Thales Machado
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Thales Machado

Por — Rio de Janeiro

O Fluminense acabara de se tornar campeão da Libertadores e a catarse tomava conta do Maracanã. A plaquinha de metal com o nome e escudo tricolor era colada e o troféu vinha até o pódio. No campo, os heróis celebravam, e davam entrevistas. Cano, o artilheiro. Diniz, o comandante ovacionado. André, o melhor em campo. Mas John Kennedy, do gol do título, da história de superação, de Xerém, do cabelo nevado... estava proibido de falar.

O protagonista não podia dar entrevista. Expulso logo após o seu ato máximo, o atacante, que veio do banco, ouviu de seu técnico a profética declaração de que faria o gol do título, e cumpriu a profecia com a simplicidade de quem chupa um Chicabon, não poderia dizer umas palavras sobre o que diabos sentia.

Segundo o regulamento, o jogador expulso não pode dar entrevistas após o fim do jogo. Regras de um campeonato... que acabara de terminar! Como se fosse maior que o êxtase que a própria competição criou, o livro de regras fez cumprir uma lei do silêncio tão sem sentido como a proibição de mascotes, de recepção de torcedores a ônibus de jogadores ou até de que os atletas saudem a torcida antes de posar para a foto - sim, a Conmebol distribuiu multas para todas as infrações listadas na Libertadores ou Sul-Americana de 2023.

Não dá pra duvidar que, organizasse a coroação de um rei, a Conmebol proibisse joias na coroa, ou vetasse uso de fumaça se estivesse responsável pelo cerimonial do conclave de um novo papa. Proibir John Kennedy de falar após fazer o que fez é não deixar que um presidente fale à nação logo após ser eleito.

Diante da mordaça burocrática, não dá para não evocar o tricolor Nelson Rodrigues - como já fiz na história do Chicabon -, e lembrar dos idiotas da objetividade, que era como o escritor chamava seus colegas que só viam tudo pela lente assertiva da clareza e da transparência.

E não há nada que combine menos com a história de John Kennedy, nosso personagem da semana, do que a objetividade. De infância muito pobre, cresceu em cidade pequena e foi descoberto para jogar bola. Craque da base, nome de presidente americano, parecia fadado ao sucesso, mas os percalços da vida - os ditos e não ditos - o tiraram do prumo e do rumo. Amigos, festa, noite e a perseguidora indisciplina. Quando foi expulso de campo ao comemorar seu gol grudado na torcida - outras das regras questionáveis -, a impressão foi que JK sentia, não pela primeira vez, a frustração da punição por fazer algo que não sabia que era errado.

John Kennedy deslumbrou-se primeiro - numa clássica história de jogador brasileiro, que só não teve fim parecido porque o técnico Fernando Diniz o deu a mão -, para deslumbrar a todos depois. Do o "a gente já perdeu muitos John Kennedys por aí", em maio de 2022, para o "você vai fazer o gol do título", predição do sábado da ilusão, as frases de Diniz constroem um caminho nada objetivo que desembocam na corrida desenfreada do guri, suado e veloz do batente, rumo a algo que teve pouco: o abraço de muitos.

Sim, há semelhanças entre os "John Kennedys que perdemos por aí" de Diniz e o "Meu Guri" de Chico Buarque, outro ilustre torcedor do Fluminense. Com a diferença que eles diziam que chegavam lá. John Kennedy de fato chegou. Estampado, manchete, retrato: herói tricolor.

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