 vezes desde o ano passado. Funcionários do governo Biden disseram que a alegação era totalmente falsa.

Ambições da China na estratosfera

Wu, que completa 66 anos este mês, emergiu como uma figura central nas ambições da China na estratosfera, a faixa da atmosfera entre 20 mil metros e 100 mil metros acima da Terra, que é muito alta para a maioria dos aviões permanecer no ar por muito tempo e muito baixa para satélites.

Ele ajudou a projetar caças a jato, desenvolveu experiência em materiais furtivos, ganhou prêmios por seu trabalho no Exército chinês e foi vice-presidente da Universidade Beihang antes de decidir retornar à pesquisa e ao ensino. Também fez parte de uma comissão executiva do agora extinto Departamento Geral de Armamentos do Exército Popular de Libertação, de acordo com sua biografia no site da Universidade Beihang.

Os estrategistas chineses veem a estratosfera como uma arena de aprofundamento da rivalidade entre as grandes potências, onde a China deve dominar os novos materiais e tecnologias necessários para estabelecer uma presença firme, ou corre o risco de ser superada.

Essa ansiedade se aprofundou à medida que as relações com os EUA azedaram sob Xi Jinping, o líder resolutamente nacionalista da China. A estratosfera, argumentam os analistas chineses, oferece uma alternativa potencialmente útil aos satélites e aviões de vigilância, que podem se tornar vulneráveis à detecção, bloqueio ou ataques.

O balão que foi lançado em julho de 2019, Wu disse na ocasião, era um “cara grande”, com cerca de 100 metros de comprimento e pesando várias toneladas, o que parece ser maior do que o balão que foi derrubado na costa da Carolina do Sul por um caça a jato dos EUA este mês.

“É a primeira vez que um dirigível controlado aerodinamicamente voou ao redor do mundo na estratosfera a 20 mil metros” de altura, disse Wu ao jornal Southern Daily da província de Guangdong.

O voo de 2019 não foi o único de Wu e sua equipe. O Eagles Men Aviation Science and Technology Group, ou Emast, uma empresa com sede em Pequim que Wu cofundou em 2004, reivindicou uma série de outros sucessos para eles.

Os avanços em balões de alta altitude revelaram o potencial para “comunicações, reconhecimento, navegação e outros serviços estáveis, de alta resolução e duradouros”, disse a Emast em sua conta oficial na rede WeChat em 2017.

Em 2019, Wu e sua equipe “adquiriram um sinal entre a Terra e a estratosfera” pela primeira vez, segundo a Emast. A empresa não explicou que tipo de sinais estavam envolvidos, nem se a etapa estava ligada ao voo “Cloud Catcher” daquele ano ou a outro dirigível. O site da empresa esteve fora do ar recentemente, mas os registros em cache de suas páginas ainda podem ser encontrados na web.

Ainda de acordo com a Emast, um balão chinês fez uma circum-navegação completa do globo em 2020 e foi recuperado com segurança, um feito pioneiro. No ano seguinte, a equipe operou dois dos balões no ar simultaneamente, uma novidade no projeto.

‘Rede aérea’

Em 2022, dizem as páginas da Emast armazenadas em cache, Wu e sua equipe lançaram ou planejaram lançar — a redação chinesa sobre o tempo não é clara — três balões de alta altitude ao mesmo tempo para formar uma “rede aérea”. O objetivo final, disse a empresa, era criar uma rede de sinais aéreos na China usando balões estacionários flutuando a pelo menos 24 mil metros de altura.

Wu parecia ansioso para expandir sua presença no mundo comercial. Em 2015, iniciou os preparativos para fundar um campus da Universidade Beihang em Dongguan, uma cidade industrial e tecnológica a mais de 1,6 mil km ao sul de Pequim. Ele também esteve envolvido em várias empresas que buscavam transformar o trabalho dele e de seus parceiros de pesquisa em aplicações comerciais, indicam os registros corporativos.

Em parceria com uma empresa imobiliária de Xangai, ajudou a fundar a Beijing Nanjiang Aerospace Technology, uma empresa que se descrevia como centrada na tecnologia da “estratosfera”. Essa empresa, assim como a Eagles Men Aviation e outra empresa que Wu criou, Shanxi Eagles Men Aviation Science and Technology Group, estavam entre as seis entidades às quais o Departamento de Comércio dos EUA impôs sanções na semana passada.

O New York Times telefonou para as empresas na segunda-feira, mas não obteve resposta.

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