Cortella: 'A tecnologia não pode ficar à parte do processo de escolarização', diz filósofo que estará no Festival LED

Professor cita Guimarães Rosa para tratar da euforia provocada pela inovações tecnológicas na educação: 'Não convém fazer escândalo de começo. Só aos poucos é que o escuro é claro'

Por — Rio


Mario Sergio Cortella é educador e filósofo Divulgação

RESUMO

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GERADO EM: 21/06/2024 - 04:30

Integração da tecnologia na educação com Cortella

Professor Mario Sergio Cortella discute a integração da tecnologia na educação, lembrando a importância do pensamento crítico. Ele destaca a necessidade de preparo dos educadores e cautela no uso da inteligência artificial, além de abordar a resistência de políticos conservadores em relação ao ensino de Filosofia.

O professor Mario Sergio Cortella cita Guimarães Rosa para tratar da euforia provocada pela inovações tecnológicas na educação: “Não convém fazer escândalo de começo. Só aos poucos é que o escuro é claro”. Com 22 milhões de seguidores nas redes sociais, o educador e filósofo, que conviveu por 18 anos com Paulo Freire, estará amanhã no Festival LED, realizado pela Globo e Fundação Roberto Marinho, em parceria com a Editora Globo, com apoio da Fundação Bradesco.

Pode me contar alguma situação curiosa que viveu com o Paulo Freire?

Eu tive a honra de ter sido o último a ser orientado por ele no doutorado. Minha defesa foi marcada, como aconteceu, para o dia 12 de junho de 1997, uma quinta-feira, Dia dos Namorados. E no dia 2 de maio de 1997 o professor Paulo faleceu. Poucos dias antes da minha defesa. Seria absolutamente honroso para mim falar que Paulo Freire presidiu a minha sessão de defesa de tese de doutorado. Mas ele não pôde fazê-lo presencialmente.

Qual é a diferença do projeto de uso de tecnologia do Paulo Freire na rede municipal de São Paulo na década de 1990 para o que vemos hoje na rede do estado com Renato Feder?

Paulo Freire notava que a tecnologia tinha um lugar relevante na escola, mas não era um papel que tinha ainda toda a nitidez de qual seria o caminho a seguir. Podemos notar que muitos países fizeram uma implantação mais acelerada e depois retomaram um passo anterior na medida em que se percebeu que uma parcela disso poderia desmontar o pensamento criativo, o pensamento crítico e a capacidade de produção de conhecimento de forma autônoma.

Como o senhor vê a atual estratégia de São Paulo em relação à implementação de tecnologias educacionais?

O Guimarães Rosa lembra algo especial: “Não convém fazer escândalo de começo. Só aos poucos é que o escuro é claro”. E esse escuro ainda não está tão claro. A tecnologia, de modo algum, pode ficar à parte do processo de escolarização. Mas a gente não pode ter informatofobia, que é um pânico em relação ao mundo digital, nem informatolatria, que é a adoração. Vejo algumas políticas com preocupação. Sem um preparo mais denso de um grupo imenso de educadores, qualquer açodamento leva a um desastre futuro. Isso em redes públicas, e com a dimensão da rede do estado de São Paulo, fica ainda maior.

Que riscos esse açodamento pode causar?

Tradicional não é velho, tradicional é antigo. Não confunda antigo com velho. Antigo é aquilo que tem bastante idade, velho é aquilo que não tem mais lugar. Se a tecnologia entra num circuito no qual se tira o antigo supondo que ele seja velho, mas não sendo, a capacidade de prejuízo fica maior. Por isso, de novo, é bom lembrar o que diz Guimarães Rosa. Ou Hegel, que dizia: “Quem exagera o argumento prejudica a causa”.

O senhor é otimista em relação à inteligência artificial na educação?

Eu desejo algum uso do cotidiano da inteligência generativa, mas de modo algum quero que aquilo que é automático seja autônomo. Um exemplo concreto: quando entro num elevador e eu aperto um botão, ele é automático. Ele leva para o andar que pedi. Não quero que ele me leve para onde ele decidir. Na educação, a IA traz uma turbulência porque exige a revisão de processos avaliativos e pedagógicos. Com a inteligência artificial, na medida em que não basta demandar trabalhos que podem ser mimetizados, o aluno teria de lidar mais, e isso é muito bom, com a reflexão. Portanto, a IA vai trazer transtornos que terão, no meu entender, efeitos positivos.

Qual o motivo pelo qual políticos conservadores recorrentemente atacam o ensino de Filosofia?

O que é que a filosofia introduz que causa ojeriza em pessoas com perspectiva autoritária de qualquer dimensão? Ela introduz a suspeita. A dúvida sobre a certeza aprimora a certeza. A dúvida em relação àquilo que parece absolutamente sólido garante que não haja desabamento. Não é uma dúvida pela dúvida, é uma dúvida, como diria Descartes, metódica.

A filosofia é ideológica?

Sim, sem dúvida alguma. Karl Marx, que pouca gente leu, já criticava o pensamento de Hegel, a quem ele admirava, por isso. A recusa de alguns é supor que a filosofia seja marcada por uma ideologia de esquerda. Como dizia Francis Bacon, é preciso quebrar os ídolos que estão à volta. E essa identificação se dá porque a filosofia defende um pensamento crítico. Esse componente desagregador, para agregar melhor adiante de modo crítico, acaba sendo identificado com uma perspectiva revolucionária.

Em 2021, o senhor afirmou que o país não tinha projeto educacional. Agora na gestão de Camilo Santana há?

Este momento do governo ainda é de regeneração de algumas situações que estavam abafadas, retomando alguns caminhos na área de alfabetização, formação docente, mas ainda não se deu ainda um passo mais incisivo. Eu acho que dois anos é um tempo em que se pode dar crédito para essa regeneração. Depois desse período, o projeto terá que ser mais nítido.

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