Gustavo Poli
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Foi uma daquelas frases que explicam o Brasil — um daqueles momentos em que o futebol é literatura, é Rubem Fonseca, é Ferreira Gullar e Cacaso, poesia contemporânea e raiz. As palavras do homem de letras Fernando Diniz numa, digamos, tradução livre:

— Você vai me expulsar porque eu mandei ele tomar caju? Pô...... todo mundo manda todo mundo tomar caju!

Ele havia recebido o cartão vermelho do nobre e muscular árbitro Anderson Daronco, que teve a delicadeza de explicar:

— O senhor interagiu ao mandar o jogador tomar caju. Eu escutei.

Que descrição sensacional —o casamento entre juridiquês (ou arbitrês castiço) e português barbarizado. No Brasil, manda-se tomar caju com frequência — é algo cultural, pode ser ofensivo, divertido, terapêutico, agressivo — ou tudo isso ao mesmo tempo. Nesse caso foi acima de tudo curioso.

Daronco escutou porque foi um caju amplo, geral e irrestrito — aquele caju que vem do fundo da alma e tramita na garganta. O cajueiro inteiro em forma de ira santa. Era uma reação de Diniz a algo que o boleiro vê como pecado capital. Manoel chutara a bola para fora e estava estirado no chão, acusando lesão na coxa. E Luciano tentou bater rápido o arremesso lateral.

A falta de fair play é rara unanimidade no mundo da bola. Diante dela, o treinador tricolor perdeu as estribeiras e a razão. Depois da partida, como de hábito, Diniz monstro deu lugar ao Diniz médico — o vulcão foi substituído pela analítica planície. Diniz muitas vezes parece o futebol em pessoa — o esporte que, num lance qualquer, tira o neandertal profundo da pele do mais tibetano dos monges. Mas ele está errado quando diz que expulsar por palavrão é exagero?

O escritor americano Mark Twain dizia que, em certas circunstâncias, o palavrão provoca um alívio inatingível até pela oração. Tomar caju (e seu derivado tomar com molho o seu caju) não tem sinônimo porque expressa uma intensidade que não cabe na língua dos gabinetes.

O palavrão sempre esteve no idioma do futebol. Em campo, no caminho do estádio, nos vestiários, preleções. Cansamos de ver xingamentos seguidos por rezas. Quando a arquibancada busca a mãe do juiz, é obviamente uma ofensa anedótica. Hoje em dia estamos nos levando a sério demais, procurando micro-crises com lupa e esquecendo que o humor, por natureza, cruza fronteiras. O futebol, lembremos, é diversão.

Na sociedade do instagram, aparências importam cada vez mais. Atualmente há câmeras e microfones por toda parte. Um mero deslize (alô Gabigol) e sua imagem pode ser desconstruída. Ofender o jogador adversário cruza um limite. E o caju frequente deixa de ser recurso — vira mera falta de educação.

A diferença entre veneno e remédio está na dose — diz a frase atribuída a Paracelso, médico e alquimista suíço. Todo mundo fala palavrão... de vez em quando. Num esporte de alto rendimento, o xingamento motivador é cabível, mas não por acaso quase sempre privado. O que acontece no vestiário... fica no vestiário. O que acontece no campo... fica no campo. Usemos o cajueiro... com moderação.

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