Martha Medeiros
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Martha Medeiros


Quando me perguntam por que gosto tanto de Londres, que é considerada uma cidade difícil, destaco logo o que me atrai nela: a mistura de vanguarda com polidez. A gente sabe que para romper padrões, é preciso ousadia, e ousadia raramente está relacionada aos bons modos. A pessoa arrojada se coloca de forma quase afrontosa, é assim que ela consegue ser vista e escutada, é o jeito que ela estimula o mundo a sair do comodismo e dar um passo à frente. A vanguarda é o motor que faz o mundo avançar e este motor faz barulho.

Aí penso em alguns ingleses notórios. Mick Jagger e David Bowie nunca foram homens recatados. Tim Roth sempre pensou fora da caixa. Vivianne Westwood estava longe de ser uma senhora discreta. Os Beatles convulsionam seus fãs até hoje. Artistas inovadores, que revolucionaram os costumes e a maneira de pensar a vida, mas com um adicional very british: nunca dispensaram a pitadinha de fleuma.

Sejam monárquicos ou plebeus, ingleses inspiram esta cronista avessa ao estardalhaço. Tenho um fraco por gente reservada, que não chega com um megafone na mão, metendo os dois pés na porta. Por homens e mulheres que, mesmo tendo conquistado visibilidade para suas expressões artísticas ou de qualquer outra ordem, respeitam o espaço do outro e cruzam as pernas, elegantemente, durante uma conversa. Podem ter o cabelo encardido e olheiras profundas, podem trocar o chá pelo bourbon no café da manhã e mandar todo mundo longe, mas nunca perdem a educação. “Go to hell... please”.

Eu adoraria ser uma escritora de vanguarda, mas até agora só consegui ser polida. Procuro não ser um estorvo na vida de ninguém. Estou sempre atenta para não atravancar o vai e vem dos pedestres, não chegar atrasada, não incomodar com pedidos esdrúxulos. Fico embaraçada se alguém tiver que desviar da sua rota habitual para me dar uma carona, me apresso no banheiro quando sei que há uma fila lá fora, não toco em assuntos constrangedores com quem não tenho intimidade. Lembrei agora de um amigo que também é assim, um roqueiro brasileiro que tem com sua guitarra uma relação titânica, mas depois que o show termina, é quase tão encabulado quanto Eric Clapton. Não quero aborrecê-lo com essa exposição, melhor perguntar a ele se estou autorizada a revelar sua identidade. (....) É um lorde, autorizou. Sir Tony Belotto.

Eu poderia desistir de meu amor por Londres por causa da chuva, esse trauma que agora tenho, mas as mudanças climáticas estão afetando os dias por lá também, Londres anda mais quente e ensolarada. Meu fascínio só aumenta por esta cidade que sempre me cativou com sua energia criativa, rebelde e progressista, sem deixar de ser civilizada. É meu pequeno manifesto por cidades menos caretas e brutais.

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