Luana Génot
PUBLICIDADE
Luana Génot
Informações da coluna

Luana Génot


Há uma porta atrás de você. Uma porta que, uma vez cruzada, parece ter o poder de fazer muitos de nós esquecermos de onde viemos. Nos faz esquecer que um dia alguém nos estendeu a mão para abri-la. É sobre essa porta e o que acontece depois de passarmos por ela que gostaria de falar. É sobre a perigosa tendência do oprimido se tornar opressor, como já disse Paulo Freire. Atenção ao opressor que pode morar dentro de nós, erguendo barreiras para outros. Que nos cochicha aos ouvidos e nos faz esquecer da importância de deixar a porta aberta.

Quando estamos do lado de dentro, é fácil nos acomodarmos na ideia de que merecemos estar ali, que alcançamos nosso lugar por mérito próprio, ignorando as mãos que nos ajudaram a subir os degraus. Faz bem ao ego. Deixamos para trás a força do coletivo. Ninguém faz nada sozinho.

Uma autora renomada pode desbravar caminhos para escritores emergentes. Um programa de cotas pode apoiar talentos de grupos sub-representados que não tinham oportunidade de acessar uma determinada empresa. Um músico famoso pode ser a chave para a ascensão de novos talentos na indústria musical. Uma executiva consolidada pode abrir portas para quem ainda está começando sua jornada profissional. Em geral, estes movimentos são intencionais.

Entretanto, ao invés de reconhecermos a importância de cotas e outras medidas que visam derrubar barreiras de acesso, caímos na armadilha do mito da meritocracia. Ocultamos trunfos, como alguém que endossou para uma vaga, ou ainda heranças materiais e simbólicas que apoiam a catalisar conquistas. Ignoramos também as barreiras estruturais, e as oportunidades desiguais que moldam nossas experiências sociais coletivas. À medida que nos estabelecemos do lado de dentro, corremos o risco de ignorarmos aqueles que ainda estão do lado de fora.

Podemos nos sentir superiores e distantes, esquecendo que o mundo dá voltas. Amanhã, talvez, sejamos nós os que precisarão de ajuda para abrir novas portas. É necessário exercitar a consciência de mantê-las abertas, especialmente para grupos que enfrentam opressão constante. Julie Battilana e Tiziana Casciaro, no livro “Power for all”, destacam que a opressão é multidimensional. Pessoas que já se sentiram oprimidas ou as que ainda se sentem desprovidas de poder são capazes de justificar o sistema existente, resistindo à mudança em busca de uma falsa estabilidade em meio à incerteza. Essa resistência, por vezes, nos impede de romper com as estruturas que perpetuam opressões.

É crucial permanecermos vigilantes, examinando criticamente nossas ações. Assim como alguém nos abriu a porta, podemos estender a mão para quem ainda está do lado de fora e construirmos juntos um futuro onde as oportunidades não sejam privilégios, mas direitos de todos. Afinal, a porta atrás de você é uma oportunidade para mudança, não apenas para quem entra, mas para todos que têm a coragem de deixá-la aberta e facilitar a entrada.

Mais recente Próxima Antes do além vida