Patrícia Kogut
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Por Patricia Kogut

O título da série lançada pelo Star+ pode ser interpretado como uma pista involuntária dos tradutores brasileiros sobre a falta de correspondência entre essa adaptação para a TV e a obra original de Charles Dickens. É que “Great expectations”, nas suas versões para o português, sempre foi “Grandes esperanças”. A série se chama “Grandes expectativas”. Não está errado, mas é um indício da distância entre o que figura no livro e aquilo que se vê no streaming.

São seis episódios que, apesar disso, merecem a sua atenção. A obra de Dickens já foi transposta inúmeras vezes. Sua primeira adaptação para a tela grande aconteceu em 1917, ainda na época do cinema mudo. Ela virou ainda peças de teatro, programas de televisão, animação e ganhou edições para crianças. Talvez por isso, o roteiro de Steven Knigh (criador de “Peaky blinders”) tenha preferido usar o clássico inglês só como inspiração para uma (praticamente) nova história.

Não vai aí uma crítica, só um aviso.

O personagem central é Pip (na infância, Tom Sweet; adulto, Fionn Whitehead). As primeiras cenas seguem o livro de Dickens quase ao pé da letra — mas essa fidelidade para por aí. O órfão vive numa vila pantanosa em Kent com a irmã mais velha, Sara (Hayley Squires), e seu marido, o ferreiro Joe (Owen McDonnell). Numa manhã de Natal, no cemitério, encontra um condenado que escapou da prisão.

O homem implora por ajuda. Pip, apavorado, atende ao pedido. Ele não sabe, mas esse gesto despertará imensa gratidão. Magwitch (Johnny Harris) é recapturado, mas depois vai para a Austrália onde faz fortuna. E se torna um benfeitor anônimo de Pip. É quem financia a transformação dele em “um cavalheiro”.

Para isso, o garoto é convocado à casa de Miss Havisham (Olivia Colman) para fazer companhia à filha adotiva dela, Estella (Shalom Brune-Franklin). Assim, acompanhamos a jornada de Pip dos charcos até a educação e a prosperidade. Depois, seguimos a sua débâcle.

Nessa aventura que leva anos, há obstáculos e vencê-los é sempre fundamental para que esperanças se realizem. Há violência, lágrimas, desvios morais, muita culpa (nem sempre com motivos), e, finalmente, a redenção. Como escreveu o ensaísta David Trotter na apresentação de uma das edições, “Dickens estava mais interessado na insistência da culpa que na sua etiologia”.

A série altera o peso de personagens e, com isso, abre espaço para tramas sem importância na literatura. Puristas não gostarão. E quem não conhece Dickens pode até acreditar que a história seja fiel.

Quando Olivia Colman surge, porém, o espectador esquece todas as fragilidades. Miss Havisham é uma mulher rica que perdeu a sanidade ao ser abandonada no altar. Usa sempre o vestido de noiva e o véu, mesmo tendo eles se tornado andrajosos. Está presa a um trauma, é cruel e maltrata Pip. A atriz arrebata. E faz pensar que vale atravessar todos os soluços do roteiro e da realização só para vê-la entrar em cena.

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