Imagine um local onde é possível encontrar de cerveja a brigadeiro de palmito. Ele existe e fica na Fazenda Vale do Pupunha, na cidade paulista de Iporanga, em plena Mata Atlântica. Tudo começou em 2004, quando a família de Anna Gabriela Rodrigues decidiu trazer uma tonelada de sementes de pupunha do Pará para a cidade conhecida como Capital das Cavernas, onde o cultivo de banana e café predominava.
- Mais cara do mundo: Conheça a carne Wagyu, que produtores tentam tornar acessível no Brasil
- Muito além do ‘tomatinho’ e da ‘cenourinha’: Produtores investem em versões mini de legumes e verduras
Junto com os pais, José Osmar de Araújo e Ana Maria Meneghello de Araújo, e o marido, Fábio Braga, Anna Gabriela plantou 100 mil pés de pupunha na fazenda. O que antes tinha como único objetivo preservar palmeiras de juçaras nativas, sob risco de extinção devido ao extrativismo predatório, aos poucos se transformou em um projeto de vida.
— Como aqui é floresta, elas ficavam extremamente vulneráveis. Os palmiteiros entravam na mata, e não podíamos fazer nada. Foi aí que tivemos a ideia de criar um cinturão de pupunha no entorno, uma barreira de proteção — relembra a proprietária da Fazenda Vale do Pupunha.
- Muito além da soja: Brasil se destaca na exportação de amendoim com alta de 40% em 3 anos
Pouco retorno
Quando a palmeira juçara é cortada para obtenção do palmito, miolo comestível encontrado no tronco da árvore, a planta morre, e é preciso quase uma década para que outra nasça no lugar, explica Anna Gabriela. Por isso, dentre todas as espécies de palmeiras, a pupunha, nativa da Região Amazônica, é a alternativa que apresenta maior sustentabilidade econômica e ambiental.
![Trabalhadores recolhem hastes de pupunha na Fazenda Vale do Pupunha, em Iporanga (SP) — Foto: divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/xdmICcVJYyAQFG8mnf1Z_Rhpp-k=/0x107:1024x768/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/4/i/TxPQ2wSvizElmixoBwaQ/whatsapp-image-2024-07-03-at-15.30.28-2-.jpeg)
A razão é que diferentemente da juçara, o desenvolvimento da pupunheira é bastante acelerado e pode haver extração o ano inteiro. Além disso, uma mesma muda continua produzindo novos brotos após ser cortada, diz Anna.
Segundo a agricultora, toda semana são retiradas cerca de 2 mil hastes de palmito pupunha, que são enviadas para uma indústria da região, envasadas e, mais tarde, disponibilizadas nas prateleiras dos supermercados:
—O problema é que do vidro (de palmito) que você paga R$ 20, apenas R$ 3,50 são destinados ao agricultor. Isso não cobre os custos, é inviável. Não queria mais essa dependência, então, em vez de aumentar a área, preferimos horizontalizar a produção.
Foi assim que ao longo dos últimos 20 anos, ainda tendo sustentabilidade como um dos principais pilares, de acordo com Anna Gabriela, a propriedade, apelidada de Palmitolândia, transformou-se em um empreendimento maior, unindo agricultura, gastronomia e turismo.
![Anna Gabriela Rodrigues e o marido Fábio Braga uniram agricultura, gastronomia e turismo na Fazenda Vale do pupunha — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/MsURr4UYTyoE3VdFIPBQtNgIKKc=/0x0:598x600/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/N/R/6foAuPRQe9SsUZzOyxMg/img-7809.jpeg)
Os visitantes podem conhecer a plantação de palmeiras, ver a extração de palmito, passear pela agrofloresta, fazer trilhas, participar de oficinas e experimentar as mais de mil receitas do alimento.
Sem revelar valores, ela afirma que a receita gerada pelo turismo na propriedade não supera as vendas do palmito para indústria, mas a iniciativa é o primeiro passo para viabilizar o projeto pensado a longo prazo pela família, da valorização da palmeira:
- Sem intermediários: Tecnologia ajuda a reduzir o desperdício da produção agrícola
—É um propósito. A gente quer transformar o pupunha em ouro branco para deixar o juçara de pé na floresta. Nós entendemos o valor do produto, mas o consumidor ainda não. O desafio é passar o conhecimento para frente. Focamos na economia criativa para mostrar que o palmito vai muito além da salada.
Por isso, os pratos vão desde os mais tradicionais, como macarrão de pupunha, aos mais inusitados: alfajor, brigadeiro, cerveja, licor, pães, suco e até sushi de palmito entram no cardápio. E não para por aí.
A pupunha ainda serve de matéria-prima para a fabricação de uma série de produtos — enquanto o tronco é triturado e transformado em papel, os galhos viram vassouras, as sementes, “biojoias” e as fibras, instrumentos musicais.
Assim, é possível aproveitar quase 100% do que é extraído da palmeira, zerando o desperdício no processo de produção, diz a agricultora:
—O palmito é igual à cebola, cada camada abre uma nova possibilidade. Se eu fosse só destinar à indústria, jogaria 80% fora. Não é inteligente derrubar uma palmeira inteira para isso.