Economia
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Por — Rio de Janeiro e Paris

O avanço da extrema direita no Parlamento Europeu deve acirrar medidas protecionistas que têm parceiros comerciais na mira, como o Brasil. Sob a bandeira verde da redução de emissões de carbono, começa a vale a partir de 1º de janeiro de 2025, o European Union Deforestation Act (EUDR), a lei antidesmatamento da União Europeia (UE), cujo principal objetivo é impedir a importação de produtos originários de áreas que foram desmatadas, legalmente ou não, a partir de 2020.

Para especialistas e representantes dos setores que serão afetados, embora a lei tenha a finalidade de conter o desmatamento, ela impõe barreiras comerciais a países sem que um diálogo sobre as novas regras tenha sido travado em fóruns multilaterais. E atropela legislações nacionais, ao não diferenciar desmatamento legal de ilegal.

—Não considerar o desmatamento legal é muito questionável — afirmou Rodrigo Lima, sócio-diretor do Agroícone.

No Brasil, o Código Florestal permite percentuais específicos de desmatamento para propriedades rurais de acordo com o bioma. Na Amazônia, por exemplo, é 20%. Na Mata Atlântica é de 80%.

Nos países da UE, os limites são bem menos rígidos: apenas 4% das propriedades rurais precisam ser preservadas, segundo a política agrícola comum do bloco. E esse limite deve ser flexibilizado diante da onda de protestos de agricultores deste ano.

Ainda assim, representantes de países da UE, como a França, negam que a lei seja protecionista.

— Ela é compatível com os Acordos de Paris e com a Organização Mundial do Comércio — disse ao GLOBO um alto funcionário do Ministério da Economia, Finanças e Soberania industrial e digital francês.

Produção de café em Minas Gerais: setor desenvolveu uma plataforma para rastrear a origem dos produtos exportados para a UE — Foto: Douglas Magno/AFP
Produção de café em Minas Gerais: setor desenvolveu uma plataforma para rastrear a origem dos produtos exportados para a UE — Foto: Douglas Magno/AFP

A nova lei tem como foco sete setores: gado bovino, café, cacau, produtos florestais (que abrange papel, celulose, bem como madeira), soja, óleo de palma e borracha. A lista inclui derivados, como couro, móveis e chocolate.

Caberá aos importadores europeus provar que estão comprando produtos livres de desmatamento e que atendem outros critérios, como a garantia de que não foi usada mão de obra análoga à escravidão e que os produtores respeitam os direitos humanos.

A legislação recai por tabela sobre os exportadores. Por isso, empresas e associações brasileiras se movimentaram, enviaram missões a Bruxelas e desenvolveram plataformas próprias para rastreabilidade dos produtos. Querem, assim, usar a legislação a seu favor, como um diferencial em relação a outros países.

Exportações de papel e celulose são 100% certificadas

O setor de papel e celulose é um dos que estão mais avançados. O Brasil é o maior exportador de celulose do mundo, e 22% a 23% do que é vendido ao exterior vão para a União Europeia.

De acordo com José Carlos Fonseca Jr., diretor de Relações Governamentais da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) e presidente da Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel), 100% do volume exportado têm certificação de que não houve desmatamento desde 1994, ano usado como parâmetro pela certificadora internacional.

— Nossas empresas têm floresta e indústria. Sabemos de onde vem cada árvore que está no pátio — diz ele, que integrou uma equipe da Ibá enviada a Bruxelas em outubro para tratar do assunto.

No caso da cafeicultura, foi desenvolvida uma plataforma própria, a Cafés do Brasil, uma parceria do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil com a Serasa Experian. Nela, há dados de sensoreamento remoto, geolocalização dos produtores, lista suja de trabalho escravo, entre outros.

Dos 120 associados do Cecafé, 50 já aderiram à plataforma, que está em fase de testes. Esse grupo representa 94% das exportações para a UE e, até o fim deste mês, a ideia é que a adesão à plataforma de mais associados chegue a 98% das exportações para o bloco.

— A gente quer mostrar que está fazendo tudo de forma organizada, para nos diferenciarmos e termos poder de barganha nas negociações — disse Marcos Matos, diretor geral do Cecafé.

Produtores de cacau não serão afetados, pois o país é importador da amêndoa de cacau — Foto: Dado Galdieri/Bloomberg
Produtores de cacau não serão afetados, pois o país é importador da amêndoa de cacau — Foto: Dado Galdieri/Bloomberg

Pedido para que multas sejam adiadas

Apesar de considerar que o setor está se preparando, o Cecafé se uniu a produtores da Costa Rica e da Colômbia para pleitear uma espécie de moratória da aplicação de multas. A lei prevê que, se os importadores não cumprirem as regras, poderão ser multados em até 4% do faturamento anual. A proposta do setor, que será levada à Comissão Europeia, é que a pena não seja aplicada por um a três anos, para que haja um período de adaptação.

Outro pleito dos exportadores é que haja uma regionalização do risco do desmatamento. A lei prevê que os países serão classificados em baixo, médio e alto risco de desmate. De acordo com o nível de risco, as exigências serão maiores ou menores. Mas o Brasil é de dimensões continentais. O risco maior de desmatamento em uma área não necessariamente é o mesmo em outra. A classificação ainda não tem prazo para ser concluída.

Os exportadores não questionam a finalidade da legislação europeia, que é evitar o desmatamento. Mas criticam seus parâmetros.

— O problema não é exigir que os produtos sejam livres de desmatamento, é não considerar que existe a supressão de vegetação legal. A legislação europeia ignora a legislação de qualquer país. É um sério abuso de soberania — afirmou Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).

Para Camila Dias de Sá, pesquisadora do Centro do Agronegócio Global do Insper, com a lei antidesmatamento da UE, a Europa tenta impor ao mundo sua ideia do que é sustentabilidade e perde a chance de valorizar ativos ambientais.

Brasil tem excedente de reserva legal — Foto: Divulgação/ Imagem de Drone/Amazônia
Brasil tem excedente de reserva legal — Foto: Divulgação/ Imagem de Drone/Amazônia

Excedente de reserva legal

Segundo ela, o Brasil tem um excedente de reserva legal - ou seja, uma área que está além da que deveria ser preservada legalmente - de 80 milhões a 110 milhões de hectares.

— É uma área que poderia ter sido desmatada e não foi. Isso tem um valor. Como valorar isso? A lei tem apenas incentivos negativos, é punitiva. Ela poderia ter outros incentivos. É uma visão muito europeia, estreita.

Outra crítica é com relação a lei é que ela foi adotada de forma unilateral, sem diálogo com os parceiros comerciais. Da mesma forma que a UE aprovou uma lei que cria barreiras antidesmatamento, EUA e Reino Unido estão discutindo criar suas próprias regras, mas devem barrar os produtos originados de áreas desmatadas ilegalmente. São, também, medidas unilaterais.

— Imagina se a China resolve fazer o mesmo. Cada país terá suas regras. Será uma fragmentação de medidas. Por isso, a gente tem que fazer do limão uma limonada, validar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para provar, sobretudo, que o que vendemos não vem do desmatamento ilegal — disse Rodrigo Lima, sócio-diretor do Agroícone.

Preocupação com sigilo dos dados

Ainda há muitas dúvidas. Uma delas é que como os dados serão inseridos na plataforma europeia que vai reunir as informações dos importadores. Essa plataforma, segundo Matos, do Cecafé, só estará disponível em 16 de dezembro de 2024, menos de um mês antes do fim do prazo para a implementação da medida.

Outra é com relação ao sistema de sensoreamento remoto usado na UE, o Copernicus, que seria menos sofisticado do que o usado no Brasil, por exemplo. Há ainda ressalvas quanto ao tratamento de dados. Preço ou fornecedor usado pelo exportador são dados concorrenciais. Há preocupação quanto ao sigilo dessas informações, já que serão informadas aos importadores europeus.

* A repórter viajou a convite do governo da França

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