Zeina Latif
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Zeina Latif
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Zeina Latif

Economista


RESUMO

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GERADO EM: 19/06/2024 - 04:00

Recuperação do Consumo Familiar e Riscos Econômicos

Consumo das famílias apresenta recuperação, impulsionado por crédito e emprego favorável. Transferências de renda do governo são relevantes, mas reformas são necessárias para conter crescimento e incentivar a poupança. Risco de decepção na política econômica pode impactar as perspectivas futuras.

O consumo das famílias exibe bom desempenho. E não é de hoje. Nota-se uma volta à normalidade depois da forte contração em 2015, na grande recessão, e das enormes oscilações em 2020 e 2021. A taxa média de crescimento real desde 2022 é de 0,9% trimestral (descontado o padrão sazonal).

Ainda não foi atingido um patamar de consumo compatível com a tendência anterior à pandemia. Mas essa convergência não deverá tardar, mesmo em um cenário de juros altos por mais tempo do que se imaginava, como resposta ao aumento do risco inflacionário.

O que a política monetária faz é suavizar o ciclo de consumo, e não o reverter, inclusive porque a inflação alta prejudica o consumidor. As poucas inflexões na trajetória de alta do consumo estiveram associadas a graves crises.

Vejamos o quadro atual dos principais motores do consumo.

No mercado de crédito, a redução da inadimplência vem abrindo espaço para a aceleração do crédito para a pessoa física (PF), depois de um 2023 mais modesto. Enquanto isso, o aumento da bancarização permite maior acesso das pessoas ao crédito.

Assim, o estoque recorde de crédito livre da PF em 17,9% do PIB pode refletir, em boa medida, a maior base de clientes das instituições financeiras, e nem tanto eventuais excessos no endividamento de cada indivíduo.

O comportamento do emprego tende a se manter favorável. O ciclo de juros pouco afeta essa dinâmica. Provavelmente, o elevado custo de demissão faz as empresas serem mais conservadoras nas decisões de desligamento, bem como de contratação, tornando o ciclo do emprego mais suave.

É verdade que as reformas trabalhistas de 2017 proveram maior flexibilidade ao mercado de trabalho e menor insegurança jurídica, o que vem incrementando a oferta de vagas de trabalho. Mas não há sinais de excessos nas contratações a serem corrigidos, especialmente com o crescimento econômico mais disseminado entre setores da economia e regiões do país.

Outra variável importante é o rendimento do trabalho. Este sim tende a ter variações mais modestas com a reafirmação do compromisso do Banco Central com a inflação na meta. E é bom que assim seja, pois preocupa o rendimento nominal estar subindo 9% na variação anual, ante meta de inflação de 3% e ganhos modestos de produtividade do trabalho.

Ajustes salariais mais robustos podem em parte decorrer da desconfiança dos empregadores quanto ao cenário de inflação, apostando haver um espaço para repassar a pressão de custos da folha aos preços finais.

Com os principais motores do consumo em recuperação, seria exagero afirmar que sua elevação é artificialmente sustentada pelas transferências de renda do governo — gastos com Previdência e Seguridade Social e com o Auxílio Brasil / Bolsa Família. Por outro lado, é inegável sua relevância. Se em 2004, 18% da massa total de rendimentos das famílias vinha das transferências, em 2023 atingiu-se 25%.

Reformas são necessárias para conter esse crescimento, por conta do maior peso nas contas públicas e do impacto na dinâmica de longo prazo da economia. Haveria ganhos para o potencial de crescimento do país se as políticas sociais não destoassem tanto da experiência de países emergentes. Temos políticas mais generosas — e que falham na focalização nos mais pobres — que desincentivam a poupança dos indivíduos na idade ativa.

Quando somada ao peso do setor público, a baixa poupança doméstica significa menos recursos disponíveis para o investimento produtivo e maior custo do dinheiro.

Ao mesmo tempo, reformas são necessárias para aumentar a produtividade do trabalho. Além dos baixos salários, a taxa de ocupação daqueles com menor estudo exibe, ao longo dos anos, preocupante tendência de queda. Limita-se, assim, o desenvolvimento do mercado consumidor.

Sem reformas amplas, não será possível um grande salto no consumo das famílias e de forma sustentada no longo prazo. Mas esses temas não estão na agenda do atual governo.

Importante que não se frustre também o quadro mais benigno de curto-médio prazo. As perspectivas para o consumo são favoráveis, mas o risco de decepção mora ao lado, por conta de erros na política econômica.

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