Clima e ciência
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Por Ana Rosa Alves

O então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva escolheu em novembro o balneário egípcio de Sharm el-Sheikh para inaugurar sua agenda internacional após conquistar o terceiro mandato. Na 27ª Conferência do Clima da ONU (COP27), selou o compromisso de sediar a COP30, em 2025, em uma capital amazônica, martelo posteriormente batido em prol de Belém. Os obstáculos vão do "tratoraço ambiental" no Congresso a essenciais obras de infraestrutura, para as quais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já anunciou um pacote de crédito e investimentos de R$ 5 bilhões.

As COPs são as principais conferências climáticas do planeta, que ocorrem anualmente e reúnem quase todos os países para debater o combate à crise ambiental. Ao prometer sediar uma edição pela primeira vez no Brasil — e na Amazônia — o governo busca deixar claro que o multilateralismo e o meio ambiente são temas prioritários, tendo a oportunidade de chamar atenção para a região e presidir o debate em um ano-chave, em que os países deverão rever seus compromissos de redução das emissões para torná-los mais ambiciosos.

Manaus chegou a ser citada como postulante, mas em janeiro decidiu-se a favor da candidatura de Belém: o governador paraense, Helder Barbalho (MDB) é um aliado-chave de Lula, e seu irmão, Jader Barbalho Filho, é ministro das Cidades. No último dia 18, uma etapa importante do processo foi concluída, com o endosso do Grupo dos Estados da América Latina e do Caribe (Grulac).

As COPs têm sede rotativa entre os cinco grupos regionais da ONU — o Grulac é um deles —, e daqui a dois anos a conferência voltará à América Latina. Apesar de o chanceler Mauro Vieira ter anunciado no último dia 26 que "as Nações Unidas aprovaram" Belém, ainda haverá uma missão de averiguação para garantir que há condições para o evento acontecer.

A missão avaliará se todos os "elementos logísticos, técnicos e financeiros para realizar as sessões estão disponíveis", a primeira de algumas etapas formais ainda pendentes. A expectativa do governo é de que a chancela formal venha na COP28, que acontecerá de 30 de novembro a 12 de dezembro em Dubai.

— Temos que receber da ONU o caderno de encargos e apresentaremos as informações da nossa capital. Estamos em sintonia fina com o Itamaraty neste contexto — disse o governador Barbalho na última sexta, na sede do BNDES, no Centro do Rio.

Retrofit, navios e Airbnbs

O Brasil não é estranho a sediar grandes eventos ambientais: foi anfitrião da icônica Cúpula da Terra de 1992, a Rio-92, e 20 anos depois, da Rio +20. A COP25, em 2019, deveria ter sido a primeira em solo brasileiro, mas o governo voltou atrás depois da eleição do hoje ex-presidente Jair Bolsonaro, em um prenúncio das suas catastróficas políticas ambientais.

O compromisso de realizar o evento em 2025 é quase unanimemente bem-visto por ambientalistas, mas ainda assim Belém precisará se adaptar. Acomodação e hospitalidade, reconhece o governador, são desafios importantes.

Quase 60 mil pessoas foram a Sharm el-Sheikh para as duas semanas de COP27 no ano passado, entre elas chefes de Estado, diplomatas, jornalistas e representantes do setor privado e da sociedade civil. Segundo dados da Secretaria Municipal de Turismo, Belém tem hoje somente 25.367 leitos de hospedagem. A estimativa é que receba 70 mil visitantes na COP30, número que algumas previsões põem perto de 100 mil.

As autoridades creem que o fato de a conferência ser na Amazônia deve por si só aumentar o interesse. Outro atrativo é o 10º aniversário do emblemático e vinculante Acordo de Paris, no qual os países signatários se comprometeram com metas voluntárias de redução das emissões, que devem ser revisadas e incrementadas quinquenalmente — 2025, portanto, será um desses anos.

De acordo com o governador Helder Barbalho, o estado trabalha com uma consultoria para "construir soluções", cujas possibilidades incluem o retrofit da rede hoteleira e o estímulo para a oferta de imóveis privados — seja em modelos similares a Airbnbs ou com famílias que possam acolher visitantes. A construção de novos hotéis, afirmou o mdbista, também não está descartada.

O governo prevê ainda acomodação em navios, similar ao que ocorreu no Rio durante a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, e promete a drenagem do porto de Belém para que os transatlânticos possam atracar. É uma das várias obras de infraestrutura nos planos, como projetos de mobilidade urbana, saneamento básico e iniciativas para garantir que a energia usada no serviço público seja 100% renovável.

Os planos incluem também a construção de um parque no antigo aeroporto e a reforma do mercado Ver-o-Peso (no fim da matéria, veja uma lista com os principais projetos).

O prefeito Edmilson Rodrigues (Psol) afirmou que o governo federal se comprometeu a conversar com a concessionária Novo Norte, que administra o Aeroporto Internacional Belém/Val-de-Cans desde a privatização em 2022, para que sua ampliação e a modernização da sua pista sejam prioritárias. Na semana passada, uma média de 81 voos diários passou por lá.

Parte do dinheiro virá do pacote de crédito e investimento de R$ 5 bilhões anunciado pelo BNDES na semana passada. Cerca de R$ 3 bilhões sairão de uma linha de R$ 30 bilhões voltada para projetos socioambientais em estados e municípios, com o resto oriundo de modalidades como o Fundo Amazônia e o Fundo Clima.

A ambição do Planalto é que a COP30 sirva para coroar a política ambiental de Lula, um dos pilares da credibilidade do novo governo após quatro anos de reveses sob o comando do ex-presidente Jair Bolsonaro. Igualmente importante é a oportunidade de dar protagonismo a uma região onipresente nos debates ambientais, mas com frequência incompreendida.

Um teste para Belém acontecerá em agosto, quando a cidade receberá a primeira Cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), quando os chefes de Estado dos países detentores da floresta desembarcarão na capital paraense. Segundo Rodrigues, a expectativa é de que aproximadamente 4 mil pessoas visitem a cidade daqui a dois meses.

— Eu quero que as pessoas venham para conhecer a beleza da minha cidade, do meu povo. Mas a pobreza da Amazônia também deve ser mostrada — disse o prefeito. — Não dá para achar que a Amazônia é só florestas e animais. Ela tem gente, tem quase 30 milhões de habitantes (...). Belém é uma capital metropolitana da Amazônia — completou, ressaltando que o desenvolvimento deve ser consonante com a preservação.

Barreiras no Congresso

Para Rodrigues, a esperança é que a COP30 deixe um legado de infraestrutura para uma cidade que, sem o evento, teria dificuldades para custear as reformas necessárias. Há ainda a possibilidade de catalisar uma mudança cultural na unidade federativa que é a maior desmatadora histórica da Amazônia, com 167 mil km² de mata destruídos desde 1988, quase 35% do total desmatado no bioma.

— Havia um incentivo para que as pessoas desmatassem para ocupar a região. Isso era critério, inclusive, para a concessão de crédito em políticas anteriores, sobretudo na época do período militar. As políticas mudaram, mas a cultura continua — disse Eugênio Pantoja, diretor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), afirmando que as razões para a liderança paraense no ranking da motosserra são históricas.

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Entre agosto de 2021 e julho de 2022 houve uma queda de 21% no desmatamento anual no território paraense, que fechou o ano fiscal em 4.141 km². Segundo o especialista do Ipam, faltam condições técnicas e científicas para medir qual parte disso é consequência das políticas implementadas pelo estado nos últimos anos, mas os sinais apontam para ao menos alguma contribuição:

— Nos últimos quatro anos, a incidência de desmatamento em áreas de competência da atuação do estado reduziu cerca de 65%. Em compensação, nas áreas públicas federais e ainda não destinadas, esse desmatamento aumentou.

A candidatura de Belém, crê Pantoja, é "geopoliticamente estratégica" diante das pretensões brasileiras, afirmando ser importante que "as discussões sobre Amazônia" ocorram na própria região. Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, está de acordo:

— Teríamos outras opções de cidades no Brasil, talvez mais estruturadas em termos de logística de acesso, mas é uma escolha necessária — afirmou. — Falamos tanto da Amazônia que põe o Brasil no mundo, então vamos trazer o mundo para a Amazônia.

Sinal amarelo para o sucesso da conferência, contudo, vem do Congresso Nacional, que nas últimas semanas — e com o aval do governo — aprovou um "tratoraço ambiental". As medidas esvaziam os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, afrouxam o Código Florestal e aceleram o marco temporal. Todas elas põem em risco o sucesso das políticas de preservação ambiental e a fiabilidade do governo Lula.

— Se o governo federal vem tendo uma boa gestão no enfrentamento do crime ambiental, diria que o enfrentamento do crime congressual é um desastre — ponderou Marcio Astrini, diretor do Observatório do Clima. — O Congresso tem o poder de dar vida nova ao crime ambiental, e o governo está falhando bastante nesta frente.

Veja algumas dos principais projetos anunciados em Belém para a COP:

  • Modernização do Aeroporto Internacional de Belém: Segundo o prefeito Edmilson Rodrigues, o governo federal garantirá que a expansão do aeroporto e a melhoria de sua pista sejam prioridades da concessionária que o administra após a privatização em 2022;
  • Dragagem do porto: A União investirá pouco mais de R$ 80 milhões, de acordo com o prefeito, para a dragagem do porto hoje assoreado, permitindo que navios transatlânticos cheguem ao centro de Belém;
  • Porto Futuro 2: Haverá a ampliação do Terminal Hidroviário de Belém e a criação de um espaço com sete galpões voltados para atividades culturais, gastronômicas e recreativas;
  • Parque da Cidade: Já começaram as obras para criar um parque no antigo Aeroclube;
  • Reforma do Ver-o-Peso: O icônico e centenário mercado, um dos principais pontos turísticos da região Norte, terá seu complexo reformado, obras que incluirão a recuperação da linha de bonde;
  • Mercado de São Brás: Também está prevista a restauração do Mercado de São Brás, transformando-o em um “complexo turístico, gastronômico e urbanístico”. De acordo com Rodrigues, o projeto é avaliado em R$ 104 milhões e será feito com recursos federais;
  • Canal São Joaquim: Haverá a construção de um parque e uma nova via expressa com linhas de transporte sustentáveis, iniciativa cujo projeto foi escolhido após um concurso;
  • Duplicação da Bernardo Sayão: A avenida, uma das maiores da capital paraense, que passa por quatro bairros da cidade, será duplicada.

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