Crítica
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Por Patrícia Kogut

“Entre estranhos”, estreia da Apple TV+, tem muitas qualidades. Seu criador, Akiva Goldsman, é vencedor de um Oscar (em 2001, com “Uma mente brilhante”). O elenco é cheio de talentos, a produção, suntuosa, e a reconstituição dos anos 1970, um luxo. A série tem até um episódio inteiro pontuado por “Time”, megassucesso de Pink Floyd, que cai como uma luva na dramaturgia.

O ponto fraco da trama, entretanto, é importante: seu roteiro ambiciona manter a premissa da história em segredo. E essa é uma missão quase impossível. Primeiro porque ela se baseia no livro de Daniel Keyes “The minds of Billy Milligan”, e o título, revelador, aparece nos créditos de abertura. E também porque é um true crime. Basta o espectador juntar lé com cré e visitar o Google para o suspense terminar. E, para aqueles que não percebem essa intenção, o efeito é ainda pior: a trama parece absurda, com nós difíceis de desatar.

É portanto inviável falar dessa estreia sem entregar, nem que seja um pouquinho, o ouro que ela tenta inutilmente disfarçar. Mesmo assim, como não quero irritar os leitores, vai um aviso: daqui para a frente, cuidado com o spoiler.

O personagem central é Danny Sullivan (Tom Holland). Ele está preso por ter se envolvido em um tiroteio no Rockefeller Center, em Nova York. Grande parte das cenas se passa numa sala na cadeia, onde é interrogado incansavelmente por Rya Goodwin (Amanda Seyfried), uma psicóloga. Com doçura e paciência infinitas, ela faz com que ele relembre seu passado, desde a infância.

Assim, ele conta que teve um gêmeo idêntico que morreu ainda criança. Foi criado pela mãe (Emmy Rossum). Abandonada pelo marido, ela trabalhava em turnos incessantes, como enfermeira e como garçonete. Até que se casou de novo, e esse padrasto, Marlin (Will Chase), era alcoólatra e violento. A trajetória de Danny, como ele narra, foi uma sucessão de situações tristes, marcadas por relações abusivas. Paralelamente às desgraças, contudo, ele sempre era socorrido por figuras bondosas e amigas que surgiam nas horas de perigo extremo. Entre elas, estava Ariana (Sasha Lane), que, como ele, alugava um quarto na casa de um israelense Yitzak, exímio lutador que o defendia em situações difíceis. (Lior Raz, no eterno papel de fortão raivoso). Em algum momento, viaja para Londres, em busca do pai desaparecido, mas não o encontra. O enredo, no entanto, se abre para uma nova aventura.

O que ele descreve tem certa lógica, mas volta e meia a coisa não fecha: é fantasiosa e irreal. A série se alimenta dessa pulga que deposita atrás da orelha do espectador.

A ação se arrasta bastante. Ela faz pensar numa tela hiper-realista em que o artista alterou pequenos detalhes da imagem para causar estranhamento em quem a observa. O mistério sobre o que realmente acontece com Danny é esticado até o sétimo episódio (são dez).

“Entre estranhos” tinha tudo para empolgar, mas, por escolhas erradas da dramaturgia, vira só um tiro de raspão.

PS: Quem quiser conhecer uma produção documental sobre o personagem real que inspirou essa história acha a crítica no meu blog.

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