Zeina Latif
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Zeina Latif
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Zeina Latif

Economista


Com frequência, os temas de política pública são contaminados pela disputa partidária, afetando o processo decisório, no Executivo e no Congresso. Afinal, não é fácil impedir o avanço de medidas com apelo popular, mesmo tecnicamente equivocadas. O problema é que as restrições técnicas estão lá e, cedo ou tarde, cobram seu preço.

A retomada da política de ajuste do salário mínimo real (corrigido pela inflação) pela taxa de variação do PIB, criada no governo Dilma Rousseff, está no grupo de políticas econômicas equivocadas que deveriam ser evitadas. Trata-se de uma regra muito rígida, incompatível com as condições mutantes na economia, carregando grande risco.

O risco fiscal é evidente. O aumento de R$ 1 no salário mínimo (SM) implica um aumento líquido de R$ 388,6 milhões nas despesas da União (há também impacto para estados e municípios), segundo o Tesouro. Considerando apenas o ganho real de R$ 41 em 2024 em relação a 2023, o impacto líquido no orçamento é de R$ 16 bilhões.

Fosse a Previdência menos onerosa, poderia haver maior espaço para esses gastos extras, mas não é o caso. Gastamos no total 12% do PIB, bem acima do padrão mundial.

Além disso, reativar essa regra em meio à introdução do arcabouço fiscal, que estabelece um teto para o crescimento dos gastos públicos foi má ideia. Compromete-se a própria regra fiscal, além de comprimir ainda mais os recursos para as chamadas despesas discricionárias da União (ou não obrigatórias), principalmente o investimento.

Há também consequências sobre a dinâmica da economia: no mercado de trabalho, na saúde das empresas, na inflação e nos juros. Valores elevados do SM real, superiores à produtividade dos trabalhadores, podem acarretar a elevação do desemprego e da informalidade, bem como maiores dificuldades das empresas. O repasse dos custos elevados da folha aos preços finais alimenta a inflação, exigindo juros mais elevados.

Se o valor do SM estivesse muito defasado, a política de valorização seria adequada, pois trabalhadores com menor capital humano em estruturas econômicas mais concentradas têm baixo poder de barganha, obtendo ajustes salariais inferiores aos ganhos de produtividade do trabalho. Nesse caso, haveria uma margem para incremento do SM, sem que isso gerasse aumento do desemprego ou pressão inflacionária.

No início de 1995, o governo FHC iniciou uma política de valorização do SM. A decisão foi acertada, pois entre 1981 e 1994 seu valor real encolheu 47%, cifra muito superior à queda de 7% da produtividade (por população ocupada), de acordo com o Ibre. A valorização ganhou fôlego maior nos governos Lula 1 e 2.

Tomando 1981 como ponto de partida para analisar a evolução do SM real e da produtividade, pode-se dizer que em 2009 se atingiu o equilíbrio entre essas variáveis. Assim sendo, não seria mais necessária a política de valorização do SM, bastando a correção real seguir alguma medida de aumento de produtividade, como a variação do PIB per capita. No entanto, a partir de 2009, o SM real subiu quase 27% e a produtividade, apenas 7%. O descasamento ocorreu particularmente no governo Dilma, quando além da política de correção real pela variação do PIB, os erros de política econômica encolheram a produtividade.

No contexto atual, com a projeção de crescimento do PIB pelos analistas em 2%, em 2024 e nos próximos anos, acima dos ganhos de produtividade (desde 2000, a média foi de 0,6% ao ano), o problema está contratado. Além disso, o mercado de trabalho aquecido recomendaria evitar maior pressão salarial, pelo seu risco inflacionário.

O grupo mais vulnerável da sociedade (sem instrução ou com fundamental incompleto), que representa 30% da população em idade ativa, foi o que mais teve aumento de rendimento real do trabalho na média do ano passado (3,5% ante 1,1% dos demais), o que provavelmente reflete a maior elevação do SM, que também influencia a remuneração dos informais (64% estão nesse grupo).

Sem surpresa, houve queda no emprego (ocupação) nesse grupo em 2024 (-3,8%) ante crescimento médio nos demais (+3,0%). O quadro acaba pesando no Bolsa Família, ainda que parte do movimento possa ser voluntário, dado o valor do benefício.

Os problemas tendem a se avolumar adiante, mas parece pouco provável a correção de rumos pelo atual governo. Mais uma dor de cabeça para o próximo.

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