Mundo

Dez anos após morte de Bin Laden, empresas de sua família enfrentam dificuldades na Arábia Saudita

Negócios do grupo, responsável por grandes obras no país, foram abalados pela associação de Osama com o terrorismo e pela ascensão do príncipe herdeiro Mohammad bin Salman
Parte do projeto da Torre do Reino, em Jedá, na Arábia Saudita, que deveria ser a torre mais alta do mundo. Projeto é tocado pelo Grupo Bin Laden, mas está paralisado Foto: Adrian Smith / Divulgação
Parte do projeto da Torre do Reino, em Jedá, na Arábia Saudita, que deveria ser a torre mais alta do mundo. Projeto é tocado pelo Grupo Bin Laden, mas está paralisado Foto: Adrian Smith / Divulgação

RIAD — Eles sobreviveram ao 11 de Setembro distanciando-se de Osama bin Laden, a "ovelha negra" da família, mas os proprietários do Grupo Bin Laden, gigante saudita do setor da construção, não resistiram à ascensão ao poder do príncipe herdeiro do reino, Mohamed bin Salman . O grupo, maior império de construção da Arábia Saudita e fundado pelo pai de Osama em 1931, enriqueceu durante décadas graças à sua proximidade com a família real. Mas agora está afundado em dívidas.

O Estado retirou o controle administrativo da família Bin Laden, que construiu grande parte da Arábia Saudita moderna, como parte de uma campanha anticorrupção liderada em 2017 pelo príncipe herdeiro, apelidado de "MBS", e vista como um expurgo político.

— Os Bin Laden sobreviveram ao 11 de setembro, mas não sobreviveram ao MBS — declarou à AFP um conhecido da família. — Alguém poderia ter pensado que seria o contrário.

Entrevista: Arábia Saudita tem poucas divergências com governo Biden, diz príncipe implicado por EUA em assassinato de jornalista

Bakr bin Laden, ex-presidente da empresa e meio-irmão de Osama, de 70 anos, está detido desde então, segundo duas pessoas próximas à família. Seus irmãos Saad e Saleh também passaram pela prisão durante um tempo. As acusações contra eles, que negam ter cometido crimes, não foram divulgadas publicamente.

O governo recuperou a participação dos três irmãos na empresa, ou 36,2%, segundo um documento oficial consultado pela AFP. As autoridades também apreenderam propriedades, especialmente mansões, jatos particulares e uma coleção de carros de luxo, e proibiram os familiares de viajar para o exterior, segundo seus conhecidos.

'Lealdade e gratidão indiscutíveis'

Mohammed, o pai de Osama, fundou a companhia que se tornou um império de bilhões de dólares por meio de lucrativos contratos públicos para construir palácios, universidades, estradas e mesquitas.

Este imigrante iemenita teve mais de 50 filhos de várias esposas. Uma família tentacular pela qual a opinião pública internacional se interessou após os ataques de setembro de 2001 nos Estados Unidos, orquestrados por Osama, o fundador da rede extremista Al-Qaeda.

Acusações: Documentos judiciais e relatório dos EUA apontam que Bin Salman sabia do plano para matar jornalista saudita

A família o havia renegado em 1994 devido às suas atividades terroristas, mesmo ano em que teve sua cidadania saudita revogada. Por causa do distanciamento, não teve problemas com as autoridades sauditas. A empresa tinha laços tão fortes com os líderes do reino que Bakr bin Laden trabalhou na corte por muito tempo. Costumava servir de "caixa de distribuição de dinheiro" aos membros da família real, de acordo com uma das fontes.

— Meu avô Mohammed bin Laden e meus tios ajudaram a construir o reino e serviram a sucessivos reis, como parceiros inevitáveis, com lealdade e gratidão inquestionáveis. Esta relação especial terminou com MBS — declarou um Bin Laden da terceira geração.

Mas um evento dramático, ocorrido também em um dia 11 de setembro, aplicou um duro golpe na família Bin Laden: um guindaste da empresa caiu sobre a Grande Mesquita de Meca naquele dia em 2015, matando mais de 100 pessoas. Foi o ano em que o pai de MBS, Salman, subiu ao trono.

Repressão: Arábia Saudita condena ativista dos direitos das mulheres a quase seis anos de prisão

O grupo ficou sem novos projetos por meses. Também foi pressionado pela queda dos preços do petróleo desde 2014, que esgotou as receitas do governo e levou a atrasos nos pagamentos, informaram as duas fontes.

'Virar a página'

Mas a campanha de repressão de 2017 foi o golpe de misericórdia. Bakr bin Laden perdeu sua mansão em Jedá, contou uma das fontes. Para os aliados do príncipe herdeiro, essa campanha era necessária contra a oligarquia multimilionária para que perdesse seus hábitos corruptos em um momento de austeridade orçamentária.

Os Bin Laden "eram corruptos como muitos outros. Não foram mortos como na China, mas trancados no Ritz por alguns meses e puderam negociar", disse uma fonte próxima à corte real. A AFP não conseguiu entrar em contato com os três irmãos Bin Laden e o governo não respondeu.

Alegações: Sem provas, secretário de Estado dos EUA acusa Irã de abrigar base de operações da al-Qaeda

A proximidade da família com o ex-príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Nayef e seu ex-braço direito Saad Aljabri (um de seus filhos se casou com uma filha de Saad bin Laden) também explicaria a aspereza.

Bakr bin Laden devolveu bilhões de dólares em bens e ações, mas continua a ter "ativos significativos" no exterior, fora do alcance do governo saudita.

De acordo com uma das fontes, ele e seus associados mantêm segredos sobre os pagamentos feitos a membros da família real.

— Os últimos cinco anos foram realmente difíceis para todos os membros da família — reconhece o membro da família Bin Laden. — Tudo o que queremos é virar a página completamente, libertar meu tio Bakr e voltar a fazer o que fazemos melhor do que ninguém: construir o reino.