Época
PUBLICIDADE

Por La Nacion — Buenos Aires

No dia 7 de novembro de 1944, a Revolução Bolchevique completava 27 anos. Os comunistas de todas as partes do mundo festejavam enquanto na prisão de Sugamo, em Tóquio, um homem dava lentos passos em direção à forca. Uma vez amarrado nos braços e nas pernas, e com a corda ao redor do pescoço, sentiu a morte de perto e pronunciou, em um japonês fluente, suas últimas palavras antes que o chão se abrisse aos seus pés e ele caísse rumo ao esquecimento: "Sakigun! (o Exército Vermelho), Kokusai Kyosanto! (o Partido Comunista Internacional) e Soviet Kyosanto! (o Partido Comunista Soviético)".

O prisioneiro era Richard Sorge, um espião soviético de origem alemã que, durante oito anos, conseguiu se infiltrar nas entranhas do poder japonês e alemão e forneceu informações vitais à União Soviética. Sorge foi quem alertou sobre a data exata da Operação Barbarossa e desvendou os planos do Japão durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos o descrevem como um "espião implacável", mas Sorge tinha uma identidade decisiva: foi o espião de Joseph Stalin.

A espionagem foi crucial no desenvolvimento de estratégias e na formação de alianças durante o século XX. As conspirações tramadas em bares, embaixadas e clubes secretos moldaram o destino das grandes potências e deram aos espiões um papel fundamental. Entre todos eles, Richard Sorge pode ter sido o melhor. Era um "indivíduo imperfeito, mas um espião impecável, valente e brilhante", escreve Owen Matthews em seu livro "An Impeccable Spy: Richard Sorge, Stalin’s Master Agent" ("Um espião impecável: Richard Sorge, agente mestre de Stalin", em tradução livre).

'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion
'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion

Sorge era um homem de duas pátrias. Nasceu em 4 de outubro de 1895 em Baku, no então Império Russo, mas sua origem era alemã: em sua casa nunca se falou russo e aos quatro anos já estava vivendo em Berlim, onde passaria sua infância e adolescência.

Filho de Wilhelm Sorge, um engenheiro alemão, e Nina Sorge, de origem russa, a família sempre gozou de uma boa posição econômica. Segundo Matthews, "em Baku, as crianças aprenderam que sua 'pátria' era uma Alemanha que nunca haviam visto, e crescer como um expatriado isolado talvez tenha contribuído para insuflar em Sorge a sensação de alteridade que o acompanharia por toda a vida".

Aos 18 anos, em um ato de rebeldia, alistou-se no Exército Imperial alemão. Em junho de 1915, sua unidade foi transferida para Galícia, na fronteira entre a Rússia e o Império Austro-húngaro, de modo que pela primeira vez teve que lutar em nome do país de seu pai contra o país de sua mãe. Nesse período, duas coisas aconteceram que o marcariam pelo resto da vida: um tiro destroçou suas pernas e, no hospital, enquanto se recuperava, conheceu quem provavelmente foi a mulher mais importante de sua vida: Christiane Gerlach.

'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion
'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion

Após a guerra, Sorge mergulhou no mundo acadêmico e conheceu as ideias revolucionárias. Leu os filósofos alemães Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Immanuel Kant e Arthur Schopenhauer. Influenciado pela Revolução Bolchevique, mudou-se para Moscou, juntou-se ao Partido Comunista e integrou-se na Komintern, uma organização internacional que promovia a revolução comunista mundial.

O revolucionário comunista Lenin dizia que os serviços secretos da União Soviética eram "a arma decisiva contra as inúmeras conspirações". Para Sorge, ser parte deste exército secreto era um dever. "Decidi apoiar o movimento não só teórica e ideologicamente, mas tornando-me parte real dele", escreveu, anos depois em seu diário durante seu encarceramento.

Sua estadia em Moscou o consolidou como um fervoroso comunista e um agente indispensável. Os arquivos da Internacional Comunista demonstram que desde seus primeiros dias ali manteve importantes contatos com a Seção de Comunicações Internacionais OMS (centro de espionagem) e que em 1927 se juntou formalmente à rede.

Olhos em Tóquio

Por sua localização, a aliança estratégica com a Alemanha nazista e a expansão na China continental era fundamental para a União Soviética instalar no Japão olhos e ouvidos a serviço da causa.

Em 1933, Sorge chegou a Tóquio sob a fachada de um jornalista alemão, preparado para estabelecer uma das redes de espionagem mais eficazes da história. Conhecido pelo apelido de "Ramsay", Sorge liderava um grupo composto por Hotsumi Ozaki, um influente jornalista e assessor político japonês; Max Clausen, um experiente operador de rádio; Branko Vukelic, um jornalista iugoslavo; e Yotoku Miyagi, um pintor japonês e ativista comunista.

'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion
'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion

"A questão de se o Japão estava ou não planejando atacar a União Soviética era o único objetivo do meu trabalho no país", escreveu em seus diários.

E assim ele empreendeu uma missão que lhe custaria a vida.

Com seu engenho e habilidade para estabelecer conexões, Sorge esteve no momento certo com as pessoas certas. Um de seus vínculos mais importantes foi com Eugen Ott, o embaixador alemão em Tóquio. Através dessa relação, teve acesso direto a informações confidenciais que seriam cruciais para seus relatórios enviados a Moscou.

"O fato de ter conseguido me aproximar da Embaixada da Alemanha no Japão e ganhar a confiança absoluta de seu pessoal foi a base da minha atividade de espionagem no país", confessaria mais tarde.

O momento decisivo chegou alguns anos depois, quando Ott o nomeou seu assessor privado. Apesar da exploração implacável da relação, eles se tornaram grandes amigos. No entanto, no pano de fundo dessa conexão aparentemente sólida, escondia-se uma complexidade emocional: Ott era casado com Catherine e Sorge teve que ocultar e suportar a dor em silêncio durante anos.

Beberrão e mulherengo

Em Tóquio, a vida do espião era mais ou menos assim: levantava-se cedo, fazia exercícios de calistenia e mergulhava na leitura e escrita. Sua rotina incluía visitas regulares à embaixada alemã, ao Clube Alemão e encontros sociais no Hotel Imperial, onde bebia e coletava e compartilhava informações. Segundo Matthews, "Sorge não demorou a se tornar o observador estrangeiro mais bem informado sobre o Japão no mundo". Por alguns aspectos de sua aparência, seu vestuário impecável e sua fama de beberrão e mulherengo, era conhecido como o "James Bond soviético".

'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion
'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion

Mas à medida que os anos passavam e seu desejo de retornar a Moscou aumentava, a confiança no agente Ramsay diminuía, especialmente com o aumento do Grande Terror na União Soviética. Em consequência, Sorge começou a buscar consolo no álcool. Seus conhecidos relatam que em seus percursos desenfreados pelos bares experimentava "a euforia, a miséria chorosa, a agressividade, a paranoia e a megalomania, o delírio, o estupor e a cinzenta solidão da ressaca que só pode ser aliviada com mais álcool".

— Sorge foi uma contradição porque era alcoólatra, mulherengo, briguento, trapaceiro e geralmente não uma boa pessoa. Isso fazia parte de sua imagem como jornalista nazista — disse ao jornal La Nación Paul Buchanan, ex-analista de políticas de inteligência e defesa das agências de segurança do governo dos Estados Unidos. — Mas, em geral, considera-se que esse tipo de comportamento é contrário ao suposto profissionalismo de um espião, que deve ser sóbrio, discreto, reservado e moralmente íntegro.

O dia em que Stalin não acreditou nele

Com sua rede de espionagem firmemente estabelecida no Japão, Sorge conseguiu obter informações cruciais sobre os planos de Adolph Hitler para invadir a União Soviética. Em maio de 1941, enviou uma mensagem urgente a Moscou, onde alertava que as Forças Armadas da Alemanha nazista, a Wehrmacht, planejava trair o pacto de paz com a União Soviética e lançar a Operação Barbarossa em 22 de junho de 1941.

Busto de Stalin é visto em seu túmulo durante cerimônia que marca os 70 anos de sua morte na Praça Vermelha em Moscou — Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP
Busto de Stalin é visto em seu túmulo durante cerimônia que marca os 70 anos de sua morte na Praça Vermelha em Moscou — Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

Mas o que ele não sabia era que seu operador de rádio, Max Clausen, começou a sabotar as mensagens porque passou a duvidar do comunismo e da missão em Tóquio. "Enviei apenas um pouco de informação a Moscou", confessou depois. "A maioria dos manuscritos que Sorge me deu foram rasgados".

Grande parte da informação crucial sobre a Operação Barbarossa não chegou de maneira oportuna. Stalin, ao revisar os relatórios que chegaram, rabiscou que a informação provinha de "um idiota que se instalou em algumas pequenas fábricas e bordéis no Japão".

O resultado dessa desconfiança foi desastroso para a União Soviética. As forças soviéticas sofreram enormes perdas nas primeiras semanas da invasão, pois não estavam preparadas para a magnitude do ataque alemão, e o impacto da operação foi profundamente sentido em toda a estrutura militar e civil do país.

'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion
'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion

Em 14 de setembro de 1941, Richard Sorge enviou outra mensagem crucial a Moscou: "O Japão não atacará a União Soviética se os alemães não conseguirem tomar Moscou". Essa informação permitiu a Stalin ordenar a transferência de metade das tropas estacionadas na Sibéria para defender a capital.

No entanto, Sorge pagou um alto preço por sua revelação. A Kempeitai, a polícia militar do Exército japonês, descobriu sua rede de espionagem de maneira quase acidental. Durante uma batida em busca de comunistas, capturaram alguém relacionado ao pintor Yotoku Miyagi, membro da rede de Sorge, que acabou delatando-o. Miyagi foi detido, torturado e obrigado a revelar os nomes de todos os espiões.

O fim

Com Miyagi, caíram também Clausen, Ozaki, Vukelic e, claro, Sorge. Todos terminaram confessando enquanto ele resistia, aferrando-se ao seu disfarce como nunca antes: dizia ser um nazista, correspondente e responsável por informações na embaixada alemã. Assim foi durante seis dias. Até que, às 10h45 do sexto dia após sua prisão, confessou.

'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion
'James Bond Soviético': conheça o espião russo que mudou o curso da guerra e ajudou a derrotar nazistas — Foto: Reprodução/LaNacion

"De repente, o prisioneiro saltou da cadeira, ficou de pé, jogou seu casaco de prisão no chão e começou a caminhar de um lado para o outro na estreita cela, com as mãos nos bolsos. 'Na verdade, sou comunista e tenho feito espionagem. Estou derrotado!', gritou Sorge. Sentou-se novamente, afundou o rosto entre as mãos e chorou amargamente. 'Confessarei tudo', disse finalmente", assim relatou Matthews o dia da confissão.

Esse foi o princípio do fim. Richard Sorge passou seus últimos três anos de vida em uma cela diminuta com a esperança de que a União Soviética o resgatasse mediante uma troca de prisioneiros. No entanto, ninguém se lembrou dele. A União Soviética negou conhecê-lo e nem os alemães nem os russos mostraram interesse em lhe dar um enterro digno.

Suas últimas palavras foram um testemunho de sua lealdade inquebrantável à causa comunista. Naquele dia, Sorge morreu sozinho, sem saber que anos depois se tornaria um Herói da União Soviética. Após a construção do Muro de Berlim, a Alemanha Oriental precisava de um herói pró-soviético e antifascista, e as autoridades soviéticas o incluíram no panteão de heróis.

Talvez sua história ressoe melhor nas palavras de John le Carré, que, ao refletir sobre o ofício do espião, declarou:

"Te integravam às ambições imperiais e depois te deixavam ir pelo mundo com a sensação de que fazias parte de uma elite, mas com o coração gelado. Quando te tornas esse garoto gelado, mas és uma pessoa encantadora que pelo menos em aparência funciona corretamente, há dentro de ti um monte de terra árida esperando para ser cultivada". Essa contradição foi a que definiu Richard Sorge ao longo dos anos.

Mais recente Próxima Urso invade cabana e ataca adolescente com síndrome neurológica nos Estados Unidos
Mais do Globo

Governo determinou que empresa suspenda prática no Brasil. Na Europa, uso de informações para treinamento de IA foi adiado

Veja como a Meta coleta dados de Facebook e Instagram para treinar seus robôs de IA

Crescimento de Vojvoda e Artur Jorge, e saídas de Cuca e Diniz colocam estrangeiros entre os cinco primeiros

Ranking de Técnicos: na ponta, Tite, do Flamengo, é único brasileiro no top-5 recheado de estrangeiros

Resultado do Festival de Parintins 2024 foi divulgado nesta segund-feira (1); campeão deste ano é o Boi Caprichoso

Quem ganhou o Festival de Parintins 2024?

Com alta do dólar e do petróleo, diferença entre o valor cobrado no Brasil e no exterior é o maior desde meados de abril

Defasagem no preço da gasolina praticado pela Petrobras já chega a 19%

Influenciadora compartilhou clique com a sertaneja nas redes e ganhou comentário da mãe

Lauana Prado surge em nova foto com Tati Dias, recebe apoio da sogra e a elogia: 'A melhor do mundo'

Tricolor perdeu últimos seis jogos e não vence há dez jogos no campeonato

Fluminense na lanterna do Brasileiro rende zoações de rivais; veja memes

Dia da Independência da Bahia, em 2 de julho, é feriado apenas no estado da Bahia

Independência da Bahia é feriado? Por que data é celebrada em 2 de julho?

Manobra tem poucas chances de ser bem sucedida a curto prazo, mas advogados querem atrasar o anúncio da pena imposta ao ex-presidente, marcado para semana que vem

Após decisão da Suprema Corte sobre imunidade, Trump quer anular condenação por suborno a ex-atriz pornô