'Sociedade da Neve': conheça a história do homem que convenceu protagonista a viajar, mas nunca entrou no avião

Alfredo Cibils desistiu de embarcar no Fairchild da Força Aérea Uruguaia sete horas antes da decolagem

Por O Globo com agências internacionais — Rio de Janeiro


Alfredo 'Pancho' Delgado, Alfredo Cibils e Numa Turcatti num jantar do clube Loyola em 1972 Raúl Zorrilla de San Martín

Em busca de um fim de semana de festas e folia com três amigos, Alfredo Cibils foi o homem que convenceu Numa Turcatti a viajar para a capital chilena no Fairchild da Força Aérea Uruguaia em outubro de 1972. O convite para a viagem partiu de outro amigo de Alfredo: Gastón Costemalle, um dos jogadores do Old Christians.

Alfredo já havia usado o avião anteriormente, quando foi junto com outro grupo de futebol amador até o Chile. Segundo ele, a viagem havia sido maravilhosa e bastante segura, Alfredo conta que conheceu várias jovens, frequentou festas e trocou telefones.

Com a vivência de nove meses antes do desastre em mente, Alfredo relatou a experiência ao melhor amigo, Numa Turcatti, que era do tipo caseiro, não gostava muito de sair, era tímido com as mulheres e não sentiu entusiasmo pela viagem, mas aceitou. Com pouco menos de 1,80m de altura, um grande bigode e fartos cabelos, Turcatti iria se formar em direito, gostava de assistir o Nacional, e jogar futebol na Liga Universitária.

Numa Turcatti, vítima real da tragédia aérea dos Andes que tem história contada no filme "A sociedade da neve" — Foto: Reprodução

Na tentativa de dissuadir Alfredo da viagem, Numa chegou a dizer que não teria como arcar com os custos. No entanto, sabendo da boa condição financeira da família do amigo, Alfredo insistiu para que ele perguntasse à mãe ou ao pai, argumentou também sobre o Chile ser um lugar barato para viagens. Com o incentivo dos pais, Numa avisou ao amigo que iria.

Gastón Costemalle, Alfredo Cibils e Numa Turcatti se conheceram aos 15 anos, no colégio Jesuíta Seminário. Ao lado de Pancho Delgado — amigo de Numa desde os seis anos — os quatro formaram o grupo que ingressaria anos depois na Faculdade de Direito.

'A sociedade da neve': J.A. Bayona, na foto com o ator Enzo Vogrincic, destaca que as famílias dos mortos “entenderam o que os sobreviventes tiveram que fazer naquelas circunstâncias” — Foto: Divulgação

Um dia antes da fatídica viagem, era uma quarta-feira, dia 11 de outubro de 1972 às 14 horas, Alfredo tinha uma prova da faculdade. No entanto, descobriu que o exame tinha sido adiado por causa de uma greve estudantil de 24 horas. O avião para o Chile saía no dia seguinte, às seis da manhã, ou seja, ele não teria como ir na aventura com os outros e comunicou o problema aos amigos numa noite em que os quatro se reuniram para ver fotos da prévia viagem de Alfredo em janeiro.

— Naquela época, os slides estavam muito na moda. Tirei várias fotos com garotas chilenas: morenas, loiras… Tinha de tudo —, disse Alfredo à BBC Mundo.

O uruguaio Enzo Vogrincic interpretou Numa Turcatti em "The Snow Society" — Foto: Netflix

Um apelo foi feito ao professor da disciplina, que acabou permitindo a realização da prova depois da viagem. No entanto, preocupado com o desempenho na Universidade, Alfredo desistiu da viagem e comunicou a decisão aos pais, sete horas antes da empreitada entre os amigos.

Logo depois, ligou para a mãe de Gastón, que morava na esquina de sua casa, e disse a ela que avisasse a Gastón para não passar para buscá-lo de manhã, pois iriam juntos pegar o avião. Alfredo também pediu que eles não contassem nada a Pancho e a Numa, até que ambos estivessem no aeroporto.

— Diga a ele [Gastón] para, por favor, não me pegar porque eu não irei. E, por favor, não diga nada a Pancho e Numa até que estejam no aeroporto, porque eles podem vir me procurar.

Alfredo soube da tragédia quando entrou no prédio em que morava com os pais em Montevidéu. O porteiro, surpreso ao vê-lo, comentou que acabavam de anunciar no rádio, naquela sexta-feira 13 de outubro, que ele estava entre as vítimas do avião que havia caído nos Andes, no dia anterior.

Destroõs do avião que caiu nos Andes em 1972 — Foto: Agência O GLOBO/ARQUIVO

Após 59 dias do acidente na Cordilheira dos Andes, Numa Turcatti faleceu em 11 de dezembro 1972. Segundo livro "A Sociedade da Neve", de Pablo Vierci, o rapaz chegou a tentar buscar ajuda em duas ocasiões, mas desistiu depois de entender a dimensão de onde se encontravam. Ainda de acordo com os sobreviventes da tragédia, Numa passava a maior parte do tempo dentro do avião. Ele acabou desenvolvendo escaras nas costas, contraiu uma infecção generalizada e foi o último a morrer na montanha.

O falecimento do amigo foi uma motivações para que Roberto Canessa, Fernando Parrado e Antonio Vizitín tentassem buscar resgate mais uma vez. Das 45 pessoas presentes no avião, apenas 16 conseguiram sobreviver, dentre elas, Pacho Delgado. Gastón Costemalle faleceu ainda durante a queda da aeronave, quando houve o primeiro impacto contra a montanha.

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De forma a homenagear a memória do amigo apaixonado por futebol, Alfredo Cibils conseguiu renomear o Loyola Fútbol Club para Numa Turcatti.

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