BC aperta freio e reduz Selic para 10,50%; decisão dividiu diretores indicados por Lula e Bolsonaro

Essa é a primeira vez desde agosto, quando começou o ciclo de queda, que o Copom não sinaliza o que pretende fazer na reunião seguinte

Por — Brasília


Diretores do Banco Central, que integram o Comitê de Política Monetária (Copom) Divulgação/BC

Com mais dúvidas sobre a inflação e as contas públicas, o Banco Central (BC) decidiu puxar o freio e reduzir o ritmo de corte de juros nesta quarta-feira, por 5 votos a 4. O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC reduziu a Taxa Selic — os juros básicos da economia — em 0,25 ponto porcentual, de 10,75% para 10,50% ao ano.

O novo nível da Selic é o mais baixo desde dezembro de 2021 (9,25%). A opção pelo corte de 0,25 pp ocorre após seis reduções consecutivas de 0,50 pp desde o início do ciclo de alívio da Selic, em agosto do ano passado.

A decisão não foi unânime entre os nove membros do comitê, colocando em lados opostos os diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Gabriel Galípolo, Paulo Picchetti, Ailton Aquino e Rodrigo Teixeira) e os componentes que estavam na gestão Jair Bolsonaro, incluindo o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Campos Neto vota por último e desempatou o jogo a favor de uma queda mais modesta da Selic.

Além de pisar no freio, o comitê também não deu nenhuma indicação sobre o futuro da taxa básica de juros. Essa é a primeira vez desde agosto, quando começou o ciclo de queda, que o BC não sinaliza o que pretende fazer na reunião seguinte.

Nova composição: Presidente e diretores do Banco Central

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Comitê de Política Monetária (Copom) é formado pelo presidente do BC e mais oito diretores

No comunicado da decisão, o Copom citou que "o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela".

Apesar de contrariar a indicação dada pelo Copom na reunião anterior, em março, de mais uma queda da Selic de 0,50 ponto porcentual, a redução mais modesta já era esperada pela maior parte do mercado financeiro desde meados de abril.

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De um total de 94 bancos e gestoras consultadas pelo Valor Data, 60 projetavam um corte de 0,25 ponto percentual nesta reunião, enquanto o resto estimava uma redução de 0,50, conforme sinalizado previamente pelo BC em março.

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Em meados de abril, em evento do FMI, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reagiu a notícias negativas sobre a situação fiscal no Brasil e à inflação dos Estados Unidos, que levaram a um salto no dólar, e indicou que o BC deveria optar por uma marcha mais lenta se não houvesse diminuição da incerteza.

Caso houvesse alívio, Campos Neto havia apontado que o comitê poderia seguir o plano traçado de ao menos mais um recuo de 0,50 ponto.

A declaração ocorreu na semana em que o governo brasileiro alterou as metas fiscais de 2025 em diante, prevendo alvos menos ambiciosos, o que segundo Campos Neto aumentou o cenário de incerteza sobre o controle fiscal no Brasil. Desde lá, porém, o mercado acalmou, o dólar recuou e novos dados de inflação local foram mais favoráveis, o que mantinha a redução de 0,50 ponto em jogo.

Por outro lado, desde o Copom de março, houve aumento nas expectativas de inflação para 2025, ano em que o BC está focado para trazer a inflação para a meta. No Boletim Focus, a projeção para o IPCA - índice oficial de inflação - passou de 3,52% para 3,64%, contra o centro da meta de 3,0%.

Além disso, os dados de mercado de trabalho continuaram fortes, mantendo o receio sobre os impactos nos preços de serviços, outra preocupação da instituição. A inflação este ano ainda deve sofrer com as consequências provocadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul.

As projeções oficiais de inflação do BC subiram desde março. Para este ano, houve um salto de 3,5% para 3,8%, enquanto, para 2025, o aumento foi de 3,2% para 3,3%. Em relação à atividade econômica, o Copom avaliou que os dados estão mais dinâmicos do que o esperado, o que, na prática, pode gerar mais pressão inflacionária.

No exterior, o BC considerou que o cenário está mais adverso em função da incerteza com a política monetária nos EUA e com a velocidade da queda da inflação no mundo.

"Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes."

No comunicado de hoje, o BC ainda disse que acompanhou com "atenção" os eventos recentes da política fiscal e os impactos sobre a política monetária. E fez um alerta: "O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária."

Lula x Bolsonaro

A divisão entre os membros do comitê também já era esperada, uma vez que o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, já havia defendido que o Copom não deveria se “emocionar muito” com flutuações de curto prazo do mercado financeiro. Galípolo foi um dos primeiros diretores a ser indicado por Lula e é o mais cotado para assumir o cargo de Campos Neto, cujo mandato termina no fim deste ano. 

Com o freio na queda de juros, o BC abre novo flanco no embate com o Palácio do Planalto, que tem feito críticas abertas à gestão de Campos Neto desde o início do terceiro mandato. No Ministério da Fazenda, a avaliação é de que havia espaço para uma queda mais forte, já que o cenário melhorou desde meados de abril. Mas a queda de 0,25 ponto já estava na conta, uma vez que Campos Neto não “voltou” atrás em suas declarações.

No comunicado de hoje, o BC também deu "especial ênfase" ao compromisso com a meta de inflação: "O Comitê também reforça, com especial ênfase, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta".


A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, avalia que o comunicado do Copom não deu muitos detalhes no comunicado do que mudou ante a reunião anterior para resolver contrariar a indicação de corte de 0,50pp e pisar no freio. Segundo ela, o Copom se limitou a alegar mais incerteza nos cenários local e global.

Em relação aos próximos passos, a economista acredita que há espaço para novos cortes, agora em ritmo menor, embora o BC não tenha dado pistas sobre isso. "O comunicado também foi mais 'hawkish' por retirar a indicação dos próximos passos, que estariam dependentes do cenário de convergência da inflação para meta", disse, em relatório.

Mesmo com o corte menor de juros, o que, na prática, segura a inflação, ficou a impressão entre os economistas que o efeito será inverso sobre as expectativas inflacionárias, com aumento à frente. Isso porque o racha na decisão aumenta temores de que o BC pode ser menos comprometido com o controle da inflação quando os indicados por Lula forem maioria. Todos os emissários do presidente votaram hoje por um corte mais forte, de 0,50 ponto porcentual.

O economista-chefe da Novus Capital, Tomás Goulart, concorda e avalia que o aumento das expectativas de inflação pode forçar os membros considerados "mais duros" do comitê a ser ainda mais austeros com os juros daqui para frente.

--- Se a piora das expectativas de inflação levou o BC a reduzir o ritmo de corte, uma nova rodada de deterioração pode fazer com que esses mesmos diretores votem por deixar a Selic parada em 10,5%.

Goulart acredita, no entanto, que ao menos mais um corte de juros de 0,25 ponto porcentual é factível, a depender da evolução do cenário internacional. Por ora, o economista projeta mais duas quedas de 0,25pp, com a Selic terminando o ano em 10,00%. Para ele, é necessário ter mais informações sobre como pensam os diretores que queria uma redução mais forte nesta quarta.

Veja como votou cada diretor no Copom desta quarta-feira:

  • Roberto Campos Neto, Presidente: 0,25pp, para 10,50%
  • Ailton de Aquino, ​​Diretor de Fiscalização: 0,50pp, para 10,25%
  • Carolina Barros, ​​Diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta: 0,25pp, para 10,50%
  • Diogo Guillen, ​​​Diretor de Política Econômica: 0,25pp, para 10,50%
  • Gabriel Galípolo, ​Diretor de Política Monetária: 0,50pp, para 10,25%
  • Otavio Damaso, Diretor de Regulação: 0,25pp, para 10,50%
  • Paulo Picchetti, ​Diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos​: 0,50pp, para 10,25%
  • Renato Dias de Brito Gomes, ​​Diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução: 0,25pp, para 10,50%
  • Rodrigo Alves Teixeira, ​​​Diretor de Administração​: 0,50pp, para 10,25%

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