Mundo Guerra na Ucrânia

Putin evoca 2ª Guerra e culpa Ocidente por invadir Ucrânia, mas não sinaliza escalada no Dia da Vitória sobre o nazismo

Cogitou-se que presidente russo pudesse declarar mobilização geral ou até reivindicar vitória; no lugar disso, ele lembrou a memória da União Soviética
Rutin deposita uma rosa sobre o Túmulo do Soldado Desconhecido nesta segunda-feira, aniversário da vitória sobre o nazismo, em Moscou Foto: SPUTNIK / via REUTERS
Rutin deposita uma rosa sobre o Túmulo do Soldado Desconhecido nesta segunda-feira, aniversário da vitória sobre o nazismo, em Moscou Foto: SPUTNIK / via REUTERS

MOSCOU — O presidente da Rússia, Vladimir Putin , usou seu discurso no Dia da Vitória , nesta segunda-feira, para tentar inflamar o orgulho russo pelo triunfo sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial e canalizá-lo em um apoio à invasão da Ucrânia neste ano. Mas, ao contrário de algumas expectativas, o líder russo não fez novos anúncios, como convocar uma mobilização em massa para a guerra ou mesmo declarar vitória, como alguns esperavam.

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Putin, em discurso na Praça Vermelha de Moscou no feriado secular mais importante da Rússia, reiterou suas alegações prévias de que atacar a Ucrânia foi “inevitável” e “a única decisão correta”. Ele disse que as tropas russas no Leste da Ucrânia estão lutando "em suas terras", em mais uma indicação de que a Rússia não pretende abrir mão do controle do território que as suas forças tomaram nos últimos meses.

— Vocês estão lutando pela Pátria, por seu futuro, para que ninguém esqueça as lições da Segunda Guerra Mundial — disse Putin, dirigindo-se às forças russas na Ucrânia. — Para que não haja lugar no mundo para carrascos, verdugos e nazistas. Vocês estão lutando pelas mesmas coisas pelas quais lutaram seus pais e avós.

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O discurso, como esperado, conclamou o povo russo a apoiar a guerra, enquanto classificava os defensores da Ucrânia como “nazistas” e evocava o passado vitorioso da Segunda Guerra Mundial da Rússia — talvez o elemento mais unificador da identidade diversificada do país.

Em um raro reconhecimento do custo humano da guerra na Ucrânia, Putin disse que a morte de cada soldado significava um “peso para todos nós” e prometeu que o governo faria “tudo para cuidar” das famílias dos mortos, acrescentando que assinou um decreto nesta segunda para dar “apoio especial aos filhos de camaradas mortos e feridos”.

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Mas o discurso também se destacou por suas omissões.

Putin não tentou em nenhum momento descrever que as forças russas já alcançaram uma "vitória" na Ucrânia, não oferecendo nenhum sinal de um fim iminente para o conflito.

O desempenho do Exército russo ficou muito aquém das expectativas: a campanha no Norte, onde está a capital Kiev, foi desmobilizada; as forças perderam territórios na região Nordeste; e há apenas avanços pontuais no Donbass, a região a Leste na qual a ofensiva agora se concentra .

Putin falou de sua tribuna montada no Mausoléu de Lenin, supervisionando o tradicional desfile militar do Dia da Vitória em Moscou. A celebração contou com 11 mil participantes e 131 veículos blindados. Parte mais aguardada, o sobrevoo de 77 aviões de guerra russos, de caças ao avião de comando "apocalíptico" Il-80, que seria a principal aeronave russa a ser usada durante uma guerra nuclear e não é demonstrado desde 2010, foi cancelado.

Segundo o Kremlin, o cancelamento se deveu ao mau tempo. No entanto, o clima em Moscou parecia limpo, o que levantou questões sobre o que realmente impediu o desfile aéreo. Há informações de que os aviões também deixaram de voar em outras partes da Rússia, de Iecaterimburgo, nos Urais, a Kaliningrado, no Báltico.

— Não pode haver furacões em todo o país — disse Yuri Fyodorov, analista militar russo, acrescentando que o mau tempo "não parece plausível" como explicação.

Ele cogitou que a Rússia possa ter decidido não exacerbar as tensões nucleares, ou então temeu atos de sabotagem.

No domingo, Roman Vilfand, chefe da previsão meteorológica estatal da Rússia, disse à agência de notícias Interfax que as condições climáticas em Moscou devem ser favoráveis para o desfile aéreo. Um grande ensaio aconteceu no sábado com caças, bombardeiros e helicópteros sobrevoando o centro da cidade.

Mas o general do Exército Oleg Salyukov, comandante das forças terrestres russas, disse que nove bases militares são usadas durante o desfile aéreo e que, embora o clima possa parecer bom no centro de Moscou, esse não é necessariamente o caso fora da cidade.

— Acho que o que vocês viram já é impressionante — disse Salyukov à agência russsa Interfax.

O desfile incluiu mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) com capacidade nuclear, mas eles integram outros desfiles. Em seu discurso, Putin não renovou suas ameaças implícitas de guerra nuclear, como já o fez várias vezes até aqui. No final do mês passado, disse que os países que “criam uma ameaça estratégica à Rússia” durante a guerra na Ucrânia poderiam esperar “ataques de retaliação” que seriam “rápidos como um relâmpago”.

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O presidente russo criticou os Estados Unidos, como fez no passado, descrevendo o país como o verdadeiro agressor e a Rússia como um bastião do patriotismo e dos “valores tradicionais”. Ele também deixou clara sua nostalgia cada vez mais aberta pelo império soviético, descrevendo 9 de maio de 1945 como um dia de triunfo para “nosso povo soviético unido”.

O líder russo mencionou cidades bielorrussas e ucranianas entre aquelas defendidas por soldados do Exército Vermelho: Kiev, Minsk, Sebastopol e Kharkiv.

— Os Estados Unidos da América, especialmente após o colapso da União Soviética, começaram a falar sobre sua exclusividade, humilhando assim não apenas o mundo inteiro, mas também seus satélites, que têm que fingir que não percebem nada e engolir tudo docilmente — disse Putin. — Mas somos um país diferente. A Rússia tem uma natureza diferente. Jamais abandonaremos o amor à Pátria, a fé e os valores tradicionais, os costumes de nossos ancestrais, o respeito a todos os povos e culturas.

A liderança da Ucrânia rejeitou a tentativa de Putin de justificar a invasão do país como um esforço para defender a pátria comparável à Segunda Guerra Mundial.

— Não permitiremos que ninguém roube esta vitória, não permitiremos que ela seja apropriada — disse o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.